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Casa de Anne Frank realça valores humanos no Dia do Holocausto

Entidade mostra os perigos da discriminação, em um momento que, segundo pesquisa, barbáries da Segunda Guerra começam a cair no descaso

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7

Anne Frank gostava de escrever
Anne Frank gostava de escrever Anne Frank gostava de escrever

Na rua Prinsengracht 263-267, em Amsterdã, Holanda, tradicional, de pequenos prédios de tijolos marrons, acompanhada por um canal, está encravado um sobrado. Na calçada, uma longa fila, em que pessoas agasalhadas bafejam o vapor no frio cortante, à espera de sua vez de entrar.

O cenário é o mesmo. Como um quadro, eternizando o local onde a menina Anne Frank morou, com sua família e outras pessoas, entre 1942 e 1944, clandestinamente, em dois andares adaptados do sótão. Várias reformas foram feitas, e uma nova será concluída em 2019, mas sem modificar a essência, apenas com vistas a aprimorar a infraestrutura para receber os turistas.

O homem que lutou contra nazistas e inspirou Museu do Holocausto

Após um período em que as restrições aos judeus chegaram ao ápice, após a Alemanha nazista invadir a Holanda em 1940, na Segunda Guerra, os ocupantes da casa sabiam que a clandestinidade era a única opção para evitar a morte. Toda a família de Anne era alemã, e eles haviam migrado para a Holanda para tentar fugir do nazismo.

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No Dia do Holocausto, lembrado na quinta-feira (12), o local serve como um símbolo de valores como respeito, dignidade e solidariedade, diante da escuridão da barbárie. Esse é o principal objetivo da entidade, de acordo com afirmação da porta-voz Annemarie Bekker, ao R7.

— A Casa de Anne Frank e o diário não apenas nos lembram de Anne Frank e da história de seu tempo, mas também nos convidam a refletir, aumentar nossa consciência e dar sentido aos nossos próprios tempos. O vazio da casa, a sensação de andar por ela, faz você pensar no significado da guerra. E existiu lá essa experiência, dos que foram vítimas, perpetradores, ajudantes ou espectadores. Assim, dentro do contexto histórico, a Casa de Anne Frank deixa claro aonde o antissemitismo, o racismo e a discriminação podem levar, ainda hoje.

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O local é conhecido como Anexo Secreto, onde hoje estão expostos objetos, documentos e fotos sobre a rotina da casa, de dia uma empresa em funcionamento, sem que os funcionários (com exceção dos que os ajudaram) soubessem da existência de judeus vivendo clandestinamente.

Pode-se subir pela escada íngreme e apertada, andar ainda ouvindo o ranger da madeira gasta, observando os cômodos enegrecidos pelo tempo e pela dor, em meio a alguns objetos antigos, à velha pia intacta, e a compartimentos que pareciam um labirinto.

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Ao sair, em um recinto mais arejado, com equipamentos de áudio e vídeo mais moderno, vem um alívio, mas ao mesmo tempo uma tristeza, como se algo de nós tivesse ficado preso no túnel do tempo.

Filas se formam na entrada da Casa de Anne Frank
Filas se formam na entrada da Casa de Anne Frank Filas se formam na entrada da Casa de Anne Frank

A casa virou museu em 1960 e foi o cenário no qual Anne, a partir dos 13 anos, escreveu seu famoso diário. Cheio de sonhos, de angústia, de detalhes sobre o drama que vivia, dividindo o quarto com o dentista Friedrich Pfeffer. Alimentada pelo seu desejo de escrever, para que um dia, quem sabe, não se tornasse uma escritora famosa.

Seus escritos são uma lembrança viva de tempos mórbidos, onde, mesmo em condições brutais, ela conseguiu detectar o amor, o carinho e o afeto entre os que lá viviam, como uma chama a alimentar sua esperança na humanidade.

O museu recebe cerca de um milhão de pessoas por ano. Destes, 90% vêm de fora da Holanda e 75% têm menos de trinta anos. Neste momento, é um dos poucos locais que têm conseguido impedir que a tragédia do Holocausto mergulhe na indiferença.

Perdendo o interesse

Atualmente, há essa preocupação, entre os líderes da comunidade judaica no mundo. Conforme pesquisa divulgada neste Dia do Holocausto pela Claims Conference (Conferência sobre Reivindicações Materiais Judaicas contra a Alemanha), sete em cada 10 americanos (70%) dizem que menos pessoas parecem se importar com o Holocausto do que costumavam antes.

Os dados alarmantes não param por aí. Quase um terço de todos os americanos (31%) e mais de quatro em cada 10 nascidos na chamada nova geração (41%) acreditam que menos de 6 milhões de judeus foram mortos (falam em dois milhões ou menos) durante o Holocausto.

Apenas 45% dos americanos não sabem nomear um único campo de concentração, apesar de ter havido mais de 40.000 campos de concentração e guetos na Europa durante o Holocausto. O percentual é ainda maior entre os Millennials (nascidos na nova geração, entre 18 e 34 anos).

Por outro lado, oito entre dez entrevistados (80%) dizem que é importante continuar ensinando sobre o Holocausto para que isso não aconteça novamente.

Nos Estados Unidos, segundo revelou o The New York Times, locais como a Fundação de Memória do Holocausto da Filadélfia acreditam que o testemunho é muito mais tocante do que documentários, filmes ou livros a respeito.

Por isso vem desenvolvendo técnicas interativas, como uma praça programada para abrir em outubro, em que um aplicativo mostrará aos visitante, entre outras coisas, testemunhos gravados de sobreviventes. Há inclusive maneiras deles, por esse aplicativo, darem resposta às perguntas do público.

Na Casa de Anne Frank, um dos últimos compartimentos da visita traz Otto Frank, pai de Anne e Margot, e marido de Edith, falando sobre a emoção de ter encontrado o diário, que lhe foi entregue por um dos que ajudaram a família, após ser o único do grupo a sobreviver ao campo de concentração. Otto morreu em 1980. O resto do grupo, após ser descoberto, foi enviado para esses locais, onde morreu. Inclusive Anne e Margot, em Bergen-Belsen. 

Local toca aqueles que o visitam
Local toca aqueles que o visitam Local toca aqueles que o visitam

Num depoimento amadurecido, Otto, que se casou de novo e levou a causa de Anne Frank como uma bandeira, fala de sua emoção ao conhecer o mundo da filha que, na rotina do esconderijo, lhe parecia uma criança. Ele ficou impressionado e encantado com a maturidade da menina que, de certa maneira, acabou se tornando uma escritora famosa. Diz ele mais ou menos assim, em uma lição de paternidade.

— Digo aos pais para que prestem atenção em seus filhos, entendam o quanto vocês podem não conhecê-los de verdade.

O Diário de Anne Frank foi publicado em mais de 70 idiomas e é famoso em todo o mundo. O silêncio, contrastando com barulhos distantes da rua, é a testemunha que permanece até hoje e que recebe os visitantes solenemente naquela casa.

É ele que conta a história de Anne Frank, Margot Frank, Otto Frank, Edith Frank, Friedrich Pfeffer, Herman van Pels, Auguste van Pels e o filho Peter van Pels. E lembra a bela atitude dos ajudantes Miep Gies, Jan Gies, Bep Voskuijl, Jo Kleiman e Victor Kluger, que trabalhavam na empresa, outrora pertencente a Otto, e traziam alimentos, notícias e consolo.

É algo mágico, terapêutico, transformador. Compartilhando aquele silêncio enquanto percorrem o local, os visitantes começam a perceber que nunca mais serão os mesmos. O próprio silêncio, para eles, enquanto saem pela rua, sentem o ar fresco da manhã e o cálido sol holandês, já não é mais o mesmo. Vai carregar, para sempre, algum som, que vez ou outra chegará para interrompê-lo com suavidade.

E o silêncio, então, vai sempre se lembrar de como ele era quando via o sorriso de Anne Frank, sentia a respiração dela, via seus olhos brilharem ao escrever e a interação de todos aqueles que lutavam pela vida no anexo. E como tudo ficou vazio quando eles foram embora à força.

O silêncio então, vai continuar silêncio diante das injustiças. Deixará elas sob responsabilidade dos homens. No entanto, ele será um pouco diferente. Interrompido pelo som suave. Esperançoso até. Porque ele sabe que, apesar de toda a sua discrição, ele continuará poderoso. Olhando para frente. Mas satisfeito por saber que ele nunca será esquecimento.

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