As reações a piadinhas com violência sexual, como a feita pelo marido da cantora Preta Gil, Rodrigo Godoy, ou postagens zuando emagrecimento, como a da revista Glamour, deixam claro que a paciência das pessoas para brincadeiras de mau gosto chegou ao limite. A grande maioria das pessoas, faça ou não parte das minorias que historicamente eram personagens das zueiras, como negros, gordos, portugueses, anões ou loiras, não está mais a fim de rir da desgraça alheia.
Coisas que há 20 anos eram corriqueiras, basta ver qualquer videozinho dos Trapalhões ou ouvir o CD dos Mamonas Assassinas, não têm mais a menor graça. Se, para muitos, o politicamente correto soterra o humor, para outros é uma questão de respeito à dignidade.
A blogueira Paula Bastos, do Grandes Mulheres, que se levantou contra a gracinha feita pela Glamour, acredita que só dá risada quem não consegue se colocar no lugar do outro.
— Acho que chegou num ponto de um despertar do consciência de forma mais ampla. Eu vejo uma divisão, há a galera do 'eu consigo me colocar no lugar do outro', e a turma do que 'como vocês são chatos, não tem humor'. É muito fácil para um homem, magro, branco, rico, ou uma mulher magra, bonita, que estão dentro do contexto social aceito, se divertir com isso. Essas pessoas não sabem o que é viver o preconceito enraizado. Parece que a gente está se vitimizando, que é coitadismo. Mas as pessoas não conseguem se colocar no lugar de quem sofre isso. Muita gente fala em direito à livre expressão, mas ter a liberdade de falar o que quer implica em ouvir o que não quer.
Segundo o advogado Luiz Fernando Marrey Moncau, gestor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito do Rio de Janeiro, há regras que precisam ser seguidas. Caso contrário, é fácil se enquadrar nos crimes contra a honra, como a injúria, a calúnia ou difamação, além da controversa incitação ao crime.
— A liberdade de expressão não é um direito absoluto, há limites que não podem ser infringidos.
Humor ou apologia ao estupro? Muita gente não achou graça
Repdrodução/FacebookA postagem do marido de Preta Gil, Rodrigo Godoy, de uma piadinha que sugeria uma relação sexual forçada, foi repudiada por muitos, mas, o rapaz fez questão de manter a publicação no ar, alegando que o objetivo do post foi fazer humor.
Autora do guia de elegância Descomplique, a jornalista e consultora de Moda Vanessa Barone acredita que piada de mau gosto sempre foi piada de mau gosto. No entanto, aquilo que antes ficava restrito às mesas de botequim, hoje, escritas e propagadas pelas redes sociais, adquirem um peso muito maior.
— Toda vez que envolvia avacalhar ou debochar de alguém por conta de ser gordo, português, negro era de mau gosto. Mas tem gente que acha graça em piada de mau gosto, e isso a gente não pode controlar. O que antes era falado, hoje fica documentado e ganha um peso muito maior. O alcance ficou maior, o que não parecia ofensivo, hoje grita.
Na opinião da consultora, é muito fácil dizer que o outro está de mimimi quando a ofensa não atinge o agressor. A defesa de quem ofende é sempre o “estou brincando”.
Quem fala o que quer, ouve o que não quer...
Reprodução/Facebook— As grosserias feitas de forma bem humorada são inúmeras, mas não deixa de ser ofensa. Se você ofende alguém, alguém vai ficar ofendido. E agora todas as gordas vão se unir, os homossexuais, os negros, vão se integrar. Nunca vão parar de fazer piada de mau gosto, mas, quem fez, tem esperar a reação.
A mudança que se vê hoje nas redes sociais é, na opinião da doutora em Historia, pela FFLCH/USP, e docente do Instituto de História da UFU, Carla M.F. Barros, um reflexo dos movimentos sociais que tomaram fôlego durante a década de 1990 e ocuparam a agenda do legislativo nos anos 2000.
— A Internet ajudou a explicitar os preconceitos, mas encontrou resposta na ação de grupos de denúncia à esse tipo de comportamento. Um exemplo claro do que significou a pressão dos movimentos sociais para uma efetiva mudanca na legislação em relação à temática étnico-racial, por exemplo, foram as Leis 10.639/2004 e 11.645/2008, no que diz respeito à obrigatoriedade do ensino de história e cultura da África e afrodescendente em todos os estabelecimentos de ensino. Isso foi graças ao movimento negro e em parte às reivindicações dos próprios órgãos ligados às questões indígenas.
Não se cria respeito racial ou de gênero em uma canetada, mas, sem dúvida, a criação de leis e secretarias (como a de Políticas de Promoçao da Igualdade Racial e a de Políticas para as Mulheres) mostram que há uma movimentação histórica, de alguns movimentos sociais que vinham demandando por políticas públicas e de conscientização desses temas. Não é mimimi, nem patrulha. É respeito.
Para quem faz humor, o policamente correto inviabiliza o mercado de trabalho para chargistas, cartunistas e piadistas em geral. Solda perdeu o emprego de chargista em um grande jornal do Paraná após um desenho em que um macaco dava uma banana (com os braços) para Barck Obama (por ocasião da visita do presidente americano ao Brasil). Para ele, "não existe humor a favor".
— Virei celebridade por 15 dias, depois caí no ostracismo. Acho a questão muito delicada... existe um limite, um espaço que precisa ser respeitado. Costumo dizer que se não for divertido, não tem graça. O humor sempre respeitou as minorias, mas sempre fez graça com isso. Há um filósofo francês que diz que o mundo ideal é um mundo com poucos humoristas. Eu acho triste. As pessoas não têm mais senso de humor.