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Jorge Mello, de 66 anos, é natural de São Paulo e enraizado na Bahia, portanto, soteropolitano por atalho do destino e escolha própria. Homem de múltiplas facetas, ele transfigurou a arte de viver dentre as performances de artista plástico, andarilho, palhaço, ambulante e, atualmente, livreiro, ou como ele mesmo disse “guardião da história”
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*Colaborou a estagiária Érica LagoÉrica Lago/R7 BA
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A figura inusitada é proprietária do Sebo Cruzada Cultural Castro Alves, situado no Centro Histórico de Salvador, um espaço repleto de magia por todos os cantos. Nessa mini cela do saber, é possível encontrar obras de importância inenarrável para o acervo cultural, além de relíquias, a exemplo de discos em vinil, máquinas de datilografar, impressos antigos, um piano, fitas de vídeos VHS e outros materiais, que tornam toda peculiaridade singular e bela
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Os sebos literários, lugares em que se compram ou vendem livros usados, são de grande importância para o conhecimento e as vertentes culturais, entretanto, andam um pouco afastados do cotidiano das pessoas, que estão propicias a suprir suas demandas literárias, em grande parte, a obras disponibilizadas pela rede da web
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O alfarrabista informou que era artista plástico, mas por questões de saúde teve que dar uma moderada nas atividades. Ele revela que após o prognóstico de tuberculose quase abriu mão das duas coisas que o mais faziam feliz, pintar e manter o sebo em circulação.
— Eu parei de pintar há muitos anos, porque tive uma doença, hoje só pinto em látex, mas pouquíssimo. Na época que eu descobri que tinha essa doença ainda não tinha o sebo aqui, esse local era de meu filho, que mantinha uma Lan House. Depois o médico me falou da tuberculose, comecei a me desfazer das coisas, mas, teve um dia que acordei, tomei um conhaque e reativei o ponto. Não consegui ficar sem meus livros. Eu sou um artista, não posso ficar parado e o Centro Histórico é minha áreaÉrica Lago/R7 BA
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Pai de quatro filhos, Jorge revela que nasceu em berço de uma família tradicional e antecipadamente descobriu sua paixão exacerbada pelos livros
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Aos sete anos, ele esperava todos dormirem para se entreter descobrindo novas dimensões em obras consideradas impróprias para crianças. O amor pelos manuscritos tomou forma e, hoje, é parte do alfarrabista, aficionado sobretudo, por obras de Castro Alves.
— Minha mãe estava passando por dificuldades e precisou me deixar na casa de um padrinho. Lá, eu fiquei até o primeiro ano da escola. Meu padrinho era cego, mas ele tocava piano, violino e era escritor. Ficar um período da minha infância com uma pessoa de talento, mesmo sendo cego, aguçou mais ainda minha sensibilidade. Eu aprendi a ler primeiro do que a escrever, por causa de uma máquina que falava as letras que ele tinha. Foi assim que começou meu amor pelos livros e depois que eu conheci os trabalhos de Castro Alves terminei me dedicando totalmente aos livrosÉrica Lago/R7 BA
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Para o livreiro, a coisa mais importante para o indivíduo como pessoa é a liberdade para pensar e agir, principalmente a harmonia entre essas duas virtudes. Ele ressaltou, ainda, que além da sensação de emancipação, todas as pessoas precisam reconhecer o poder do amor, que, segundo ele, é a mola impulsora que dá sentido a vida.
— Só a liberdade lhe dá direito de ir e vir, pensar e agir. Um ser sem liberdade não é nada. Cada um é o que pensa, sou a favor de que todo mundo tem que ser livre para pensar, e, digo mais, felizes são aqueles que amam, porque o amor é perdão, é caridade, é esperança, é fé. O amor é a maior virtude que o ser humano pode ter. Sem amor não teríamos essa evolução. Foi o amor que levou o homem desde a era glacial a criar o alfabeto, roupas, tudo. Como nosso querido Thomas Edson que criou a lâmpada, o amor é a mola impulsora do humano e do animal também, porque ele nos ama muito, é um amor puro. O amor é tudoÉrica Lago/R7 BA
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Jorge explica que a principal finalidade dos sebos é preservar a história, já que, segundo ele, todos os livros são importantes e para cada obra existe um leitor.
— Muitas pessoas jogam os livros fora, recicladores trazem para os sebos e os livros estão salvos aqui. O livreiro é o guardião da história, entre os humildes comércios do mundo. O que interessa para um, pode não interessar para outro. O que uma pessoa pode descartar, outra pode encontrar e pagar uma fortuna naquilo. Todos os livros são bons e vão de acordo com a conexão com o seu leitor. Existe uma diversidade e não seria possível catalogar todos os livros que foram publicados desde 1879, porque o livro só foi liberado com a revolução francesa, sim a igualdade fraternidade e liberdadeÉrica Lago/R7 BA
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Com relação às pessoas que frequentam o local, Jorge disse que não há distinção entre os clientes, desde crianças, adultos e idosos e pessoas de todas as classes sociais frequentam o sebo e encantam-se com o acervo cultural reunido na Cruzada Cultural Castro Alves.
— Aqui não tem distinção, é um lugar frequentado por todas as classes, todo tipo de gente. Não tenho hora para dormir, às vezes as pessoas chegam pela manhã e eu estou deitado aqui nesse chão, outras vezes lá em cima. Durmo nos meus ossos, como disse Mário Quitanda. E digo mais, aqui eu negocio os preços, cliente meu não sai sem levar o livroÉrica Lago/R7 BA
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A expressividade do Sebo torna o local cheio de vida e pulsante, a cada tilintar de gente que transita ali
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Apesar de ser natural do Estado de São Paulo, o livreiro considera-se baiano, já que, para ele, quem é da Bahia sabe modular a arte de viver, driblando os obstáculos e superando cada desafio do cotidiano
— Eu tinha 18 anos quando me deram o livro Capitães de Areia. Esse livro me emocionou muito, a história da Bahia me trouxe até aqui. No ano de 69 era terrível. Eu vivi como uma espécie de hippie, era um andarilho e ficava no Farol da Barra, morei nas pedras das sereias e fui vivendo. Casei em 72 e depois voltei para São Paulo, tive quatro filhos. Acabei me erradicando na Bahia e gostando, aqui é uma terra muito boa, o povo é hospitaleiro. Aprendi a arte de ser baiano, os baianos criam uma forma de sobreviver, é aquele que faz um poço com um osso. Eu aprendi isso na Bahia. Admiro demais as pessoas dessa terraÉrica Lago/R7 BA