Marcelo Miller virou advogado da J&F após deixar Ministério Público
José Lucena/09.09.2017/Futura Press/Estadão ConteúdoO ex-procurador da República Marcelo Miller afirmou neste domingo (10) que jamais fez “jogo duplo” entre os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud e o Ministério Público Federal, com quem os executivos da J&F firmaram acordo de delação premiada em abril passado.
“[Marcelo Miller esclarece que] não tinha contato algum com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem atuação na Operação Lava Jato desde, pelo menos, outubro de 2016”, afirma o ex-procurador em nota enviada à imprensa.
As suspeitas sobre Miller surgiram após a revelação de um áudio, gravado em 17 de março, no qual Joesley e Saud conversam sobre supostos conselhos que teriam recebido de Miller antes de eles firmarem a colaboração premiada com a PGR (Procuradoria-Geral da República).
Miller solicitou desligamento do MPF (órgão do qual faz parte a PGR) em 23 de fevereiro, mas fez parte dos quadros da instituição até o início de abril. Assim que deixou o cargo público, ele foi contratado pelo escritório Trench, Rossi & Watanabe, que estava cuidando do acordo de leniência da J&F (como é chamada a delação premiada de empresas).
Na nota divulgada hoje, o advogado “repudia veementemente o conteúdo fantasioso e ofensivo das menções ao seu nome nas gravações divulgadas na imprensa e reitera que jamais fez jogo duplo ou agiu contra a lei”.
Para o procurador-geral da República, no entanto, Miller teria fornecido “orientações aos colaboradores, em período anterior a sua exoneração dos quadros do Ministério Público Federal”.
Janot solicitou ao STF a prisão de Miller, alegando que a atitude do ex-procurador, “tal como revelada no diálogo respectivo, configuraria, em tese, participação em organização criminosa, obstrução às investigações e exploração de prestígio”.
Mas o pedido de prisão não foi aceito por Fachin. O ministro do STF entendeu que não há indícios de que Miller tenha sido cooptado pela “organização criminosa” formada por Saud e Joesley.
"No que diz respeito a Marcello Paranhos Miller, ainda que sejam consistentes os indícios de que pode ter praticado o delito de exploração de prestígio e até mesmo de obstrução às investigações, não há, por ora, elemento indiciário com a consistência necessária à decretação da prisão temporária, de que tenha, tal qual sustentado pelo Procurador-Geral da República, sido cooptado pela organização criminosa. O crime do art. 288 do Código Penal (associação criminosa que substituiu o delito de quadrilha ou bando), para sua configuração, exige estabilidade e permanência, elementos que, por ora, diante do que trouxe a este pedido o MPF, não se mostram presentes", escreveu Fachin na decisão.
O ministro do STF determinou a prisão dos executivos da J&F e suspendeu todos os benefícios que eles conseguiram em acordo de delação premiada, "com a finalidade de se angariar eventuais elementos de prova que possibilitem confirmar os indícios sobre os possíveis crimes ora atribuídos a Marcello Miller".
Os dois executivos da J&F se entregaram à Polícia Federal no início da tarde de hoje. O ministro do STF diz haver “indícios suficientes” de que os delatores omitiram informações no acordo delação premiada e que a entrega de informações foi feita de forma "parcial e seletiva".
Leia a seguir a nota completa do ex-procurador:
“Marcello Miller esclarece que:
Repudia veementemente o conteúdo fantasioso e ofensivo das menções ao seu nome nas gravações divulgadas na imprensa e reitera que jamais fez jogo duplo ou agiu contra a lei.
Não tinha contato algum com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem atuação na Operação Lava Jato desde, pelo menos, outubro de 2016. Nunca atuou na Operação Greenfield, nem na Procuradoria da República no Distrito Federal.
Enquanto procurador, nunca atuou em investigações ou processos relativos ao Grupo J&F, nem buscou dados ou informações nos bancos de dados do Ministério Público Federal sobre essas pessoas e empresas.
Pediu exoneração em 23/2/2017, tendo essa informação circulado imediatamente no MPF.
Nunca obstruiu investigações de qualquer espécie, nem alegou ou sugeriu poder influenciar qualquer membro do MPF.
Teve uma carreira de quase 20 anos de total retidão e compromisso com o interesse público e as instituições nas quais trabalhou.
Ressalta que sempre acreditou na justiça e nas instituições, e continua à disposição, como sempre esteve, para prestar qualquer esclarecimento necessário e auxiliar a investigação no restabelecimento da verdade”.
Abaixo, ouça a íntegra do diálogo entre os dois, que provocou o pedido de prisão do Ministério Público Federal: