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Uma sociedade com bulimia de objetos

Internacional|

Carlos Abascal Peiró. Paris, 30 mar (EFE).- De xícaras a selos, passando por vinis, o acúmulo de objetos é um fenômeno do mundo moderno, uma obsessão analisada através de um recente ensaio que, entre nostalgia e fetichismo, tenta demonstrar por que hoje "ter" se transformou em um sinônimo de "ser". Seguindo a pista do filósofo alemão Walter Benjamin e recorrendo à sociologia e ao marketing, o estudo "Bulimia de objetos" ("Boulimie d'objets", no título original), coordenado pela acadêmica francesa Valérie Guillard, pretende dar respostas à sociedade dos colecionadores. "Acumulamos devido à relação sentimental que nos liga aos objetos, a seu suposto valor, à segurança que proporcionam ou a vontade de conservá-los para alguém", explicou à Agência Efe a professora da Universidade Paris-Dauphine. As páginas do estudo, carregadas de lembranças, questionários e notas históricas, reforçam o famoso aforismo de Benjamin: "O colecionador possui o objeto do mesmo modo que este possui o colecionador". Benjamin, que sonhava com bibliotecas, nunca conseguiu formar a sua. Judeu e marxista, o pensador precisou se separar várias vezes dos livros que lhe acompanhavam a cada vez que abandonava um país por conta da instauração do totalitarismo na Europa. Seus pertences deviam se limitar à mala que conservou até seu opaco desaparecimento na aldeia catalã de Portbou, em 1940. Com pleno conhecimento, Benjamin tinha consolidado o conceito de pertinência e, sem saber, o amor pelos objetos. Contudo, ressalta o relatório, a acumulação antecede o alemão. Viver rodeado de objetos servia para ostentar riqueza em um século XVIII que inventou a intimidade e, com ela, a propriedade privada. Depois, surgiu uma mobília destinada a guarda-la: penteadeiras, cômodas e baús. Era o reinado da caixa. "Apesar de o acúmulo continuar sendo um sinal de poder, sua visibilidade já não é a mesma", comentou Valérie, que revela como hoje as classes privilegiadas preferem os interiores amplos e limpos ante os abarrotados apartamentos da classe média. Os objetos, como os brinquedos de "Toy Story", podem presumir vida própria, já que relatam a "biografia de seus donos". E estes últimos se parecem entre si. Neste sentido, o perfil do acumulador médio aponta tanto aos menores de 35 anos quanto aos aposentados, às mulheres frente aos homens, ao mesmo tempo que confirma as intuições da analista: os diretores acumulam menos do que seus empregados. Trata-se de uma "circulação inesgotável de objetos" encorajada por plataformas como o eBay e sustentada pelo aumento da locais de armazenagem, os antiquários e, contra toda previsão, a difusão da economia sustentável e a reciclagem. Ou seja, também acumulamos para ser mais eficientes. "A segunda mão comporta um ato de compra muito gratificante", disse a pesquisadora, que descreve um comprador que adquire não só objeto em questão, como seu passado e o universo ao qual fez parte. Parecia que a cultura digital acabaria com os problemas de espaço, mas então reapareceram os discos, as coleções de filmes, e as pessoas passaram a imprimir álbuns de suas fotos do Facebook. "Precisamos de segurança que nos permita trocar", concluiu Valérie para confirmar uma tara que está a ponto de se tornar um drama universal: "A dificuldade de se desfazer das coisas". EFE cap/cdr/rsd (foto)

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