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A morte de um familiar é sempre algo traumático para qualquer pessoa, especialmente para as crianças. Mas há casos em que o choque pode ser ainda maior, e é quando a morte, além de não ter sido acidental, foi fruto do descontrole e da ação de alguém próximo, como um pai, uma mãe, um irmão.
Filhos de famílias como Nardoni e Matsunaga, por exemplo, que estavam presentes durante o assassinato de um parente cometido por seus próprios pais, carregarão para sempre a memória — consciente ou inconsciente — da tragédia na qual foram envolvidos de maneira involuntária.
Descubra agora como estão essas e outras crianças filhas de famílias desfeitas, de que maneira elas vivem, e veja a opinião de um especialista sobre as sequelas que elas poderão apresentar na vida adulta
Reportagem: Marcella Franco, do R7Montagem/R7
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Depois de ficar dez dias desaparecido, Bernardo Boldrini foi encontrado morto em uma propriedade rural distante 100 km de onde ele vivia com sua família. O menino de 11 anos estava nu, dentro de um saco plástico, e enterrado em uma cova rasa no interior de Frederico Westphalen, no norte gaúcho. Pelo crime, foram denunciados o pai de Bernardo, Leandro Boldrini, sua madrasta, Graciele Ugulini, a amiga do casal Edelvânia Wirganovicz e seu irmão Evandro Wirganovicz.
O menino morava com o pai e a madrasta após a morte da mãe, Odilaine, que teria cometido suicídio em fevereiro de 2010. Da família, fazia parte ainda Maria Valentina, a irmã caçula, fruto do novo relacionamento de Leandro com Graciele.
Logo após a prisão preventiva do pai e da madrasta de Bernardo, a menina, que completou um ano em março passado, passou a morar com uma tia materna, Simone Ugulini. A guarda provisória foi concedida pela Comarca de Santo Augusto, cidade onde as duas agora vivem. Simone é enfermeira, madrinha de Maria Valentina, e tem também um filho de cinco anosMontagem/R7
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Embora não tivesse contato com a menina, a avó materna de Bernardo, Jussara Uglione, sempre se interessou em saber sobre seu desenvolvimento e bem-estar enquanto o neto estava vivo. No entanto, seu advogado, Marlon Adriano Balbon Taborda, garante que Jussara não teve interesse em conseguir a guarda de Maria Valentina.
— Ela nem a conhecia. Soube de seu nascimento e sempre buscava informações, mas infelizmente elas não chegaram a conviverReprodução Rede Record
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É impossível dizer se eles viram a meia-irmã despencar da janela do sexto andar do prédio em que moravam, mas é fato que tanto Pietro quanto Cauã Jatobá Nardoni estavam em casa na hora do crime que vitimou Isabella Nardoni, na época com cinco anos de idade, em março de 2008.
Testemunhas ou não da cena em si — quando Alexandre Nardoni, pai das três crianças, soltou para a morte a filha mais velha de seu casamento anterior —, os meninos certamente têm algum tipo de memória daquela noite que acabou levando seus pais à cadeia.
Desde que Alexandre e a madrasta de Isabella, Anna Carolina Jatobá, foram condenados, em 2010, Pietro, hoje com nove anos, e Cauã, de sete, passaram a viver alternadamente com os avós maternos e paternos.Montagem/R7
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Uma fonte muito próxima às famílias, que prefere não se identificar, informou ao R7 que os meninos estudam normalmente, e que atualmente usam um sobrenome alternativo. “Eles já não são mais nem Jatobá, nem Nardoni, e usam um nome do meio que ninguém conhece.”
Segundo a fonte, o Ministério Público teria instaurado um procedimento de investigação para acompanhar a vida das crianças após o acontecido. A preocupação era saber se os meninos tinham visto o que aconteceu naquela noite no edifício London, em São Paulo.
— Depois de três anos, não ficou caracterizada nenhuma necessidade de tomada de medidas, e o procedimento foi arquivado. Alexandre e Anna sempre tiveram a oportunidade de receber a visita dos filhos, mas, em um primeiro momento, eles pouco foram. Ano passado, no entanto, após passado o momento de muita evidência do crime, quando já não haveria mais repórteres na porta da cadeia, eles passaram a visitar os pais a cada 15 diasPatrícia Santos/Estadão Conteúdo
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Em um de seus depoimentos após ser presa pelo assassinato do marido Marcos Kitano Matsunaga, Elize Matsunaga mencionou que, durante os desentendimentos do casal, ele costumava ameaçá-la de separação, dizendo ainda que ficaria com a guarda da filha que os dois tiveram juntos.
Na época do assassinato, em maio de 2012, a menina tinha um ano. A família chegou junta na noite do crime ao prédio onde morava, na zona oeste de São Paulo, pediu uma pizza e, dali a poucas horas, Marcos seria morto por Elize com com um tiro na cabeça, e seu corpo seria esquartejado e abandonado em sacos plásticos na região de CotiaMontagem/R7
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Elize foi presa em junho do mesmo ano, e no início, a filha dos Matsunaga permaneceu na cobertura do casal sob os cuidados de uma tia-avó materna, e com assistência financeira dos pais de Marcos. Em agosto do mesmo ano, a Justiça concedeu a guarda da bebê aos avós paternos, que optaram por fazer uma transição gradual para que ela se adaptasse com mais facilidade à nova rotina. Em setembro, a mudança definitiva aconteceu.
O R7 tentou contato com o advogado da família, Braz Martins Neto, mas sua secretária disse que ele estaria viajando e impossibilitado de responder ao pedido de entrevistaArquivo Estadão Conteúdo
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Bruninho tinha apenas quatro meses em junho de 2010 quando foi com a mãe Eliza Samudio até a cidade de Esmeraldas, em Minas Gerais, a convite de seu pai, o goleiro Bruno. A ideia era que o ex-jogador e a antiga amante entrassem em um acordo a respeito do reconhecimento de paternidade do garoto e sobre o valor da pensão a ser paga dali para frente.
Eliza, no entanto, nunca voltou da visita ao sítio de Bruno. A suspeita é que ela tenha sido morta, esquartejada e que seus restos mortais tenham sido dados a cachorros, enquanto seus ossos, concretados. Bruninho, por sua vez, foi encontrado em uma favela do município mineiro de Ribeirão das NevesMontagem/R7
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Quando desapareceu, Eliza não via sua mãe havia seis anos. Ainda assim, a guarda do menino foi dada à avó materna, Sônia Fátima Silva Moura, poucos meses depois que a investigação do caso foi aberta.
O advogado do goleiro, Francisco Simim, confirma que a situação permanece a mesma desde então, mas diz não ter informações a respeito da rotina do menino, que hoje tem quatro anos e vive em Mato Grosso.
— A guarda continua com a avó, e nunca houve qualquer tipo de disputa em que alguém quisesse tomar o menino dela.
No último dia 5, houve uma reviravolta no caso. Simim afirmou que Bruno, condenado a 22 anos e três meses de prisão, vai entrar com ação na Justiça do Rio de Janeiro para anular reconhecimento de paternidade do garotoMarcelo Albert/TJMG
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Para o psiquiatra forense Guido Palomba, três fatores principais norteiam a maneira com que estas crianças filhas de tragédias vão lidar emocionalmente com o trauma que sofreram. Primeiro, pesa o fato de elas terem ou não visto o crime em si. Segundo, a idade que tinham na época — segundo Palomba, “quanto mais velho, pior, porque tem mais compreensão”.
— O terceiro e mais importante ponto é a maneira com que lidaram com a criança depois do acontecido. A maioria foi morar com avós ou tios, e vejo isso como algo positivo.
Palomba reforça que cada criança terá sua maneira particular de elaborar o choque, e que todas têm a memória afetiva guardada, podendo ou não despertá-la no futuro.
— O trauma pode ficar ali quieto, dormindo e nunca aparecer, mas também pode acontecer de, diante de um estímulo qualquer, ele vir à tona.
A chave estaria, para o psiquiatra, no esforço dos tutores para conduzir a vida da criança de uma maneira normal, sem reforçar a vivência dolorosa, nem mencionar ou criticar o fato passado. Ele frisa também que não é recomendado conversar com a criança como se ela fosse adulta, dando muitos detalhes do que aconteceuReprodução/Rede Record
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Visitas aos pais na cadeia, por exemplo, são consideradas “delicadas” por Palomba.
— Não vejo com bons olhos. Isso pode significar reforço psicológico da situação traumática, além de acontecer em um ambiente nada favorável.
No entanto, o panorama geral que o psiquiatra faz do futuro das crianças como Bruninho (foto), filho do goleiro Bruno, é positivo. Ele fala, entre outras coisas, que não há qualquer prova científica de que filhos de pais assassinos tenham mais chances de cometer crimes na vida adulta.
— Estes meninos e meninas têm uma grande e maravilhosa chance de ter uma vida absolutamente normal no futuro. Normal e sem qualquer tipo de marcaArquivo Pessoal