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Tratamento dado a pessoas com deficiência é precário, diz relatório

Relatório da Human Rights Watch denuncia as condições degradantes em instituições e abrigos brasileiros 

Brasil|Karla Dunder, do R7

Situação de abandono das pessoas com deficiência
Situação de abandono das pessoas com deficiência Situação de abandono das pessoas com deficiência

Vera Lúcia Gonzalez Meireles da Silva, de 63 anos, dedicou a vida a cuidar de seus dois filhos — Bruno e Lucas, mas teve de contar com o apoio de uma instituição para que eles tivessem os cuidados necessários.

“Cuidei dos meus filhos por 23 anos, mas chegou um momento que não conseguia mais. Eles tinham 1,93m de altura, ambos portadores de esclerose tuberosa, não andavam e voltaram a usar fralda na adolescência. Eu não tinha mais forças para cuidar deles”. Bruno também é autista e Lucas, já falecido, tinha hidrocefalia.

Não foi fácil encontrar uma instituição que acolhesse os filhos de Vera de forma digna. “Eu sofri demais até encontrar uma instituição séria, que cuidasse direito deles”.

Em alguns abrigos usam sedativos para controlar os pacientes. E esse é um dos pontos observados no relatório elaborado pela Human Rights Watch sobre a situação de instituições e abrigos que acolhem pessoas com deficiência divulgada nesta quarta-feira (23). Falta de preparo, de cuidados básicos de higiene e sem qualquer estímulo às pessoas internadas são pontos observados pela organização internacional.

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No relatório de 86 páginas, a HRW denuncia a situação de milhares de crianças e de adultos com deficiência no Brasil. Muitos estão confinados em instituições de acolhimento, sem necessidade, e podem enfrentar negligência e abuso. “Algumas pessoas ficam ali até morrer, largados em uma cama, sem estímulos adequados”, observa a diretora da HRW, Maria Laura Canineu.

"Muitos ficam ali até morrer"

Um dos objetivos do relatório é mudar a maneira como os brasileiros lidam com os deficientes. “O Brasil deveria priorizar formas de apoio a pessoas com deficiência que lhes permitam viver de forma independente e em suas comunidades, em vez de segregados em instituições e isolados”, avalia Maria Laura.

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Relatório

Para elaborar o relatório, a Human Right avaliou 19 instituições de acolhimento em três Estados — São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia — e no Distrito Federal. Foram realizadas 171 entrevistas com pessoas com deficiência, incluindo 10 crianças, bem como familiares, funcionários de instituições, especialistas em direitos das pessoas com deficiência e autoridades públicas de todas as esferas de governo.

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A pesquisa levou em conta as condições de vida e o tratamento de quem tem mobilidade e sentidos reduzidos ou sofre de distúrbios psicossociais, entre outras deficiências.

De acordo com o relatório, muitas das instituições que abrigam essas pessoas tinham "um ambiente que lembrava centros de detenção". Em alguns lugares os pesquisadores encontraram grades em portas e janelas.

Em outros, dezenas de pessoas amontoadas em alas cheias de camas, dispostas uma ao lado da outra. A maioria dos adultos e crianças com deficiência nas instituições visitadas tinha poucos itens pessoais, quando tinham algum. Em alguns casos, os residentes compartilhavam roupas e, em uma das instituições, até mesmo escovas de dente. Muitas pessoas ficavam confinadas em suas camas ou quartos 24 horas por dia.

O texto também mostra a falta de fiscalização dessas instituições pelo Estado, assim como a falta de apoio. “Observamos que muitas instituições estão superlotadas, sem o número adequado de funcionários. Também percebemos que não recebem apoio técnico do Estado.”

A situação das crianças é ainda mais delicada. De acordo com a lei brasileira, elas não poderiam ficar mais de 18 meses em um abrigo, mas, na prática, não é o que acontece. Os juízes determinam a institucionalização de uma criança em casos excepcionais — quando está em risco de abandono, negligência ou violência, e não há soluções alternativas possíveis.

No entanto, como mostra o relatório, crianças com deficiência acabam ficando em instituições por muito mais tempo que o limite legal de 18 meses, não raro indefinidamente. Embora o Brasil conte com programas de adoção e acolhimento familiar, essas opções devem ser melhor desenvolvidas para incluir crianças com deficiência, como afirma a Human Rights Watch.

Como aponta o relatório, a maioria das crianças com deficiência nas instituições tinha limitado — ou nenhum — acesso à educação. Estudos mostram que o desenvolvimento físico, intelectual e emocional de crianças pode ser prejudicado pela ausência de apoio individualizado e pessoal por parte de um cuidador. A maioria das crianças em instituições de acolhimento visitadas pela Human Rights Watch tem pais vivos, mas com o tempo muitas vezes perde o contato com suas famílias.

“Muitas vezes as crianças com deficiência acabam em instituições no Brasil porque suas famílias enfrentam uma batalha para cuidar delas sem os recursos e os serviços necessários na comunidade”, como destaca o pesquisador Carlos Ríos-Espinos, no relatório. “Todas as crianças têm o direito de crescer em família; e os recursos do governo devem ser empregados para apoiar as famílias e suas crianças, e não separar”.

Para a pediatra Ivana Remorini, que atendeu crianças com deficiência por 28 anos, a maternagem, o cuidado com as famílias é tão importante quanto a atenção dado às crianças. “As famílias precisam ser acolhidas, também devem receber apoio e é fundamental que o cuidador receba orientações de como cuidar da criança”.

Ivana observa que a situação das famílias brasileiras merece atenção. “Cuidar de uma criança com deficiência exige recursos financeiros e para uma família que depende de um posto de saúde a situação é muito difícil, são muitas as barreiras a serem superadas”.

Realidade brasileira

A falta de estrutura do sistema de saúde é uma das principais dificuldades apontadas pelas famílias. “Eu sempre fui atrás de tudo para os meus filhos, sempre dependi do sistema de saúde pública e várias vezes para conseguir atendimento precisei ameaçar, dizer que chamaria a imprensa”, conta Vera Lúcia. “Ninguém faz questão de informar, de instruir”.

Vera cuidou sozinha dos filhos
Vera cuidou sozinha dos filhos Vera cuidou sozinha dos filhos

Vera cuidou sozinha dos dois filhos deficientes. Uma vizinha ajudava a dar banho nos meninos. “Eu colocava os dois em cadeira de rodas, mal conseguia carregá-los porque eram muito pesados”. Por essa razão, Vera passou por duas cirurgias na coluna. Bruno está internado em uma instituição filantrópica, onde recebe os cuidados necessários. Lucas morreu há seis anos. Hoje, Vera trabalha como diaristas para se sustentar.

“Meu filho só tem direito ao que qualquer cidadão teria, mesmo ele tendo paralisia cerebral, hidrocefalia e ser epilético”, diz Celeste Lopes, de 58 anos, mãe de Pedro, de 17 anos. Pedro teve meningite com apenas 20 dias de vida. Passou três meses em uma UTI e saiu com essas sequelas.

“Cuidei do meu filho até onde pude, mas como sou deficiente visual, não tinha condições de estimular meu filho corretamente”, conta Celeste. “Eu faço questão de manter o vínculo com meu filho, ele vem para casa todo o fim de semana, eu o visito a hora que quero, alguns abrigos não permitem esse contato próximo, não aceitam a mãe ali e isso é absurdo”.

O medo do filho não ter o amparo necessário também levou Celeste em busca da instituição. "A idade está chegando e quando eu vier a faltar, o Pedro terá um cantinho."

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