Caracas é epicentro da pandemia de coronavírus na Venezuela
Rayner Peña - EFE/EPA 27.07.2020Máscaras no pescoço, como um cachecol, tornaram-se uma tendência em Caracas, capital da Venezuela e epicentro da covid-19 no país. Apesar dos mais de quatro meses de medidas de quarentena em vigor, muitos cidadãos parecem ter se esquecido do verdadeiro perigo do vírus e transformaram a cidade em uma roleta russa para o contágio pelo novo coronavírus.
Com as máscaras esticadas abaixo do queixo, duas vendedoras do Mercado Mayor de Coche, um dos maiores de Caracas, conversavam animadamente desafiando o coronavírus, assim como outros comerciantes locais.
A alguns metros de distância, o também vendedor Juan Reyes gritava para oferecer mortadela pelo preço de US$ 2 a peça. Ele usava máscara, mas deixando o nariz descoberto, não tinha luvas e admitiu que não lavava as mãos uma vez sequer durante as cinco horas diárias de trabalho no mercado.
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"Tenho que sair e conseguir comida, chefe. Se eu ficar em casa, como poderei sustentar minha família?", disse Reyes, de 42 anos, à Agência Efe.
No último sábado, esse mercado popular ao ar livre ficou cheio de compradores em busca de ofertas, enquanto se esforçavam para não pisar nas poças criadas pela chuva na noite anterior. Mais do que o coronavírus, a grande preocupação em relação à saúde era espantar as moscas.
Todos estavam com máscaras, mas muitos a penduravam no pescoço, na testa ou apenas no queixo para facilitar a respiração, apesar de aumentarem as chances de contágios.
Algumas dessas pessoas foram detidas por policiais e alinhadas em um muro perto da entrada do mercado. Como punição, foram forçadas a segurar um cartaz com a mensagem de que as máscaras são obrigatórias, mas ela não chegou a centenas de pessoas que mostravam estar mais preocupadas com a economia do que com a saúde.
Reyes acredita que a medida é exagerada, embora considere a aglomeração de pessoas "perigosa".
"Todo mundo usa máscaras, luvas, fazem as coisas como devem ser", disse o vendedor, contradizendo a realidade que a Agência Efe encontrou no mercado.
Mercados de rua estão cheios em Caracas
Rayner Peña - EFE/EPA 27.07.2020A quase 15 quilômetros de Reyes, a aposentada colombiana Esther García, 67, visitava outro mercado, no bairro de Chacao, no leste de Caracas.
Ela já havia feito as compras e entrou nesse mercado municipal arrastando uma pequena mala apenas para comparar preços - e ficou satisfeita com o que viu, pois chegou à conclusão de que economizou ao comprar em outro lugar.
Esther também aproveitou a passagem pelo mercado como uma "esticada", alegando que não aguenta mais ficar em casa depois de quase 140 dias em reclusão intermitente.
"Isso está incomodando muito minha cabeça. Sou muito sociável e agora estou subjugada, perdi minha liberdade, minha filha me controla", desabafou, ao contar que a filha, preocupada com o crescente número de casos de covid-19, pede que ela não saia de casa, por ser de grupo de risco.
Capital da Venezuela tem mais de 200 novos casos por dia
Rayner Peña - EFE/EPA 27.07.2020Caracas tem sido, há vários dias, o epicentro da pandemia do novo coronavírus na Venezuela. Somente no sábado, foram detectados na capital 216 novos contágios, o que elevou o número de casos no Distrito Capital — que engloba também vários municípios do estado vizinho de Miranda — para 1.839.
Esses dados levaram a vice-presidente do país, Delcy Rodríguez, a declarar que o coronavírus Sars-CoV-2, que causa a covid-19, "está circulando amplamente" em Caracas.
"Há um surto, e devemos controlar esse surto", insistiu, antes de apontar que é responsabilidade das pessoas se protegerem contra possíveis contágios através do uso de máscaras, lavagem frequente das mãos e cumprimento do isolamento social.
O governo venezuelano, porém, também disse que não apenas o não cumprimento de medidas básicas de biossegurança são responsáveis pelo aumento das taxas de contágio e mortes pela covid-19, como também a entrada ilegal de venezuelanos infectados vindos de países como Brasil e Colômbia.
O presidente Nicolás Maduro disse na semana passada que pelo menos 115 mil migrantes venezuelanos retornaram ao país desde o início da pandemia do novo coronavírus.
Quase 40 mil teriam entrado ilegalmente por "trilhas" sem cumprir a quarentena preventiva e 10% teriam sido infectados antes de cruzarem a fronteira, de acordo com o governo venezuelano.