O catador Sebastião (no centro) mudou de vida após entrar para uma cooperativa de material reciclável
DivulgaçãoO trabalho dos catadores de materiais recicláveis foi responsável por evitar que mais de 3 milhões de toneladas do gás CO² (dióxido de carbono) fossem liberadas na atmosfera em 2014 no Brasil. O número equivale à redução de mais de 3 milhões de carros rodando a gasolina no mesmo período ou a mesma quantidade de voos realizados no trecho entre São Paulo e Londres, na Inglaterra.
O dado foi calculado, a pedido do R7, por Tasso Azevedo, coordenador do Seeg (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa), com base na quantidade e no tipo de material reciclado no País, em 2014. De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), das 38 milhões de toneladas de resíduos sólidos secos (papel, plástico, metal e vidro), foram enviados para a reciclagem 4 milhões de toneladas. A Secretaria-Geral da Presidência da República acredita que 90% dos resíduos enviados à reciclagem é resultado do trabalho de catadores, o que corresponde a 3,6 milhões de toneladas.
O Ipea estima que existam 400 mil catadores, mas apenas cerca de 15% a 20% organizados em cooperativas e associações. Dados informais apontam que esse número pode chegar a 1 milhão, justamente por causa da informalidade do ofício. Com a previsão do fechamento dos mais de 3.000 lixões do País, até 2021, milhares de catadores terão que se organizar para continuarem a trabalhar.
Sebastião Xavier Sobrinho, de 62 anos, é um exemplo que como a inclusão do catador em uma cooperativa tem efeito benéfico direto na vida do trabalhador. Há seis anos, Sebastião decidiu comprar uma carroça e sair pelas ruas da zona norte de São Paulo recolhendo material reciclável.
— Eu achava que todo carroceiro era mendigo, mas isso não é verdade. Apesar de ver muita coisa ruim na rua, era dali que eu tirava meu sustento. Enquanto eu empurrava minha carroça, sonhava em melhorar de vida, mas sem abandonar a reciclagem. Foi quando entrei no projeto da cooperativa You Green como triador [cooperado do setor de triagem de material].
O catador procurou cursos gratuitos e viu sua função ganhar dignidade.
— Hoje me sinto mais preparado para ajudar o meio ambiente e tudo que está relacionado a essa área. Aqui aprendi que nada é lixo, tudo é reciclável.
A Lei nº 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, tem ajudado trabalhadores como Sebastião a terem mais condições dignas de trabalho, valorizando a produtividade e a importância do ofício como peça-chave na coleta de resíduos sólidos secos no País.
Entre as iniciativas federais, estão o programa Pró-Catador, presente em 21 Estados, responsável por fomentar a criação e o fortalecimento de cooperativas e associações do ramo, o Pronatec Catador, que irá promover, ainda neste ano, capacitação profissional para mais de mil catadores, e o Prêmio Cidade Pró-Catador, que visa incentivar e premiar as melhores iniciativas municipais que contribuam para a implementação de políticas de inclusão social e econômica, com destaque para a coleta seletiva.
A ideia é que, aliados com outras políticas públicas para resíduos sólidos, os trabalhadores consigam aumentar as toneladas de lixo enviadas à reciclagem, fator importante na redução da emissão de gases que contribuem diretamente para acelerar o processo do aquecimento global.
As críticas quanto às iniciativas governamentais focam na falta de alinhamento com as esferas estaduais e municipais, porém, os projetos são considerados por trabalhadores do ramo favoráveis à melhoria das condições de vida dos catadores.
Roger Sriedrich Werner Koeppl, diretor da cooperativa de reciclagem You Green, afirma que o papel do catador na reciclagem tem que ser incentivado pela gestão pública.
— Máquinas poderiam fazer a reciclagem, como acontece em outros lugares de mundo, mas, no Brasil, é necessário agregar os setores econômicos e sociais. O catador hoje está sendo beneficiado pelo plano nacional e ele tem a obrigação de aproveitar cada chance. O catador que trabalha na rua será “atropelado” pela tecnologia, sairá do mercado e ficará marginalizado. Assim, a pobreza continuará e trará problemas sociais, econômicos e ambientais.
Estudos mostram a relação direta da pobreza com problemas ambientais. Para Koeppl, a organização dos catadores é um ponto importante para melhorar a vida dessas pessoas e humanizar da cadeia de reciclagem.
Apesar das conquistas, o ritmo de avanço da adequação ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos tem sido muito lento. Para Albino Alvarez, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, a situação continua estável num patamar inadequado.
— Dados de 2014 indicam que a geração de resíduos sólidos no Brasil continua a se expandir num ritmo mais acelerado do que o crescimento da população para o mesmo ano. Foram 76 milhões de toneladas de resíduos orgânicos e secos. Os problemas referentes à reciclagem vêm, fundamentalmente, por dificuldades de separação, ausência de coleta seletiva, pouco valor do material e ausência de mercado organizado.
E a situação dos catadores passa a ser ainda mais vulnerável com a crise brasileira. Alvarez alerta para os problemas que os trabalhadores desse setor podem vir a enfrentar nos próximos anos.
— Desde o ano passado, o mercado de reciclagem e, especialmente, os catadores, vêm sofrendo com a queda intensa dos preços dos materiais. Havendo menos demanda de produtos é menor a demanda de matéria-prima, menores escalas para a reciclagem, os custos sobem, há um desinteresse relativo e os preços pagos na ponta do coletor caem.