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Com pouca vacina, associações tentam criar grupos prioritários

Falta de coordenação nacional abre margem para lobby político e decisões questionáveis sobre quem deve se imunizar primeiro

Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7

Falta de uniformidade prejudica imunização no país
Falta de uniformidade prejudica imunização no país Falta de uniformidade prejudica imunização no país

Com a cobrança do STF (Supremo Tribunal Federal) pela falta de um planejamento nacional que se antecipasse na definição de quem precisa se vacinar primeiro contra a covid-19, coube a associações e sindicatos tentarem provar ao Ministério da Saúde que seus grupos corriam mais risco com a pandemia. Ou por estarem na linha de frente no combate à doença, por serem mais vulneráveis ou por terem de manter contato direto com o público, as entidades pediam prioridade na fila de imunização.

Com o argumento da proximidade com muitas pessoas, os coveiros, insubstituíveis, se tornaram grupos prioritários e se vacinam como profissionais de saúde. Os últimos a ter o benefício foram os varredores de rua, incluídos na mais recente versão do PNI (Programa Nacional de Imunizações), do Ministério da Saúde, após pressão de associações que representam a categoria.

Da mesma forma, portadores de HIV, por causa da imunidade baixa, e as pessoas com síndrome de Down foram incluídas na lista de comorbidades.

Saúde inclui gestantes como grupo prioritário para vacinação

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As pessoas que vivem com Aids conseguiram ser incluídas após solicitação da Aliança Nacional LGBTI+, mas a luta continua. De acordo com a entidade, apesar de o segmento ter sido citado como prioritário em uma nota técnica do ministério, é necessário cobrar de estados e municípios a aplicação da regra.

Força política

A importância do setor de logística e do CNT (Conselho Nacional de Transportes) pôs na lista caminhoneiros, portuários e servidores de empresas de transporte coletivo.

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A essencial categoria dos professores entrou também, mas não sabe quando será vacinada. Cada estado faz do seu jeito. 

Não basta força política, no entanto. Mesmo com o apoio de inúmeras entidades de classe, a Fenaban (Federação Nacional dos Bancos) fez pedidos ao governo federal, a prefeitos e a governadores para garantir a vacinação de bancários. Milhares de trabalhadores do setor que também não parou assinaram abaixo-assinados cobrando a inclusão, mas, até o momento, não receberam resposta postiva.

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Entregadores não querem levar o vírus

Entregadores fizeram protesto na capital paulista
Entregadores fizeram protesto na capital paulista Entregadores fizeram protesto na capital paulista

Os entregadores, que levaram comida e produtos de mercado para o país inteiro, fizeram protesto na capital paulista pedindo a inclusão da categoria como prioritária na vacinação, mas nem resposta tiveram.

"As pessoas estão usando o delivery para não saírem de casa, mas se a gente passar o vírus levamos a covid para todo mundo", diz Edgar Francisco da Silva, presidente da AMA-BR (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil). 

A AMA-BR tenta ainda, por meio de um vereador paulista, a aprovação de uma lei que inclua os motociclistas na frente da fila.

Edgar estima que apenas na cidade de São Paulo mais de 70 mil pessoas trabalhando com entrega, e são mais de 200 mil no estado.

Quem faz comida, queria, mas quem serve, abriu mão

Os trabalhadores da indústria de alimentos também não obtiveram sucesso na tentativa e os profissionais de bares e restaurantes abriram mão do suposto privilégio.

"Os trabalhadores da categoria da alimentação não pararam um segundo sequer durante a pandemia e arriscam suas vidas e as de seus familiares ao ingressarem na rotina do trabalho diário em fábricas que, muitas, vezes não respeitam nem mesmo as normas sanitárias ou as regras de controle do coronavirus", afirma o presidente da CNTA (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação e Afins), Artur Bueno de Camargo.

"Se houvesse uma preocupação mínima com os trabalhadores, eles deveriam ser vacinados o quanto antes", argumenta o dirigente, que teve o pedido negado em janeiro pela Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde.

A lista de grupos com prioridade (veja abaixo) do Ministério da Saúde inclui a categoria "trabalhadores industriais" como 27ª na lista com 28. Não está claro, no entanto, se a CNTA poderia ser beneficiada. Nem quando isso ocorreria.

Se a conferação que briga pelos direitos dos trabalhadores da alimentação queria vacina para ontem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, promete que todos os grupos prioritários, que somam 80.530.030 pessoas, serão imunizados até setembro. 

Na visão da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), outros setores merecem se imunizar antes dos funcionários dos estabelecimentos que representam.

"Os bares e restaurantes foram muitas vezes apontados como locais com altas taxas de infecção, o que até justificaria um pedido para que seus funcionários fossem considerados grupo prioritário para receber a vacina. Mas, para a associação, o setor não apresenta alto risco e o desejo é cumprir o calendário normal de vacinação, incentivando a adesão do público-alvo de cada etapa do plano nacional", declara o presidente da entidade, Paulo Solmucci.

Falta padrão

A falta de padrão prejudica muitas categorias. O Sincep (Sindicato dos Cemiterios e Crematorios Particulares do Brasil) conta que algumas capitais e outras cidades demoraram a aceitar a inclusão dos profissionais responsáveis por enterrar as vítimas de covid e de outros males.

Coveiros se vacinam como profissionais de saúde
Coveiros se vacinam como profissionais de saúde Coveiros se vacinam como profissionais de saúde

O estado de São Paulo foi o primeiro a aderir ao apelo dos cemitérios, dando preferência na aplicação a sepultadores, veloristas, cremadores, condutores de veículos funerários e trabalhadores da saúde das equipes de IML (Instituto Médico Legal). Outras regiões do país, no entanto, só consideram o coveiro no grupo prioritário.

Culpa em parte é da maneira como a pasta da Saúde incluiu o segmento no PNI, em meio a outros grupos citados também de forma vaga. "Os trabalhadores que atuam nos estabelecimentos de serviços de interesse à saúde das instuições de longa permanência para idosos (ILPI), casas de apoio e cemitérios serão contemplados no grupo trabalhadores da saúde e a recomendação é que também sejam vacinados."

A médica infectologista Paula Carnevale, professora do curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi, diz que a orientação nacional é essencial para o sucesso da campanha de imunização, mas sem vacinas qualquer definição acaba ficando em segundo plano.

De acordo com ela, devem ter prioridade as pessoas com maior risco de apresentar a forma grave da doença e irem a óbito (idosos, pessoas com comorbidades, especialmente obesidade e hipertensão). 

"A seguir, precisa-se levar em conta quem tem maior risco de contágio, pensando-se especialmente no retorno à atividade laboral e no possível contato com o público de algumas atividades. São os casos de professores e pessoas que trabalham em serviços essenciais, como educação, segurança, transporte, limpeza pública", explica.

Paula Carnevale diz ainda que "é evidente que há diferenças regionais, porém o perfil de risco é semelhante" e que em planos de vacinação anteriores a definição de grupos prioritários era mais fácil de entender. "Isso, além de obviamente possibilitar a eficiente e organizada gestão de recursos, tranquiliza a população. As prioridades devem ser definidas pelo Ministério da Saúde. Disponibilizando, por exemplo, mais doses para estados e municípios com maiores taxas de mortalidade."

Como não houve orientação do Ministério da Saúde, cada estado fez como achou melhor. Na Bahia, as doenças preexistentes dos idosos ajudaram a definir a posição dentro do grupo prioritário. Curitiba, no Paraná, põe na frente entre pessoas de mesma idade quem nasceu no primeiro semestre. Em Goiânia, a chamada leva em conta também a ordem alfabética. 

Algumas cidades guardaram a segunda doses do imunizantes CoronaVac mesmo quando a orientação federal era para apressarem a fila das primeiras aplicações. Outras imunizaram esteticistas, como profissionais de saúde, ou instrutores de academia, como professores. 

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu as mensagens enviadas pela reportagem do R7.

Casos podem pararm na Justiça

A advogada cível Ana Carolina Victalino, professora de Direito Médico, afirma que os municípios e estados têm o direito de organizar a lista de prioridades no casos das comorbidades levando em conta o tamanho de cada grupo na região, mas há muita confusão. "Nós vemos alguns que conseguem entrar na lista e outros similares que não conseguem. Há muita subjetividade, o que pode ser para um, para o outro não funciona."

Se fosse apenas uma questão de avaliação dos critérios utilizados, o problema seria menor, diz a advogada. "Alguns estados priorizam categorias em razão do lobby forte de alguns setores, apenas por força política. E isso, sim, nacionalmente, vai prejudicar a campanha de imunização contra a covid."

Ana Carolina orienta pessoas de grupos citados como prioritários na PNI que busquem a vacinação em seus municípios. "O ideal é que as organizações que representem essas categorias tentem alterar a decisão de prefeitos e governadores", observa.

Ela teme que futuramente a Justiça seja inundada por ações de pessoas que se sentiam no direito, mas não foram vacinadas dentro dos grupos prioritários. Ou pior, de familiares de mortos que não foram imunizados a tempo.

Quais são e os tamanhos dos grupos prioritários

De acordo com o MInistério da Saúde são 28 os grupos prioritários, com 80.530.030 pessoas no total. São eles:

1 - Pessoas com 60 anos ou mais em instituições para idosos: 156.878 brasileiros, aproximadamente;

2 - Pessoas com deficiência e em instituições: 6.472 habitantes;

3 - Povos indígenas vivendo em terras indígenas: 413.739 pessoas;

4 - Trabalhadores de saúde: 6.688.197 profissionais;

5 - Pessoas de 90 anos ou mais: 893.873 habitantes;

6 - Pessoas de 85 a 89 anos: 1.299.948;

7 - Pessoas de 80 a 84 anos: 2.247.225;

8 - Pessoas de 75 a 79 anos: 3.614.384;

9 - Povos e comunidades tradicionais ribeirinhas 286.833 moradores;

10 - Povos e comunidades tradicionais quilombolas 1.133.106 pessoas; 

11- Pessoas de 70 a 74 anos: 5.408.657; 

12 - Pessoas de 65 a 69 anos: 7.349.241;

13 - Pessoas de 60 a 64 anos: 9.383.724;

14 - Pessoas com comorbidades, de 18 a 59 anos (inclui ainda indivíduos com deficiência permanente com BPC, gestantes e puérperas: 22.174.259 habitantes;

15 - Pessoas com deficiência permanente (18 a 59 anos) sem BPC: 6.281.581;

16 - Pessoas em situação de rua (18 a 59 anos): 140.559;

17 - Funcionários do sistema de privação de liberdade e presos : 862.915;

18 - Trabalhadores da Educação do ensino básico : 2.707.200 pessoas;

19 - Trabalhadores da Educação do ensino superior 719.818;

20 - Forças de Segurança e Forças Armadas: 948.292 agentes;

21 - Trabalhadores de transporte coletivo rodoviário de passageiros 678.264 pessoas;

22 - Trabalhadores de transporte metroviário e ferroviário 73.504;

23 - Trabalhadores de transporte aéreo: 116.529 profissionais;

24 - Trabalhadores de transporte de aquaviário: 41.515;

25 - Caminhoneiros: 1.241.061 pessoas;

26 - Trabalhadores portuários: 111.397;

27 - Trabalhadores Industriais e da construção civil: 5.323.291 pessoas

28 - Trabalhadores da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: 227.567.

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