A maioria das notícias sobre a instituição tiveram relação com problemas ambientais, crise financeira, greves de funcionários e a denuncia de casos de estupro e racismo em festas da faculdade de medicina
Divulgação USPEm 2014, a USP (Universidade de São Paulo) completou 80 anos de existência. Entretanto, a celebração de seu aniversário, bem como um possível balanço sobre a qualidade do ensino oferecido na instituição em oito décadas, foi abafada por uma série de polêmicas envolvendo, principalmente, questões referentes à gestão da universidade e de suas unidades.
A maioria das notícias sobre a instituição tiveram relação com problemas ambientais, crise financeira, greves de funcionários e a denúncia de casos de estupro e racismo em festas da faculdade de medicina.
USP Leste
Ainda no início do ano, cerca de 4.500 estudantes da Each (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), conhecida como USP Leste, tiveram de deixar o campus da unidade para assistir às aulas em outras instituições.
À época, o Ministério Público Estadual alegou que uma contaminação de gás no solo do campus arriscava a saúde de estudantes e funcionários. Durante todo o primeiro semestre, a unidade teve aulas em salas improvisadas na Unicid (Universidade Cidade de São Paulo) e na Fatec (Faculdade de Tecnologia de São Paulo), ambas localizadas no Tatuapé, bairro da zona leste da capital paulista.
Estudantes denunciaram ao R7 a falta de infraestrutura das salas provisórias
Mariana Nwabasili, do R7Estudantes denunciaram ao R7 que a falta de infraestrutura das salas provisórias fez com que uma aula fosse ministrada em um banheiro da Unicid. Apenas no dia 8 de agosto o campus da Each foi liberado.
Adriana Tufaile, professora de ciências da natureza da Each, recorda que ter aulas em salas improvisadas foi um dos momentos mais difíceis do ano.
— As salas improvisadas eram menores do que as da Each e não tínhamos estrutura. Muitos projetos de pesquisa foram interrompidos, porque eram desenvolvidos no campus. O problema de deslocamento inviabilizou a graduação para alguns, e acabamos tendo trancamentos e desistências de disciplinas.
Ela relata que as aulas foram “aparentemente” normalizadas, mas há quem não concorde com as atuais condições de trabalho. Adriana diz que alunos e funcionário ainda têm medo de consumir a água potável do campus e de a poeira no local estar contaminada.
— Eu acho que a gente não poderia ter voltado para o campus do jeito que ele está. Voltamos sem haver a resolução adequada dessa contaminação.
Em reportagem especial, o R7 divulgou que a total descontaminação da USP Leste pode custar R$ 40 milhões, metade do valor gasto para construção da unidade.
Crise financeira e greve
No fim do mês de abril, o reitor da USP, Marco Antonio Zago, anunciou um rombo orçamentário na instituição: entre os anos de 2012 e 2013 o orçamento da universidade teve queda de 21 %, passando de R$ 3,23 bilhões para R$ 2,56 bilhões.
Ao longo do semestre, as notícias pioraram. De janeiro a junho deste ano, a USP gastou R$ 2,27 bilhões com salários, benefícios e provisão de 13º e férias a seus servidores. Entretanto, os recursos repassados pelo Estado à universidade no mesmo período atingiram apenas R$ 2,15 bilhões, fazendo com que, no primeiro semestre, 105% do orçamento mensal da instituição fossem comprometidos com a folha.
A situação levou a universidade a congelar o reajuste de salários neste ano. Sem aumento, funcionários decidiram entrar em greve . A paralisação foi a mais longa da história da USP, que ficou sem aula durante 116 dias entre maio e só voltou às atividades setembro.
A reitoria instituiu uma série de medidas criadas para conter a crise. Entre elas a criação de um PIDV (Programa de Incentivo à Demissão Voluntária) e transferência do HU (Hospital Universitário) e do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, o Centrinho, de Bauru, para a Secretaria Estadual de Saúde.
Para Carlos Monteiro, presidente CM Consultoria, empresa especializada no planejamento e desenvolvimento de instituições de ensino superior, o excesso de servidores na universidade explica o agravamento da crise.
Ele menciona que, somado a isso, a forma de financiamento da instituição, por meio de repasse de parte da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) pelo governo estadual, influencia diretamente no controle do orçamento.
— Quanto se tem uma fonte de recurso claramente estabelecida, não se pode gastar mais do que se prevê de arrecadação. E o que a USP vem fazendo, ano após ano, é aumentar suas despesas principalmente de folha de pagamento, tornando a situação cada vez mais insustentável.
Victor Hugo Santos desapareceu durante um evento na USP
DivulgaçãoMortes e casos de violência
No início do ano, o corpo do empresário Everaldo Miranda, de 42 anos, foi encontrado na raia olímpica da Cidade Universitária, localizada na zona oeste da capital paulista. Everaldo praticava stand-up paddle (surf com remos) quando desapareceu na raia no dia 24 de janeiro.
Em agosto, o analista de sistemas Álvaro Teno, de 67 anos, morreu atropelado por um carro na Cidade Universitária.
Mas o incidente que mais ganhou repercussão na imprensa foi a morte do estudante Victor Hugo Santos, de 20 anos. O jovem desapareceu durante o evento e foi encontrado morto na raia olímpica da USP.
Denúncias de casos de violência sexual e de racismo envolvendo estudantes da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) vieram à tona no início de novembro, uma audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
Depois de denunciar os casos, Paulo Saldiva, médico, professor titular da faculdade de medicina e presidente da comissão que investiga as denúncias de violência sexual na USP, pedisse afastamento da unidade.
A Congregação da Faculdade de Medicina decidiu proibir a utilização de bebidas alcoólicas no campus, bem como a realização de festas. Além disso, ficou estabelecido que os alunos que perseguirem as vítimas que fizeram denúncias serão suspensos ou expulsos.
Recentemente, o Conselho Gestor da USP também proibiu bebidas alcoólicas e a realização de megafestas nos campi da instituição.
Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi aberta pela Comissão de Direitos Humanos da Alesp para apurar os casos de violência em detalhes, além de identificar e responsabilizar os agressores.
Marco Arkeman, professor da faculdade de saúde pública da USP e um dos autores do livro “Bulindo com a universidade — Um estudo sobre o trote na medicina”, analisa que a imagem que a faculdade de medicina da USP tem no País contribuiu para que a sociedade tenha ficado ainda mais chocada com os casos.
— Choca isso ocorrer em uma faculdade de medicina, onde alunos falam que escolheram o curso para cuidar das pessoas, em um ambiente onde se espera haver pessoas cuidadoras.
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No livro que escreveu junto com outros professores, Arkeman evidencia que um dos elementos motivadores de casos de abuso, preconceito e violência entre universitários é uma cultura de hierarquia que impera nas faculdades de medicina de maneira geral.
— Os trotes obrigam os alunos a cumprir uma lógica de hierarquia entre si. Constrói-se a ideia de que se sou mais velho na universidade, devo ser mais respeitado; se sou branco, sou mais importante que um negro; se sou homem, sou mais importante que uma mulher; se sou heterossexual, sou mais importante do que um gay.
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Ele afirma, ainda, que no meio médico a aceitação e participação de tais práticas durante a graduação pode trazer benefícios a longo prazo.
— O trote acaba sendo um instrumento para construir grupos de poder que se articulam ao longo do ano como corporações e vão, inclusive, influenciando o mercado de trabalho médico. É preciso questionar e entender por que isso acontece nas faculdades de medicina e, estudar a genealogia da hierarquia médica.