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PF: Memorial da Anistia teve desde documento falso a desvio de bolsas

Onze pessoas, incluindo parte da cúpula da UFMG nas últimas gestões, são investigadas por irregularidades nas obras e na pesquisa sobre museu

Minas Gerais|Lucas Pavanelli, do R7

Local onde seria instalado o Memorial tem cara de canteiro de obras abandonado
Local onde seria instalado o Memorial tem cara de canteiro de obras abandonado Local onde seria instalado o Memorial tem cara de canteiro de obras abandonado

Quem passa pelo cruzamento da rua Carangola com Primavera, no bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte, vê, ainda, um canteiro de obras. Um edifício histórico, que deveria abrigar uma exposição de longa duração sobre o período de repressão no Brasil, está escorado. Um prédio anexo, que seria a sede administrativa do Memorial da Anistia Política do Brasil, está inacabado. 

Localizado ao lado de uma escola infantil da Prefeitura de Belo Horizonte e atrás da Secretaria Municipal de Educação, o local ainda mantém grama alta, materiais de construção empilhados e a estrutura de um canteiro de obras. O projeto do Memorial comemora 10 anos em 2019, sem nunca ter se materializado e no centro de uma investigação policial. 

Na última semana, a Polícia Federal indiciou 11 pessoas por fraudes na construção e implementação do projeto do Memorial da Anistia Política do Brasil. Segundo inquérito, que a reportagem teve acesso, há indícios de uma série de irregularidades, como aumento do custo da obra, falsificação de documentos e de prestação de contas, e até mesmo desvio de bolsas de estudo de estagiários e pesquisadores. 

Dentre os indiciados estão a reitora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Sandra Regina Goulart de Almeida, o ex-reitor Jaime Arturo Ramírez, duas ex-vice-reitoras Rocksane de Carvalho Norton e Heloisa Starling, além de gestores da Fundep (Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa) da UFMG, coordenadores e um bolsista do Projeto República, coordenado por Starling.

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Os 11 indiciados respondem a acusações de associação criminosa, uso de documentos ideologicamente falsos, desvio de verba pública, concussão, estelionato e prevaricação. 

Desvio de bolsas

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Segundo as investigações da Polícia Federal, uma das supostas irregularidades constatadas tem a ver com desvios de parte das bolsas pagas a pesquisadores e estagiários do Projeto República, núcleo de pesquisa, documentação e memória, vinculado ao Departamento de História da UFMG, vinculado ao Memorial da Anistia Política do Brasil. 

Conforme a PF, bolsistas repassavam “de forma voluntária ou impositiva” a dois coordenadores temáticos do projeto, parte de suas bolsas. O órgão também apurou que pagamentos de bolsas do Projeto Memorial da Anistia do Brasil foram endereçados para “realização de outras pesquisas e atividades estranhas ao projeto”.

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No processo, constam os resultados de quebras de sigilo bancário e telefônico de diversos investigados. De acordo com a Polícia Federal, os membros e pesquisadores do Projeto República realizaram transações financeiras para compensar o fato de que não existia diferença no valor das bolsas de coordenadores e pesquisadores e, dessa forma, garantir critério mais justo de remuneração para cargos diferentes.

“Como forma de remunerar os coordenadores temáticos, havia no âmbito do Projeto República a prática de uma solução irregular: o repasse de parte das bolsas recebidas de pesquisadores para os coordenadores temáticos”, afirma a PF.

Dos R$ 743 mil repassados pela Fundep aos colaboradores do projeto, cerca de R$ 81 mil foram direcionados às contas de dois coordenadores temáticos, que também exerciam funções administrativa e financeira, segundo a PF.

Em uma conversa interceptada pela Polícia Federal, a professora Heloisa Starling, coordenadora do Projeto República, teria comentado com um dos coordenadores que esperava que ele botasse “dinheiro na minha conta” após o projeto firmar convênio com uma estatal no valor de R$ 150 mil.

Em outra passagem, um dos coordenadores enviou um e-mail para todos os colaboradores alertando que a Fundep havia depositado, de forma errônea, valores superiores aos das bolsas de todos os integrantes.

Como solução, ele se propôs a receber os valores para que pudessem ser devolvidos à Fundação. No entanto, parte desse valor foi usado para pagar o aluguel de uma máquina de digitalização de documentos, utilizada pelo Projeto República.

A reportagem tentou contato com a professora Heloisa Starling, que não respondeu aos nossos questionamentos até o fechamento desta matéria. Em depoimento à Polícia Federal, a coordenadora do Projeto República disse que ela é responsável pela coordenação de diversos projetos e que cada colaborador só tem direito a receber uma única bolsa, independentemente do número de pesquisas que realiza, e que, dessa forma, as bolsas podem ser alocadas em qualquer um dos projetos sob a coordenação acadêmica dela.

O trabalho de pesquisa do Projeto República foi concluído em 2013 e, conforme seus organizadores, seus resultados foram entregues em um HD externo para a vice-reitoria da UFMG, que o repassou para o Ministério da Justiça. Segundo o que a professora Heloisa Starling repassou à PF, foram produzidas 3,7 mil imagens, 1.384 páginas de documentos impressos, 514 documentos sonoros, mais de 10 horas de áudio, 23 horas de vídeo, além de verbetes, papers e obras. 

Outras irregularidades

Sem reforma, Coleginho permanece escorado
Sem reforma, Coleginho permanece escorado Sem reforma, Coleginho permanece escorado

A Polícia Federal ainda apontou outras supostas irregularidades, como o financiamento de um outro projeto (Rede Latino-Americana de Justiça de Transição) com recursos do Memorial da Anistia Política. Também teria havido uma tentativa de a instituição “ludibriar” o Ministério da Justiça por meio da realização de uma exposição temporária, o que não estaria previsto no contrato, mas que a UFMG teria feito mesmo sem o aval da pasta.

Segundo a PF, isso ocorreu porque a universidade não poderia mais prorrogar o contrato com a Fundep e a exposição de longa duração não poderia ser feita devido a instabilidades no Coleginho, que não passou por obras de restauração.

Em contato com a reportagem, a reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goulart de Almeida, disse que não poderia comentar sobre o processo, que tramita em segredo de justiça.

— Sempre tivemos respeito pelas apurações e buscamos contribuir da melhor maneira possível, mesmo tendo questionamento e críticas aos procedimentos adotados. Fui surpreendida com as notícias. Minha posição, enquanto reitora da UFMG é que temos que ser firmes contra qualquer conduta abusiva e que atente contra minha honra, minha história de vida e da instituição. A universidade é digna, séria e sempre primou pelo interesse público.

Memorial

O Memorial da Anistia Política do Brasil foi criado pelo Ministério da Justiça, por meio de uma portaria assinada ainda em maio de 2008, para preservar e difundir a memória política dos períodos de repressão, tratada durante a atuação da Comissão da Anistia da pasta.

Um ano depois o ministério assinou um convênio com a UFMG para implantar a sede do Memorial, desenvolver e realizar as reformas necessárias, adaptar e construir as instalações necessárias para a obra no Coleginho, onde funcionou a antiga sede da Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) da UFMG.

Em 2010, ficou decidido que o Memorial da Anistia Política do Brasil contaria com uma exposição de longa duração de caráter museográfico aberto à visitação pública, algo que nunca chegou a ocorrer. A professora do Departamento de História da Universidade, Heloisa Starling foi escolhida como membro do Comitê Curador da exposição.

A Polícia Federal também levantou o que seriam supostas irregularidades com relação ao uso da verba destinada ao convênio. O Termo de Compromisso assinado entre a UFMG e o Ministério da Justiça, em 2009, previa destinação de pouco mais de R$ 5 milhões para o projeto. Até 2015, foram assinados seis aditivos ao convênio, tanto para prorrogação do prazo como para aumento nos repasses, que passaram a R$ 28,8 milhões, dos quais pouco mais de R$ 15 milhões foram, efetivamente pagos.

Conforme a Polícia Federal, “mais de R$ 15 milhões de recursos públicos foram empregados ao longo de oito anos sem, contudo, haver qualquer resultado aparente acessível ao público, mas tão somente a construção inacabada do que seria o edifício administrativo”.

Futuro

Com obras inacabadas do prédio administrativo e o antigo Coleginho ainda escorado no canteiro de obras, a estrutura onde seria instalado o Memorial da Anistia Política do Brasil ainda não tem uma destinação. Em agosto, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, visitou o local e disse que o Governo Federal precisa "dar um destino" à obra.

"A obra é muito boa, muito bem construída, mas não está acabada e, do jeito que está, não pode ficar. Precisamos dar um destino a ela”, afirmou a ministra, negando que a intenção do Executivo Federal seja finalizar a construção do Memorial.

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