“Ao contabilizar 40 casos, com 21 mortes, estamos falando, na verdade, de mais de 200 infecções.” Esse é o panorama traçado pelo médico e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Maurício Nogueira, para o surto de febre amarela em São Paulo.
Isso porque, segundo ele, há dezenas de pessoas contaminadas que não manifestam os sintomas mais agudos da doença. Normalmente, o número notificações representa de 20% a 30% do total de infecções. “Precisamos identificar esse grupo para evitar que o surto aumente.”
De acordo com o último boletim da Secretaria de Saúde do Estado, foram registrados 40 casos autóctones de febre amarela silvestre (quando a doença é contraída na própria cidade e não vem de pessoas que viajaram para regiões afetadas). Desses, 21 evoluíram para mortes em municípios endêmicos, áreas com maior incidência.
Nesta terça-feira (16), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP) anunciou a antecipação em uma semana da vacinação contra a febre amarela. A campanha começará dia 29 de janeiro e irá até o dia 17 de fevereiro. Ele incluiu a cidade de São Caetano do Sul no planejamento. Com isso, 54 cidades do estado vão receber campanha com doses integral e fracionada da vacina.
(Veja abaixo o mapa das cidades que registraram óbitos)
A doença, que deixou São Paulo em estado de alerta desde o ano passado, é proveniente do continente africano. “Ela chegou ao Brasil com o tráfico de escravos. O vírus se adaptou às condições geográficas e estabeleceu o ciclo da doença no País”, diz Nogueira. Os escravos, recém-chegados da África, viviam na costa do País. “Na época do império, o Rio de Janeiro, por exemplo, viveu uma epidemia de febre amarela”, afirma Francisco de Oliveira Júnior, infectologista e supervisor médico do ambulatório do hospital Emílio Ribas.
Dessa forma, o vírus da família Flaviviridae se fixou na região Sudeste, nas áreas de Mata Atlântica. Décadas depois, com a redução da população de mosquitos, responsáveis por transmitir o vírus, a febre amarela migrou para a região amazônica.
Com as campanhas de vacinação, o Sudeste deixou de ser por muito tempo um dos focos da doença. No final da década de 1990 e início dos anos 2000, contudo, ressurgiram casos em alguns estados e mais recentemente o vírus da febre amarela inaugurou um novo ciclo na região. “Provavelmente essa migração acompanhou o crescimento populacional em áreas de mata atlântica.”
O primeiro estado a registrar a presença do vírus foi Minas Gerais. Desde o final de 2016, as autoridades de saúde mineiras estão em alerta. Como as epidemias ocorrem principalmente em função da migração dos macacos, não tardou para que outros casos fossem registrados no Espírito Santo e Rio de Janeiro. “Ao mesmo tempo que os primatas cruzam fronteiras e movimentam o vírus, são eles que ajudam a sinalizar a intensidade do surto”, afirma Oliveira Júnior.
Hoje, a grande preocupação dos especialistas, apesar das intensas campanhas de vacinação na última semana, é que a febre amarela deixe de ser silvestre e se transforme em urbana. Isso ocorreria se uma pessoa picada pelo mosquito Haemagogus fosse picada também pelo aedes aegypti. “Por isso, é preciso insistir na eliminação dos criadouros do vetor”, diz Oliveira Júnior.
Vacinas para idosos e gestantes
Após o aumento de casos registrados de febre amarela, o município de Mairiporã intensificou a campanha de vacinação ampliando a proteção às mulheres gestantes. A medida provocou questionamentos entre os especialistas. “A vacina não está associada ao abortamento ou às malformações. É preciso avaliar os riscos e os benefícios”, afirma o médico do hospital Emílio Ribas. Segundo ele, é natural que a estratégia de vacinação sofra alterações conforme a situação epidemiológica das regiões.
A mesma polêmica surgiu em relação a demanda da população idosa. “Se uma pessoa com mais de 60 anos faz uso de medicação imunossupressora (que reduzem a eficiência do sistema imunológico) e vive em uma região de baixo risco, não deve haver indicação para a vacina”, explica Oliveira Júnior. O que ocorre, porém, é que muitos idosos estão em busca do medicamento sem a devida avaliação dos riscos. “O médico deve orientar sobre possíveis contraindicações.”
De acordo com a Secretaria de Saúde de São Paulo, foram vacinadas sete milhões de pessoas no estado, o dobro do número de imunizados nos últimos dez anos. Entre os dias três e 24 de fevereiro será realizada mais uma campanha para proteger pessoas que vivem em locais não alcançados pelo vírus da doença. A vacinação preventiva prevê imunizar 6,3 milhões de pessoas, com as doses fraccionada, que asseguram a prevenção por pelo menos oito anos. Até o final de fevereiro, a previsão é de que metade da população de São Paulo esteja vacinada contra a doença.