Tinha de tudo dentro dessas portas!
Reprodução/Terror FestPor volta das 14h da tarde, após dar meu passeio pela área de compras da Fest Comix (e gastar mais do que esperava), estava pronto para cobrir uma das áreas que mais me atraíram na programação do evento, mas só encontrei uns estandes com umas esculturas horripilantes, um boneco do Jason em tamanho real sem um braço e Toninho do Diabo.
A programação deveria começar meio dia, mas até o momento o 1º Terror Fest era apenas um amontoado de cadeiras, algumas pessoas de olhares vidrados, e um ou outro fã de terror curioso circulando entre os adereços macabros.
"Tá um clima meio ruim aqui, um cheiro de enxofre", soltou Toninho, mexendo bastante em sua capa e dando risadas guturais de dois em dois minutos. Pelos horários marcados, às 14h deveria ter iniciado uma palestra sobre "maquiagem zumbi" com Pedro Marins, neto de Zé do Caixão, mas nem sinal de nada por ali.
Como os convidados não estavam por lá, e nem o organizador do Terror Fest (que tem o subtítulo "Festival de Quadrinhos, Cinema e Literatura da Contracultura Underground", para não deixar dúvidas sobre a natureza do que rolaria ali), o jeito foi bater um papo.
O ambiente era completamente underground, improvisado. A cortina era um gigantesco tecido TNT preto, o Jason estava quebrado porque caíra duas vezes assustando meio mundo com o barulhão ("Eu disse que o clima tava ruim, ninguém me ouviu", repetiu Toninho quando perguntei acerca do outro braço do boneco) e na entrada estavam duas redomas de vidro com itens aterrorizantes.
De um lado máscaras que Toninho do Diabo utilizou em seus filmes e do outro itens de bruxaria, incluindo a cabeça de um bicho que mais parecia um marsupial que ele diz "ter ouvido boatos de ter sido utilizada por Aleister Crowley", o desenho de um templo do mal e um trono gigante que era para ser assustador, utilizado principalmente para tirar fotos. "Esse lado aqui faz parte de um projeto novo meu, mais macabro", comentou o ator, sem entrar em detalhes.
Era assim que era a entrada do Terror Fest
R7/Filipe SiqueiraTudo ali evocava não apenas que aquela era a primeira edição do Terror Fest, mas também como o terror no Brasil é realmente uma contracultura quase inexplorada. Mesmo pesos-pesados como Zé do Caixão enfrentam dificuldades para se afirmar no mercado cinematográfico nacional, com muito mais espaço para comédias que mais parecem esquetes alongadas de humorísticos de TV. O Terror Fest era como o underground do underground, então, com curtas de diretores iniciantes e personagens B, como o próprio Toninho.
O evento também era um imã de pessoas estranhas. Um deles, que se apresentou como Morgan Cruz, contou uma série de histórias que se metade delas fosse real, o faria merecedor de ser uma das estrelas do evento. Ele afirmou ser inglês (e arranhava um inglês bastante esquisito), veterano da Real Força Aérea, e com experiência em combate em duas guerras, incluindo as Malvinas, onde tomou um tiro na altura da orelha — para provar que era real, pegava a mão de todos e passava na nuca sebosa, onde uma concavidade era facilmente percebida.
Além disso, contou diversas vezes que era ator, produtor, vocalista, baterista, guitarrista e se correspondia com Phil Collins e era amigo de Elton John. Uma busca pelo nome dele — dessa vez "Morgan Dwight", escrito no verso de um panfleto sobre implantes de chip distribuído por Toninho do Diabo — revelou que o sujeito era o falsário José Eduardo Carrara, 54 anos, paulista que ficou famoso ao dizer que era Charles Morgan, baterista de Elton John, e foi desmascarado pela polícia em março de 2015. Segundo familiares que entraram em contato com responsáveis por matérias anteriores sobre ele, José pode ter problemas mentais, talvez esquizofrenia paranoide. Mais Terror Fest impossível.
O showman Morgan Cruz e um cosplay de Chuck
R7/Filipe SiqueiraPor volta das 16h o evento finalmente começou. O editor da Publigibi, organizadora do evento, Daniel Vardi anunciou os curtas que começariam a ser apresentados no evento. Com o aviso: crianças, fiquem de fora.
O primeiro curta, Três Dentes de Ouro, de Diego Lara, investiu em um terror psicológico da pesada envolvendo imigração e segredos guardados no passado de um de seus protagonistas, um polonês mudo. O tema "fique longe da água" evoca o sobrenatural em sua forma mais pura.
O segundo curta, Cabrito, foi bem mais gore e menos sugestivo. Um sujeito com problemas da pesada — mãe dominadora, subemprego, caso com uma prostituta — se envolve com fanatismo e tem delírios com canibalismo. É gore e pesado na medida certa e o próprio diretor Luciano de Azevedo o descreve como "um slasher rural".
A seguir, começou uma mesa acerca de fantasmas, "a forma de horror definitivo", segundo Vardi, que comandou os trabalhos. A essa altura, resolvi dar uma volta e lá fora estava Deddy Edson, especialista em quadrinhos das antigas, espalhando fotos dele com o trono do Fantasma, que segundo o próprio "atrai visitantes até de outros países". Ele estava de cosplay de Toninho do Diabo, com dentes de vampiro, capa negra, e cartola vermelha.
Uma das mesas do evento, sobre Terror em diversas mídias
Reprodução/Terror FestO Luís Segura, estagiário do R7 (responsável por essa matéria maluca do Juca) me ligou e perguntou como estava o evento. Ele queria saber de preços e locais bons para comprar gibis.
Era a minha deixa.
O Jason ficou completamente destruído
R7/Filipe SiqueiraCaímos fora durante o debate com fantasmas, em uma parte em que Vardi dizia que espíritos eram os melhores vilões porque "eles sempre estavam perto de nós".
Diversos fãs de terror, entre eles adolescentes que gritavam e davam pulinhos em cada cena mais bizarra dos dois curtas, pareciam legitimamente interessado na exploração do tema, que realmente gerou um bom debate. Mas o clima postiço de assombração já estava começando a me entediar, para ser sincero.
Lá fora, Toninho nos chamou de volta, alegando que o filme dele logo seria exibido. Voltamos, para evitar que algum tipo de maldição caísse sobre nossas cabeças. Mas nem sentamos em nenhuma cadeira: foi só ele virar as costas que corremos, para a liberdade e nos escondemos em um estande qualquer.