Há um jeito Jorge Mautner de fazer música, sem amarras e satisfações a dar. Premissas que dão ao seu recente álbum de inéditas - o último deles foi em 2006 com "Revirão" - “Não Há Abismo em Que o Brasil Caiba” o tom reflexivo (e necessário) para o momento atual de um país cambaleante cultural e socialmente e que é discorrido em cada uma das catorze faixas do disco pensado pelo cantor, compositor e escritor brasileiro.
Lançado em CD pela gravadora Deck e em vinil pela Noize Record Club, Mautner contou com a parceria de Ana Claudia Lomelino, Bem Gil, Bruno di Lullo e Rafael Rocha, integrantes da banda Tono que já o acompanham há algum tempo e deram ao disco arranjos que abraçam a proposta do artista carioca de esbanjar disposição em 'provocar' encantando em rimas e versos, a exemplo das faixas "Marielle Franco" - feita por ele, para ela, na ocasião de seu assassinato, em 2018 - ou em"Bang Bang" e no rock "Oy Vey, Oy Vey".
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A propósito dos gêneros e sonoridades de “Não Há Abismo em Que o Brasil Caiba”, há mesmo um mundo de possibilidades dentro do álbum. Desde sempre, aliás, mais precisamente a partir de "Para Iluminar a Cidade" (1972), seguido por "Jorge Mautner" (1974) e o seu "Maracatu Atômico", as habilidades para cantar e contar histórias musicadas fragmentadas por sonoridades diversas ficaram conhecidas.
Entre as faixas do disco novo, por exemplo, resvala-se apenas em sua voz e em seu violão em "Destino" e acompanhado dos arranjos da Tono em "Bloco da Preta Gil", ele exalta o frevo da Bahia, que também é de Pernambuco, e chega ao samba em "Diabo" e em "Segredo", está última com levadas de maracatu.
O fato é que, ao longo de décadas alternando entre escritos e música e desde o seu último álbum de 2006, Jorge Mautner desnudou todas as suas faces e presenteou aos ouvidos atentos, o extremo de uma sociedade à beira (quase dentro) do abismo ao mesmo tempo em que floresce de sorrisos as mesmas audições quando engata esperanças, sempre presentes em sua trajetória de composições. Delicado e ao mesmo tempo rígido com o que quer dizer, o carioca que chegou ao Brasil fugindo do Holocausto, se tornou uma espécie de luz em fins de túneis, para qualquer ocasião de um fim de tarde reflexivo e de respiros fundos (e leves).