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Congresso vai discutir PEC da 'venda de sangue'; entenda a proposta

Relatora chegou a apresentar posicionamento favorável; no entanto, outros senadores pediram mais tempo para discutir tema

Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília

Doação de sangue no Brasil
Doação de sangue no Brasil Doação de sangue no Brasil

Senadores devem voltar a pôr na mesa a discussão de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pode abrir brechas para a venda de sangue humano. O texto vai ser debatido em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nas próximas semanas, antes de ser votado no colegiado.

Não foi a primeira vez que a proposta entrou na pauta e foi retirada logo em seguida. Isso porque o texto não trata apenas de monetizar a doação de sangue no Brasil, mas também da liberação da venda do plasma excedente das doações à indústria farmacêutica. 

A PEC 10/2022 estabelece “condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados”. Na prática, a iniciativa privada poderia coletar e processar o plasma humano, o que foi proibido pela Constituição de 1988, que vedou a comercialização do sangue e seus derivados para obtenção de lucro.

Se aprovada, a proposta vai reduzir os poderes da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), criada em 2004, e a única gestora do plasma excedente do uso em transfusões no Brasil. Atualmente, a empresa mantém estoque do insumo para a fabricação de medicamentos hemoderivados.

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Esses medicamentos são produzidos a partir do plasma humano obtido nas doações de sangue realizadas nos hemocentros brasileiros. Com esse plasma, a Hemobrás consegue fabricar produtos como: albumina, imunoglobulina e os fatores VIII e IX da coagulação. Os suplementos são usados por pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento de hemofilias, doenças autoimunes, pessoas com Aids e outras deficiências imunológicas ou infecciosas.

“Quando você diz que essa atividade [de manipulação do sangue humano e derivados] pode ser explorada pela indústria, e isso seria regulamentado depois, é preocupante. Os legisladores contrários levantam que, de fato, se a gente está trabalhando com a discussão da venda de plasma, depois podemos avançar para discussões sobre transplantes”, explica Antônio Edson Lucena, presidente da Hemobrás.

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Em 2020, um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) questionou o Ministério da Saúde sobre o problema causado pelo desperdício de bolsas de plasma no Brasil. Segundo auditoria do órgão, entre 2017 e 2020, foram perdidos 597.975 litros de plasma, o que equivale ao material coletado em 2,7 milhões de doações de sangue. O relatório foi usado como justificativa para a aprovação da PEC no Senado.

O presidente da estatal, no entanto, rebateu os dados e disse que o relatório está ultrapassado. "Hoje, o Brasil tem 3,5 milhões de bolsas de sangue ao ano. Isso nos dá 700 mil litros de plasma. Fracionando todo o plasma brasileiro, teria como suprir todo o mercado nacional. Mas por que falta plasma? Porque a estrutura é fundamental. O que está na mesa é que o sistema não tem financiamento há muitos anos", explicou.

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“Os hemocentros trabalham com a doação altruísta e, se algumas empresas passassem a coletar o plasma, poderia haver uma perda na qualidade e também acontecer o que existe hoje nos Estados Unidos, onde a doação é remunerada e há pessoas que chegam a doar três vezes por semana, no que eles mesmos discutem e chamam de extrativismo humano. Nossa preocupação é que o Brasil se transforme nisso, em apenas um local de captação do plasma", completou.

A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) também divulgou posicionamento sobre a PEC. A associação aprova a participação da iniciativa privada na comercialização e fracionamento industrial do plasma excedente, mas diz que é contra a doação remunerada.

"Entendemos que o excedente atual de plasma proveniente de doação voluntária de sangue não é devidamente aproveitado, corroborando para a não liberação desta prática no Brasil", diz a nota da entidade.

Interlocutores do governo se preparam para barrar a proposta no Congresso. Ao R7, o Ministério da Saúde diz que acompanha o tema e defendeu a Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados. "Ao todo, são 27 hemocentros regionais, conhecidos como bancos de sangue públicos, com absoluto controle de qualidade e que prestam serviço de forma integral e gratuita à população", informou.

Senadores divergem sobre o tema

Relatora do projeto, a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), chegou a ser favorável à matéria. No entanto, encontrou oposição de outros senadores."Esse tema não é simples. O plasma é um derivado do sangue, não é uma coisa caída do céu. Termos comercialização de plasma é termos comercialização de sangue", afirmou o senador Humberto Costa (PT-CE).

O senador Omar Aziz (PSD-AM) antecipou o voto e disse que será contra a PEC. "Sabemos que já tem tráfico de órgãos no Brasil. Depois que for vender sangue, como vamos controlar isso? Aqui, se sequestra para tirar os órgãos das pessoas, tirar sangue é muito mais fácil. Essa é uma discussão que não tem de partir de pessoas leigas. Somos leigos. É perda de tempo fazer audiência. A gente vai negociar agora sangue? Quanto é o metro cúbico do sangue?", questionou.

Para o senador Ciro Nogueira (PP-PI), o tema é "muito importante para a saúde do nosso país". "Temos que dar total prioridade para a realização da audiência pública e, logo depois, para a votação da matéria", afirmou.

O senador Sergio Moro (União-PR) também defendeu agilidade na análise do texto e disse ser a favor da aprovação da PEC. "Há uma deficiência notória no Brasil em relação a esse mercado de derivados. Pessoas infelizmente morrem por conta disso. Temos uma estatal ineficiente, a Hemobrás, e precisamos flexibilizar. Ninguém quer prejudicar o que já existe. Mas, se as pessoas estão precisando desses produtos e derivados, há uma questão de urgência."

A audiência pública sobre o tema na CCJ — com cinco convidados favoráveis e cinco contrários à PEC — ainda não foi marcada. Os senadores estão em fase de definir quem serão os participantes.

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