Julia Bartsch (foto) é psicóloga e acompanhou médicos que lutam contra o ebola na África Ocidental
Reprodução/Damaris Giuliana/MSFO atual surto de ebola parece estar longe de acabar e o total de mortes decorrentes da doença está próximo de 5.000. A OMS (Organização Mundial de Saúde) ressaltou, na última semana, que o alto índice de mortalidade da epidemia se deve às precárias condições de trabalho na região da África Ocidental onde o surto é mais grave. Por isso, além de médicos, a frente de batalha contra o ebola conta também com psicólogos que atuam para confortar pacientes, famílias e equipes de saúde.
Julia Bartsch, psicóloga de MSF (Médicos Sem Fronteiras), voltou ao Brasil há poucos dias, depois de uma intensa jornada de trabalho nos centros de tratamento na Guiné e na Libéria.
Em campo, Julia oferecia suporte psicológico aos profissionais internacionais da organização e acompanhava, inclusive, a rotina de pelo menos 12 horas de trabalho.
Em entrevista ao R7, Julia, que pela primeira vez acompanhou um projeto contra o ebola, conta que seu trabalho na África Ocidental consistia em observar as condições de saúde psicológica dos profissionais enquanto trabalham no campo. Ela também auxiliava-os em atendimentos particulares, além de acompanhar os próprios doentes em tratamento.
"Meu trabalho consistia em estar disponível para as pessoas que queriam atendimento individual, mas eu também me aproximava das pessoas que eu percebia que estavam mais afetadas pelo que estava acontecendo", diz.
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Ela levantou alguns dos pontos principais que eram abordados durante seu trabalho, como a evitação de contato físico, o alto índice de mortalidade e o cansaço físico e emocional, que colaboram para uma possível instabilidade do profissional atuante.
De acordo com Julia, o vírus do ebola cria um dos piores contextos para se trabalhar, o que torna ainda mais essencial o acompanhamento de um psicólogo. Entretanto, Julia foi para a Monróvia, na Libéria, especialmente por causa de um caso recente de contaminação de uma profissional francesa de MSF.
"Isso, obviamente, afetou a equipe, porque ela era muito próxima. Eu dei suporte para eles", conta.
Entretanto, ela recorda que apesar do alto índice de mortalidade e a sensação de impotência, os médicos também se sentem recompensados quando há um caso de cura de um paciente infectado pelo vírus.
A situação fora de controle
Julia diz que a sensação nos países é de desespero, já que ainda não se sabe até quando a epidemia vai persistir. "A maioria das pessoas já perdeu um ou vários membros da família para o ebola. O sistema de saúde na Libéria [...] está completamente em colapso, então, fica essa sesanção de desamparo", lembra.
— Eu vi uma criança de dez anos sendo abandonada na porta do centro de tratamento de MSF. Esse é o maior símbolo de desespero. [...] Quando se chega ao ponto de abandonar uma criança por que uma comunidade exigiu que "se livrasse" desse doente é uma situação de desespero, sem dúvida.
Mas Julia afirma que a maior motivação é ver pacientes curados. "Cada paciente que sobrevive é uma vitória". Durante a entrevista, ela lembrou de um bebê de três meses que chegou ao centro de tratamento depois de perder os pais para o ebola. "Quando cheguei, vi várias pessoas ao redor dessa criança. Eles estavam muito felizes".
— Aquele bebê tão pequeno, tão frágil, estava ali mostrando que é possível vencer um vírus que tem sido tão devastador.
Próximos planos
Julia, que também acompanha os profissionais de saúde no retorno de campo de MSF, disse que ainda não sabe quando voltará para as próximas missões. Ela precisa descansar dos dias que passou na África Ocidental.
MSF adota como protocolo a recepção dos profissionais em sua sede, no Rio de Janeiro, para seguirem um acompanhamento para readaptação e proteção de cada um. No caso específico de ebola, eles são observados por 21 dias, tempo limite para manifestação de qualquer sintoma da doença. Julia, como psicológa, também atua nessa fase do processo.
* Bruna Vichi, estagiária do R7