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“Tia Xereta” já encontrou mais de 3.000 pessoas desaparecidas

Depois de localizar a própria filha, governanta dedica seu tempo livre a casos de desconhecidos

Cidades|Ana Cláudia Barros, do R7

Lindalva Matos já perdeu as contas de quantas pessoas já encontrou e recebe muitos pedidos pelas redes sociais
Lindalva Matos já perdeu as contas de quantas pessoas já encontrou e recebe muitos pedidos pelas redes sociais Lindalva Matos já perdeu as contas de quantas pessoas já encontrou e recebe muitos pedidos pelas redes sociais

A governanta Lindalva Matos, 55 anos, dá um significado especial à palavra voluntariado. Há quase uma década, ela dedica grande parte do tempo livre em ajudar a promover o reencontro de familiares que, por capricho da vida, tiveram os caminhos separados.

Ela afirma que já perdeu as contas de quantas pessoas localizou. Parou de registrar há dois anos, quando o número já havia chegado à casa dos 3.000. Começou na tentativa de encontrar a filha, que havia doado na juventude. Teimosa e aguerrida, conseguiu o feito com a ajuda de quem já realizava esse tipo de apuração. Tomou gosto, aprendeu técnicas e localizou quatro tias, que a mãe dela não via havia 56 anos. Desde então, nunca mais parou. E nem pretende.

Em entrevista ao R7, Lindalva conta um pouco dos casos que mais a marcaram, fala da rede de fontes que construiu, mas mantém em sigilo absoluto os métodos de investigação que utiliza. Sobre esse último, o único detalhe que a “tia Xereta”, como é conhecida, deixa escapar é que grande parte das informações que coleta vem da internet. É também via web, especialmente as redes sociais, que ela recebe a maioria dos pedidos de ajuda. 

Confira a entrevista na íntegra.

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R7: Como começou seu interesse por localizar pessoas?

Lindalva Matos: Comecei procurando minha filha biológica, que doei há anos. Eu era menina, criançona. Não tinha condições nenhuma de ficar com ela. A família não aceitaria. Imagine a situação: você sem ninguém para conversar. Foi bem difícil. Sempre divulgo no meu Facebook: “Não julguem as mães que doaram seus filhos. Você não sabe a situação delas”.

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R7: Então, o início de tudo foi o desejo de localizar sua filha. Quantos anos você tinha na época?

LM: Estava com 45 anos. Comecei a busca por ela e fiz amizade com a Sandrinha Chialastri [Lindalva chegou até Sandra por meio do extinto Orkut], que faleceu há oito meses. Ela era minha grande parceira. Tudo que sei, aprendi com ela.

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R7: Mas qual era a história dela?

LM: A Sandrinha fazia buscas. Ela adotou uma filha e começou procurando a mãe biológica da menina. Eu me apresentei, contei minha história para ela e a nossa grande amizade começou. Acabei me interessando pelo assunto. Depois, localizei quatro tias.

R7: Mas você conseguiu encontrar sua filha?

LM: Sim, consegui.

R7: Vocês se falam atualmente?

LM: Não. Ela não sabe que foi adotada e eu prefiro não interferir na vida dela. Não tenho esse direito. Saber que ela está bem, feliz, isso para mim já é suficiente. Queria saber se ela tinha sido bem cuidada [Lindalva teve outra filha, hoje, com 28 anos].

R7: Você se lembra de todos os casos que investigou?

LM: De cabeça, não me lembro de todos. Eu me recordo dos que mais me marcaram. Um foi de um sargento da Aeronáutica que me procurou, porque queria conhecer a mãe dele. Foi criado na Febem [atualmente, Fundação Casa], porque foi retirado da família. Ele e todos os irmãos. Ele se lembrava muito vagamente da mãe. Localizei a mãe dele e os irmãos. Isso virou uma grande amizade, o que me deixa muito feliz.

R7: Você localizou sua filha e suas tias e, a partir daí, sentiu a necessidade de ajudar outras pessoas?

LM: Sim. São poucas pessoas ajudando a fazer esse trabalho. Eu peguei gosto.

R7: As pessoas começaram a te procurar? E como elas tiveram acesso? Como souberam que você faz esse trabalho?

LM: Elas começaram a me procurar. Hoje, funciona no “boca a boca” e no Facebook.

R7: Como você localiza as pessoas?

LM: Eu não costumo comentar como eu localizo. Tenho os meus meios. Mas há vários modos. Tenho meios que fazem com que eu consiga chegar mais rápido [...] Eu era conhecida como “tia Xereta”. No começo, eu não queria aparecer de jeito nenhum. Então, nós tínhamos apelidos. A Sandrinha era a “Tia Biscoito”, eu era a “Tia Xereta”. Tinha a Sandra Mendonça, que era conhecida como avó.

R7: Vocês formavam um grupo?

LM: Isso. Criamos um grupo. Mas acabou. A Sandrinha se foi. A Sandra também faleceu. E, no fim, fiquei só.

R7: Você é governanta. Qual o seu horário de trabalho?

LM: Chego às 8h, 8h30 e saio por volta das 16h, vou para casa.

R7: Quantas horas do seu tempo livre você gasta por dia com o serviço de localização de pessoas?

LM: Chego em casa às 17h. Fico até meia-noite.

R7: A família não reclama?

LM: Eles tiveram que se acostumar. Às vezes, falo: “Vou desligar tudo”. Mas quando ligo novamente, tem tanto recado que acaba piorando mais a situação.

R7: Você cobra pelo serviço?

LM: Não.

R7: Já gastou dinheiro do seu bolso para realizar as buscas?

LM: Eu gasto dinheiro do meu próprio bolso. Algumas vezes, preciso ir a campo [...] Já foram muitos casos: França, Itália, Alemanha, Inglaterra. Como a pessoa vem para o Brasil sem ter certeza de que o parente mora no endereço que passei? Então, tenho que ir lá primeiro.

R7: Gente do exterior te procura?

LM: Também. Já resolvi muitos casos de fora.

R7: Localizar pessoas se tornou uma motivação de vida para você?

LM: Sim. E agora, ganhei um novo prêmio. Sou uma das novas diretoras da ONG Abradeph (Associação Brasileira de Direitos e Defesa na Proteção da Humanidade) — atua contra o tráfico de pessoas em favor das famílias de desaparecidos.

R7: Você falou que os casos de desaparecimento recentes são os mais difíceis. Já conseguiu elucidar algum?

LM: Não. Sabe por quê? Primeiro, porque sou civil. Quando tenho alguma desconfiança, prefiro passar para a polícia. Tenho amigos especiais lá. Posso estar entrando em um mundo perigoso.

R7: O cerne do seu trabalho é localizar familiares que não se encontram há muitos anos.

LM: Isso. Ontem [quinta-feira], bati meu recorde. Consegui localizar duas irmãs que estavam havia 75 anos sem se ver. Elas vão se reencontrar no próximo feriado. Dei pulos de alegria.

R7: Quantos reencontros você já promoveu? Quantas pessoas você já localizou?

LM: Parei de contar nos 3.000, há dois anos.

R7: Desses mais de 3.000 casos esclarecidos, algum te emocionou mais, excetuando os casos da sua filha e das suas tias?

LM: Esse eu nunca vou me esquecer. Uma moça me procurou porque, quando criança, a mãe faleceu e o pai sumiu, e ela e mais quatro irmãos ficaram sozinhos em casa. Para sobreviver, eles vendiam bala no farol. Até o dia em que a assistente social os pegou e separou todos os irmãos. Ela queria rever os irmãos. Achei os quatro em São Paulo no dia seguinte. Todos haviam ido para a Febem, assim como ela. Quando ela me procurou, tinha ficado viúva e estava com um filho de 16 anos e outro de 14 anos. Ela falou: “Fiquei sozinha nesse mundo e queria encontrar meus irmãos”. Ela veio para São Paulo, conseguiu rever os irmãos.

Um ano depois, um dos irmãos me ligou dizendo que ela havia falecido. Pelo menos, ela teve com quem deixar os filhos — Lindalva se emociona. Sempre que eu me lembro desse caso, choro. Falo que Deus me deu um dom. Esse caso me marcou muito. O desespero dela em achar a família. Parecia que ela estava adivinhando que ia morrer. Os filhos ficariam sozinhos.

São muitas histórias. Mãe que eu localizei, mas que não queria conhecer a filha que doou. Muitas mães que querem achar e não podem chegar perto dos filhos. Acabo me envolvendo emocionalmente. É complicado.

R7: Qual a sensação de elucidar um caso, de ajudar alguém?

LM: A alegria que dá dentro de mim a cada familiar que localizo não tem preço. É essa a minha recompensa. Não preciso de mais nada.

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