Desaparecimento de Santiago Maldonado causou repercussão
ReutersAs eleições legislativas na Argentina, neste domingo (22), colocam novamente duas posições antagonistas frente a frente. O pleito, que irá renovar metade da Câmara Federal e um terço do Senado, tem o potencial de ser uma referência mundial, dependendo do resultado.
Com a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), de 64 anos, candidata que luta por uma vaga no Senado, ela pode determinar ou não se a chamada esquerda tem força para retomar o poder em um continente cada vez mais dominado por forças conservadoras.
Pelo que se viu nas prévias, o grupo Cambiemos, do presidente Maurício Macri, deverá eleger a maioria dos candidatos nas duas casas, confirmando a popularidade do atual governo.
Nas prévias, que escolheram os candidatos, o Cambiemos venceu em 10 províncias, contra 8 obtidas pelo Partido Justicialista (peronista), três da chapa que tem o Unidade Cidadã (da candidata Cristina Kirchner) e um com forças alternativas.
Isso revela que a tendência é de que a política do atual governo receba mais um voto de confiança da população, apesar da inflação no país continuar alta (23% contra 40% em 2016), impulsionada em boa parte pelo aumento das tarifas de gás e energia.
Ainda desconfiada e em busca de um líder que inspire a sensação de proteção, a sociedade parece pender mais para as ações liberais da política de Macri. Isto significa aceitar, neste momento, a volta do capital estrangeiro (mesmo que com o aumento da dívida externa) e o discurso de que, após uma queda de 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2016, a economia está crescendo neste ano, podendo apontar uma alta de 2,7% no PIB.
O descontentamento dos movimentos sociais com o governo foi ampliado e pode ter impactos eleitorais principalmente após o desaparecimento de Santiago Maldonado, manifestante visto pela última vez no último dia 1 de agosto, quando participava de protesto em apoio aos índios mapuche no sul do país, reprimido pela polícia militar argentina (chamada de gendarmeria).
O corpo dele, encontrado no rio Chubut, na mesma região dos protestos, foi reconhecido pelo irmão, Sérgio Maldonado, na sexta-feira (20). O governo de Macri foi acusado de não se esforçar nas buscas, o que poderia prejudicar o Cambiemos nas eleições, favorecendo grupos opositores como o de Cristina.
A situação remeteu ao desaparecimento de cerca de 30 mil presos políticos durante a última ditadura militar no país (1976-1983). Trata-se de um ponto delicado, onde o discurso que defende aquela ditadura sangrenta tem se avolumado, reacendendo com intensidade a revolta das chamadas alas progressistas de esquerda, cujos representantes, que deixaram o poder, estão atualmente enfraquecidos.
Inclusive por causa de acusações de corrupção, como no caso de Cristina Kirchner. A situação se assemelha à do PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na visão da oposição ao seu partido, sua imagem passou a ser vinculada à dos políticos tradicionais, o que dilui seu discurso anterior de buscar a mudança no sistema e uma política de justiça e igualdade sociais. E que desembocou apenas em frustração, segundo os acusadores.
Antes da ditadura das décadas de 70 e 80, o peronismo foi base das diretrizes políticas e econômicas. Mas, nos últimos anos, tentando agradar todos os setores, manteve uma política errática, com aumento de tarifas mesclada com empréstimos para a exportação. Isso se verificou no governo de María Estela Martínez de Perón, a Isabelita (segunda mulher do ex-presidente Juan Domingo Perón), que assumiu a presidência em 1975 e foi deposta por golpe militar no ano seguinte.
Foi um tempo em que personalidades implodiam da noite para o dia. A eminência parda daquele tempo, José Lopez Rega (morto em 1989), chamado de O Bruxo, por ser esotérico, foi ministro do Bem-Estar Social de vários governos, inclusive o de Isabelita, tendo escolhido a maioria de seus componentes.
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Mas teve de renunciar após o plano econômico de 1975, elaborado em grande parte sob sua supervisão, que aumentou os impostos salariais e gerou uma crise econômica. Fugiu para a Espanha e, anos depois, ainda foi acusado de perseguir comunistas dentro do peronismo, no comando de um verdadeiro grupo paramilitar. Foi preso posteriormente na Argentina.
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Esta situação instável, o país parece ter superado, apesar deste flerte de alguns setores com um passado ditatorial. E, seja qual for o resultado, a nação Argentina tem dado um exemplo de que ele pode ser obtido no voto, após passar praticamente toda a sua história envolvida em golpes cruéis e governos sem estabilidade.
A única coisa é que, caso Cristina Kirchner perca para o candidato governista Esteban Bullrich (nas prévias ela venceu por 34,27% a 34,06%), poderá ver enterrada sua pretensão de retomada do poder. Ela, neste caso, seria uma nova exilada. Mas, antes que pensem o pior, do tipo eleitoral. Nas urnas.
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Bem diferente de Isabelita, que, após prisão domiciliar em Neuquén, foi libertada pela ditadura em 1981 e se exilou na Espanha, onde mora até hoje, aos 86 anos. Indultada, ela até poderia votar, uma palavra que, finalmente, tem ficado cada vez mais forte na democracia argentina.
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