O número de vítimas de vazamento de "nude selfies", ou vídeos íntimos divulgados sem consentimento, quadruplicou no Brasil em dois anos. No ano passado, 224 internautas procuraram o serviço de ajuda da SaferNet, organização de defesa de direitos humanos na web, para denunciar o crime cibernético conhecido como "revenge porn" — pornografia de vingança, em tradução livre. Em 2012, 48 casos haviam sido registrados pela entidade.
O vazamento de imagens íntimas atinge principalmente mulheres, que representam 81% dos casos denunciados. A cada quatro vítimas, uma delas é menor de idade.
A estudante Mônica Pimentel, de 18 anos, de Sorocaba, interior de São Paulo, encaixa-se nos dois perfis: é mulher e era menor de idade quando sofreu com o vazamento de material íntimo. Cinco fotos e um vídeo em que aparece tomando banho foram feitos quando tinha 14 anos e começaram a ser compartilhados pela primeira vez após dois anos, em sites, grupos de bate-papo e redes sociais.
— Eu pensava: o que vou fazer? Vou sentar e chorar? Não. Eu sou a vítima disso. Posso ter agido com irresponsabilidade, mas a culpa não foi minha, porque o opressor foi quem divulgou.
Hoje, ela é mãe de um bebê de dois meses.
No ano passado, aos 17, surgiu um novo capítulo do pesadelo para Mônica, quando estava grávida. As fotos e o vídeo voltaram a ganhar espaço na web. O assunto reverberou tanto que, na época, a jovem ouviu comentários de uma garçonete, em um bar e da veterinária onde costumava levar seus cachorros. Até a mãe, que mora em Minas, acabou ouvindo histórias sobre a própria filha.
— Minha mãe ficou bem triste [quando soube do vazamento]. Meu pai ficou bravo de início, mas depois ignorou. Foi pesado. E eu só me preocupava com o meu bebê.
Com uma repercussão bem maior do que antes, a estudante resolveu procurar a Justiça para processar o garoto com quem havia ficado três anos antes, a única pessoa com a qual compartilhou o material.
— Recorri à Delegacia da Mulher de Sorocaba. Só que o processo é tão enrolado, tão demorado e burocrático, que você acaba até desistindo. Parece que quanto mais contato você faz em relação a isso, mais próxima [do caso fica] e mais constrangimento sente.
Morosidade
Para Juliana Cunha, coordenadora psicossocial da SaferNet, a lentidão e a dificuldade para punir o responsável pelo vazamento das imagens são fatores que contribuem para que os casos continuem crescendo — apesar de o número da ONG ser expressivo, ela destaca que há ainda muita subnotificação. Quando as imagens envolvem menores de idade, o crime é classificado como pornografia infantil. Já quando as imagens são de maiores de idade, o crime previsto pode ser o de injúria ou difamação ou então ser levado para a vara cível.
Por não confiar que haveria uma punição, Ana Beatriz Unello, de 21 anos, não quis denunciar um ex-namorado que divulgou suas imagens quando ela tinha 17 anos.
— Eu não queria continuar essa história, ter de ir atrás dele e continuar pensando nesse assunto.
As fotos de Ana Beatriz foram divulgadas pelo ex-namorado após o fim do relacionamento.
— Ele usava as imagens [capturas de telas de conversas pela webcam] para me chantagear a voltar para ele.
Após quatro meses de ameaças, o rapaz, que na época tinha 18 anos, criou um perfil falso em uma rede social para publicar as imagens da ex-namorada.
A jovem procurou ajuda na SaferNet quando o ex-namorado ainda fazia apenas ameaças e, por isso, foi orientada a pedir apoio para a família.
— Ter meus pais ao meu lado foi fundamental. Porque foi essa a primeira coisa que eu pensei: que eu iria perder o amor, o apoio, o carinho deles. Só depois é que pensei na minha reputação, no que os outros iriam pensar, no meu emprego.
Mesmo três anos após o vazamento das imagens, Ana Beatriz diz que ainda tem medo de que as fotos possam ser divulgadas novamente.
Temor
Juliana diz que o medo da volta das imagens persegue as vítimas por muitos anos, uma vez que não é possível saber se todas as cópias foram de fato apagadas. Na semana passada, o Google anunciou que vai retirar as fotos e vídeos de "pornografia de vingança" de seus resultados de busca se houver solicitação das vítimas.
— Temos visto alguns avanços para proteger as vítimas, mas, ainda assim, elas não conseguem ter total segurança de que as imagens não voltarão à tona.
Para ela, é preciso que seja feita uma mudança no comportamento machista da sociedade, que ainda trata as mulheres como culpadas por terem feito as imagens.
— As imagens foram produzidas por elas, mas sua publicação não foi consentida. O erro não está em fazer as imagens, mas na divulgação.
Mônica concorda com a psicóloga e diz que o próprio pai de seu bebê, com quem hoje não namora mais, chegou a ofendê-la quando a repercussão mais grave do caso aconteceu durante a gravidez.
— Ele falou para mim: 'Qual vai ser a visão do seu filho em relação a isso [fotos e vídeos íntimos na Internet]? Você não se preocupa?" Eu falei: "Não fui eu que mandei minhas fotos para todos os sites, não fui eu quem publiquei. E mesmo se tivesse publicado, qual é o problema? É o meu corpo. De qualquer forma, não fui eu. Isso vai mudar minha índole como mãe?"