"Quando seu filho morre, não tem o que falar, não tem o que justificar", diz mãe de taxista Yolanda Rubio
Daia Oliver/R7“Ele tirou o carro, parou na porta, orou e falou para a gente: “Eu já volto”. Horas depois, o telefone da casa e os celulares da família Rubio começaram a tocar. Era a polícia fazendo contato com os pais do taxista Joemir Rubio, de 32 anos, para dar a notícia que nenhum pai ou mãe quer ouvir: a de que o filho estava morto.
A família conta que Joemir tinha saído com roupa esporte e bem perfumado. Não estava usando o uniforme de trabalhar: camisa branca, gravata e calça preta. A cerca de cinco minutos de casa, ele foi assassinado a pancadas, em um lugar deserto e sem iluminação.
O crime aconteceu na rua Santa Etelvina, em Guaianazes, zona leste de São Paulo, por volta das 22h30 do dia 28 de janeiro de 2011, data que marcou o início da saga de uma família inteira em busca de justiça. Até a publicação desta reportagem, ninguém havia sido preso.
Yolanda Rubio, mãe de Joemir, fala sobre a dor e a esperança de encontrar uma resposta.
— Toda noite quando eu oro, peço a Deus para a Rota pegar essas pessoas. Criei meu filho sem dar um tapa e a polícia me devolveu ele num caixão lacrado.
Rubio era lutador de Aikido, uma arte marcial japonesa, e foi encontrado com as unhas quebradas. O pai, Roberto Rubio, acredita que o filho tenha tentado se defender.
— Eu acho que ele tentou catar uma pedra para se defender e machucou as unhas.
Yolanda conta que, desde o início da investigação, queria ajudar a esclarecer o crime. Chegou a pedir para a polícia ir até os hospitais da região para verificar se alguém com sinais de arranhões havia procurado ajuda. Mas foi aconselhada a se calar.
Descaso policial
Segundo Yolanda, um motoqueiro que presenciou o espancamento apontou um homem suspeito para dois policiais militares que estavam na cena do crime. Ele teria dito que o rapaz que assistia ao atendimento à vítima era um dos autores do espancamento. Mas nada foi feito.
— [O PM] olhou para o cara da moto e falou assim: “Eu não estou aqui para prender ninguém, vim para guardar o cadáver. Vou guardar o corpo até ser retirado e vou embora”. Pouco tempo depois, o motoqueiro desapareceu e não pôde mais ser usado como testemunha. Para o promotor do caso, João Carlos Calsavara, a conduta do policial é questionável.
— O policial tinha que ir lá e pegar a pessoa. Tinha obrigação legal de prender para ver se é verdade. Muito estranho. Às vezes, em plena periferia, o matador vai ao enterro da vítima.
A opinião é partilhada pelo presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Alamiro Salvador.
— É razoável de um policial militar, ao receber de um cidadão a informação de um possível suspeito, que comunique a autoridade policial civil desta informação ou que oriente este cidadão a ir até o distrito policial ou à divisão de homicídio.
Investigação paralela
Com incontáveis críticas à atuação policial, Yolanda decidiu se dedicar, por conta própria, à busca por suspeitos. O retrato falado que o motoqueiro fez antes de desaparecer a motivou a percorrer a cidade para resolver o caso.
— Quando alguma pessoa falava: “Eu vi uma pessoa morena igual àquela que matou o seu filho”, eu ia para o local, vestia calça comprida, me arrumava de outro jeito. Quando eu estava no local, via a pessoa parecida ou alguém falava que ela estava para chegar, eu acionava o 190.
Calsavara pondera que a polícia não abandonou por completo o caso, que estava sob a responsabilidade do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
Segundo o promotor, mais de 20 pessoas foram ouvidas. Mas admite que muita coisa importante deixou de ser feita.
— Teria que fazer uma investigação no local. Quais são os marginais que frequentam aquela área? A polícia sabe. Se é a família que tem que levar prova para o DHPP, dá licença, né? Não é papel da família nem meu. Meu papel é fazer acusação em juízo.
Arquivado
O caso foi arquivado em agosto do ano passado, mas a pedido da família chegou a ser reaberto em outubro. No pedido de desarquivamento feito ao juiz, o promotor explica que, por meio dos familiares, havia tomado conhecimento de novos fatos a respeito do crime: “Relatam os familiares que ele mantinha relacionamento com uma mulher casada, a qual mantinha relacionamento extraconjugal com outro homem, ao qual teria ameaçado a vítima antes dos fatos”.
O caso voltou ao DHPP e, sem suspeitos, foi arquivado novamente. Se nenhuma nova prova aparecer nos próximos 20 anos, tempo que o crime leva para prescrever, o assassinato do taxista Joemir Rubio, 32 anos, lutador de Aikido, estudante do curso de enfermagem, ficará impune.
Dona Yolanda, sem resposta, segue desolada.
— O seu marido morre você fica viúva, quando seus pais morrem você fica órfão, quando seu filho morre, não tem o que falar, não tem o que justificar.
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