A quarentena imposta para conter a pandemia do coronavírus preocupa o empresariado do Brasil e do mundo por causa da desaleceração do consumo e do efeito que isso pode causar na economia.
Em São Paulo, uma pesquisa feita pelo Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo) mostrou que 95% dos empresários acreditam que o coronavírus trará um impacto negativo para o negócio deles.
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O empresário Tallis Gomes, fundador dos aplicativos Easy Taxi e Singu, um serviço de delivery de beleza e bem-estar, defendeu, no início desta semana, que o isolamento da população dure apenas até 7 de abril, prazo estabelecido pelo decreto do governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB).
Depois disso, ele, acompanhado de um coro de empresários, defende que seja imposta a quarentena seletiva, como o empresário prefere chamar o isolamento vertical. O que seria? O grupo de risco — idosos, doentes crônicos de diabetes e hipertensão e imunossuprimidos — continuaria em isolamento, e os demais cidadãos voltariam a trabalhar, comandar suas empresas e empreender.
A medida contraria determinação da OMS (Organização Mundial da Saúde), da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), entre outras entidades.
100% da população deve fazer o teste
Para viabilizar esse projeto, no entanto, o empresário levanta uma questão que deve ser solicionada antes de iniciar a quarentena seletiva.
"O governo precisa fazer uma parceria com laboratórios públicos e privados para realizar o teste do coronavírus em toda a população. Somente testando todos, vamos ter a certeza de quem está ou não contaminado", adverte.
Gomes cita um exemplo simples e que afeta o cotidiano de muita gente: um jovem pode ser assintomático à doença e transmitir o vírus para seus familiares do grupo de risco. Por isso, é fundamental realizar o teste em toda a população.
"O Japão testou 3.700 pessoas que estavam num cruzeiro, identificou seiscentas com o diagnóstico positivo e, dessas, trezentas estavam sem qualquer sintoma. É mais importante identificar essas pessoas e isolar o grupo de risco, do que parar o país e manter toda a população em quarentena", comenta Gomes.
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Para o empresário, vale mais a pena retomar a economia após o isolamento inicial do que oferecer uma bolsa de R$ 200 para garantir o sustento da população mais vulnerável sem saber ao certo por quanto tempo, por exemplo.
"A população precisa trabalhar para ter o que comer. Se considerarmos que 94% dos brasileiros não têm uma poupança e precisam do salário para não passar fome, podemos esperar um aumento de criminalidade e de saques nos supermercados se não migrarmos para a quarentena seletiva", avisa.
Pequenos sem caixa
O empresário ainda fala sobre o impacto da quarentena na vida dos profissionais autônomos e micro e pequenos empreendedores. Ele diz acreditar que será impossível sobreviver com as portas fechadas por muito tempo.
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"Eles têm caixa para se manter por 30 dias, chutando alto, sem trabalhar. Considerando que essa categoria é responsável por 81% da geração de empregos do país, logo vamos nos deparar com um número de desempregados maior do que registramos atualmente", comenta.
Mas como retormar a atividade econômica com a quarentena seletiva sem prejudicar grupos de risco e cuidar dos cidadãos com coronavírus?
Hotéis podem abrigar grupo de risco
Gomes tem uma sugestão para implantar a quarentena seletiva sem prejudicar a população mais vulnerável.
"Com a epidemia do coronavírus, o setor hoteleiro está parado. Por que não criar vouchers que podem ser comprados pelo governo ou empresas para abrigar a população do grupo de risco nos quartos que estão em vacância durante a quarentena? Certamente seria mais eficaz do que oferecer incentivo fiscal. Se eu tivesse uma rede de hotéis ofereceria para essa iniciativa", diz.
O mesmo vale para as pessoas que vivem nas favelas, continua Gomes. "Com oito pessoas dormindo em um quarto, fica difícil conter a doença e cuidar de todos. Essas pessoas, com a ajuda de voluntários que testaram negativo, poderiam permanecer nos hotéis até tudo se normalizar."
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Gomes classificou as medidas do governo para diminuir os efeitos da crise, entre elas, adiamento do pagamento do Simples e do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), crédito com taxas mais baixas, redução de salário e da carga horária de trabalho como "um ralo para tentar escoar o mar".
"A intensão é ótima, mas com essas medidas estamos tratando o sintoma e não a causa. Se isolarmos as pessoas com dignidade, separarmos o grupo de risco e mantermos a atividade econômica com a população saudável, é improvável que aumente a necessidade de tratamento intensivo. Não estou falando para todos irem para a rua e migrar dessa quatentena para a seletiva imediatamente, mas isolar o grupo de risco em hotéis com vacância seria uma alternativa", explica.
Melhora econômica só no fim do ano
Apesar de defender a retomada da economia com a quarentena seletiva, Gomes reconhece que a economia não voltará ao normal em curto prazo.
"As pessoas veem primos e amigos perdendo emprego e ficam temerosos em comprar um carro ou dar entrada num apartamento, por exemplo. A retomada será gradual e deverá começar apenas no fim do ano", diz.
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Fundador do app Easy Táxi, Gomes, que não está mais no comando da plataforma, acredita que o movimento das corridas dos motoristas de aplicativos caíram 80%, em São Paulo, se considerarmos que 87% da cidade está em quarentena.
Startup criará fundo para ajudar profissionais
Seguindo a determinação do decreto de quarentena, Gomes fechou por 15 dias a Singu, empresa que comanda desde que deixou o Easy Táxi.
Durante a quarentena, a startup, que oferece oportunidade para 5 mil manicures e esteticistas e cabeleireiras, iniciou a venda de crédito com desconto de seus serviços.
Com a iniciativa, o empresário quer criar um fundo para manter o pagamento antecipado para as profissionais que fazem parte do grupo de risco e não podem trabalhar.
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"80% das profissionais que temos dependem do serviço da Singu para sobreviver. Somos uma startup e nossa empresa ainda não dá lucro, mas tive a ideia de criarmos este fundo para emprestar o dinheiro sem juros para elas enquanto não podem trabalhar", diz.
O empréstimo funcionará da seguinte maneira: a profissional pega R$ 100 de crédito, por exemplo, que seria o equivalente ao preço de três manicures, e, depois, quando a situação normalizar, ela faz esse serviço sem cobrar da Singu.
Gomes diz que a renda mensal média das profissionais é de R$ 1.500, mas algumas chegam a tirar R$ 6 mil por mês.
Empresário dá dicas de sobrevivência
⦁ Crie um sistema de antecipação de créditos para ter dinheiro em caixa
⦁ Corte custos. Veja o que não é essencial no seu negocio e elimine
⦁ Negocie preço com fornecedores
⦁ Manter um cliente é cinco vezes mais barato do que conquistar um novo
Para os grandes empresários, segue uma dica:
"Precisamos ter empatia e bom senso nesse momento. Se você tem condições de adiar o pagamento do boleto de um pequeno fornecedor, faça isso para dar um respiro para ele. Ajude o pequeno a enfrentar a crise. Pense na coletividade", finaliza.