A música que explica o Brasil 2012 não está no Rádio, na TV ou na campanha da Abert
A Associação das Emissoras de Rádio e Televisão, Abert, lançou uma grande campanha, reunindo artistas populares e nem tanto em uma canção e videoclipe. Reúne cem artistas, dos 26 Estados brasileiros. Você já deve ter ouvido, toca dia e noite, ninguém escapa: "todo mundo pode, todo mundo tem, é a TV e rádio juntando você também".
É um jingle criado pelo publicitário Sérgio Valente, da DM9. Combina. As letras e melodias da música brasileira regridem - ou aspiram - à perfeição pop, e pobre de espírito, de um jingle. Este vídeo da Abert explica por quê.
O rádio, e depois a TV, foram os meios de comunicação de massa que de fato juntaram todo mundo em grandes grupos pontos para consumir e serem consumidos. Fizeram isso com novelas e jornalismo e música, contando histórias, enternecendo, enrolando, embalando produto. Esta campanha da Abert é pela valorização do rádio e da TV. Quando começa campanha de valorização, é porque o contrário está acontecendo: o valor está se esvaindo.
É fato inegável no rádio. Não na TV, ainda, mas é o caminho. A audiência da TV aberta está sendo corroída por internet, DVD, TV paga, smartphones, games e companhia. Só vai aumentar a diversidade de ofertas. Até o momento em que a audiência conjunta da TV aberta será minoria, o que tem data para começar a acontecer, 2016, com o final oficial da TV analógica no Brasil.
Quem vai dar as cartas a partir desse momento, as grandes empresas de comunicação de hoje, ou as grandes empresas de telefonia e internet? Briga de cachorro grande. Não quer dizer que dali para a frente a TV aberta deixará de ser importante, ou faturar.
Nos EUA, a audiência das redes abertas cai ano a ano, e a receita e influência vão muito bem, obrigado. Uma série que bomba, como Mad Men, atinge não mais que três milhões de espectadores, pouco mais que 1% dos americanos. É suficiente para lançar modas e astros e dar boa grana.
No Brasil, é mais fácil a TV continuar influente. Porque grandes agências de publicidade e clientes concentram na TV uma fatia de suas verbas completamente desproporcional à audiência do meio. Vai continuar assim por muito tempo. No dia que acabar, metade das agências do Brasil vai para o ralo, e mais uma boa parte das empresas de comunicação.
Enquanto isso temos a campanha da Abert, e Victor e Leo e Daniela Mercury e Elba Ramalho e Chimbinha e Michel Teló e Chitãozinho e Fagner e Latino e Gaby Amarantos e Preta Gil e Daniel e mais uma renca. Impressiona o domínio absoluto dos sertanejos e brancos, em forma ou rechonchudinhos, enchapelados ou com cabelitos fashion.
Tirando alguns impopulares que estão lá só para dar um verniz, é mostra reveladora do que é a música super popular brasileira, o que faz sucesso de verdade "na mídia", como dizem os jecas.
Não que os superstars brasileiros do século 21 precisem de "mídia", rádio ou TV. Quem mais ganha dinheiro ali ganha com shows, e divulga seus vídeos na internet. Não precisa puxar o saco de diretor artístico de gravadora, pagar jabá pra dono de rádio ou dar o sangue, e outras coisas, para entrar na trilha sonora da novela. Não precisa ter melodia sofisticada ou letras para adultos, com rimas ricas e proparoxítonas. Rádio e TV ajudam, mas não são mais decisivos. Os hits até chegam lá - depois de estourarem.
Este vídeo da Abert fica como retrato interessante e imperfeito de um momento único, este 2012, o Brasil pós-Lula, pós-Século 20, pós-ao-vivo-via-satélite. É a música de quem veio do campo para a cidade, conquistou poder político e econômico, ganhou uma graninha, quer sair e se divertir e depois postar as fotos no Facebook.
O novo protagonismo das classes trabalhadoras não se deu pela melhora da educação. Estamos menos pobres, não mais educados. Certamente melhor informados e equipados. Um elitista diria que o brasileiro não está pronto para digerir biscoito fino, e que nossa música popular só regrediu desde Noel Rosa / Tom Jobim / Chico Buarque / Cazuza (dependendo da idade do chato).
Eu ouço esses hits cheio de tchus e tchererês e concluo: se você vê diferença entre isso e wop-bop-a-lula, entre Taylor Swift e Paula Fernandes, Joelma e Jennifer Lopez, Gusttavo Lima e Justin Bieber, é esnobe. Nossa música popular está em perfeita sintonia com o pop planetário, como nunca esteve. Se ambos hoje são quase sempre convencionais no conteúdo explícito, não são na forma, nem no modelo de negócios.
Nossa sincronia com o mundo tem causas e consequências e trilha sonora. O Brasil começa a deixar de ser uma sociedade de massas, o que os associados da Abert percebem. Começa a se tornar uma nação digital de fato. Temos um pé no Brasil fechado, coronelista-fabril, que segue vivo e não larga o osso. E outro no capitalismo financeiro modelito século 21, múltiplo, fragamento, baseado em hiperconsumo e hiperdívidas, com apostas e ganhos e riscos altíssimos - e nada virtuais.
A música que conta essa história não é a dos tropicalistas de 70 anos de idade, dos apadrinhados por ministérios ou dos descolados da rua Augusta. E não é o vídeo da campanha da Abert, que neste momento, uma semana após o lançamento, conta com pífias 6.586 visualizações no YouTube.
A música que conta essa história é um baião eletrônico, um funk carioca de botina, um sertanejo com arrocha no pé, cheio de ginga, sexy, épico, instantâneo, irresistível.
Veja mais:
+ R7 BANDA LARGA: provedor grátis!
+ Curta o R7 no Facebook
+ Siga o R7 no Twitter
+ Veja os destaques do dia
+ Todos os blogs do R7