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Covid-19: como a pandemia afeta o emprego hoje e no futuro

Especialistas avaliam o impacto da pandemia nas relações de trabalho atuais e também as mudanças e desafios que virão após a quarentena

O que é que eu faço Sophia|Do R7 e Sophia Camargo

Trabalho remoto deve permanecer em algum grau após a quarentena
Trabalho remoto deve permanecer em algum grau após a quarentena Trabalho remoto deve permanecer em algum grau após a quarentena

As regras trabalhistas vêm sofrendo significativas alterações desde 2017, com a aprovação da reforma, mas a pandemia de covid-19 em todo o mundo tem acelerado as mudanças nas relações de trabalho e seu impacto deve perdurar até mesmo quando a situação voltar à normalidade.

Esta é a opinião de quatro especialistas ouvidos por esta coluna. São eles: a doutora em Direito do Trabalho Ana Virgínia Moreira Gomes, professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Adriana Calvo, autora do Manual de Direito do Trabalho e membro da comissão de Direito do Trabalho da OAB/SP, Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, professor do departamento do Direito do Trabalho da USP e Rafael Mello, advogado especializado em Direito do Trabalho sócio da Mazzucco & Mello Advogados.

A pandemia acelerou a flexibilização das regras trabalhistas que já vinha acontecendo e até mesmo precarizou as relações de trabalho no Brasil, opinam os especialistas.

“Do ponto de vista jurídico, o que a covid-19 introduziu no Brasil foi uma severíssima precarização das condições de trabalho, uma grande retirada de direitos do empregado em relação ao empregador. Os esforços para preservar empregos foram tímidos, os esforços para cobrir as perdas salariais foram tímidos e os esforços para proteger os não empregados foram feitos por um processo burocrático feito por quem não conhece as necessidades e características dessa população”, afirma Freitas Júnior.

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Em todo o mundo, diversos países adotaram regras para lidar com o problema de conjugar uma quarentena que impede as pessoas de saírem para o trabalho a fim de evitar a propagação em massa do coronavírus e a consequente superlotação de hospitais com a diminuição ou completa falta de renda que isso ocasiona.

O diretor da OMS (Organização Mundial da Saúde), o etíope Tedros Adhanom, tem dito com frequência que é preciso que os governos deem especial atenção à população mais vulnerável economicamente. "É preciso pôr dinheiro na mão de mais pobres para vencer covid-19", disse. 

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No Brasil, após decretar estado de calamidade pública, o governo adotou as medidas provisórias 927, 936 e 946, que instituíram uma série de alterações nas regras trabalhistas durante a pandemia do covid-19.

Eis um resumo delas, elaborado pelo advogado Rafael Mello, da Mazzucco & Mello Advogados):

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TELETRABALHO (home office)

Como era: Contrato de trabalho específico

Como ficou durante o período da pandemia: Condição temporária e independente de acordo individual ou coletivo

FÉRIAS

Como era: Aviso com 30 dias de antecedência e pagamento no momento da concessão das férias

Como ficou durante o período da pandemia: Aviso com 48 horas de antecedência e pagamento no 5ª dia útil do mês subsequente à concessão das férias

FÉRIAS COLETIVAS

Como era: Aviso com 30 dias de antecedência e pagamento no momento da concessão das férias com comunicação prévia ao Ministério do Trabalho e Sindicato 

Como ficou durante o período da pandemia: Aviso com 48 horas de antecedência e pagamento no 5ª dia útil do mês subsequente à concessão das férias dispensada a comunicação prévia ao Ministério do Trabalho e Sindicato

FERIADOS

Como era: Folga no dia do feriado

Como ficou durante o período da pandemia: Antecipação do feriado para folga imediata e futuramente trabalha no feriado que foi antecipado

BANCO DE HORAS

Como era: Mediante acordo escrito e coletivo

Como ficou durante o período da pandemia: Mediante acordo individual e possibilita banco de horas em favor do empregado (tradicional) e do empregador (banco negativo de horas, ou seja, o empregado fica devendo horas de trabalho ao patrão)

FGTS

Como era: Recolhimento mensal

Como ficou durante o período da pandemia: Diferimento das competências de março, abril e maio (não pagamento) para recolhimento em até 6 parcelas a partir de julho

REDUÇÃO DE SALÁRIO

Como era: Regra geral, não permitido a não ser com redução de jornada e mediante acordo com sindicato

Como ficou durante o período da pandemia: Redução proporcional de jornada e salário através de acordo individual ou coletivo (com sindicato) pode ser ajustada a redução da jornada em 25%, 50% ou 70% com respectiva e proporcional redução do salário. Governo concederá aos empregados 25%, 50% ou 70% do valor do seguro-desemprego respectivamente ao percentual de redução de jornada/salário.

• A aplicação das medidas de contenção de crise previstas na MP 936/2020 acarreta, como contrapartida ao empregado e que independe de negociação, a garantia provisória de seu emprego após o término da suspensão do contrato de trabalho ou da redução de jornada e salário pelo mesmo prazo que perdurou a medida restritiva.

SUSPENSÃO DO CONTRATO

Como era: Mediante acordo com sindicato e fornecimento de curso de formação

Como ficou durante o período da pandemia: a MP 936/2020 permite a suspensão do contrato de trabalho por um prazo máximo de 60 dias (layoff) que pode ser fracionado em até dois períodos de 30 dias. Durantte o layoff, a empresa com receita bruta até 4,8 milhões de reais pode optar em pagar uma ajuda de custo ao empregado com natureza indenizatória (não tem natureza salarial, e a empresa com receita bruta superior a 4,8 milhões de reais está obrigada a pagar uma ajuda de custo ao empregado equivalente a 30% do seus salário e tal valor terá natureza indenizatória (não tem natureza salarial).

• A aplicação das medidas de contenção de crise previstas na MP 936/2020 acarreta, como contrapartida ao empregado e que independe de negociação, a garantia provisória de seu emprego após o término da suspensão do contrato de trabalho ou da redução de jornada e salário pelo mesmo prazo que perdurou a medida restritiva.

Menos proteção aos trabalhadores

Para o professor Freitas Jr., essas medidas mostram que o Brasil reagiu de maneira parcimoniosa em relação à cobertura da perda salarial dos trabalhadores. “Países que não são muito ricos, como a Argentina, por exemplo, asseguraram a cobertura integral dos salários durante o tempo de isolamento social isso com relação aos trabalhadores ocupados.

"A maioria dos países europeus garantiu proteção contra demissões. Aqui no Brasil só houve garantia de emprego para os casos em que os contratos de trabalho fossem suspensos ou o salário reduzido. E com relação aos trabalhadores informais o governo estabeleceu um procedimento tão burocrático de ajuda (auxílio emergencial) que tornou a operação de pagar e as condições de receber extremamente difíceis e o que é mais sério, arriscada para a saúde dos trabalhadores na medida em que tiveram de se expor a filas e aglomerações para obtenção dos documentos", diz.

7 possíveis efeitos da pandemia nas relações de trabalho futuras

Para a doutora em Direito do Trabalho Ana Virgínia Moreira Gomes, a doença antecipou mudanças que ainda levariam tempo para chegar ao mercado de trabalho e escancarou problemas que precisam de solução. São eles:

1) Uso acentuado de tecnologias para trabalho à distância

De um dia para o outro tivemos de começar a ter aulas online, trabalhar de casa, fazer reuniões e entregar o trabalho de forma remota, e isso vai gerar consequências. As empresas vão realmente começar a incluir esse tipo de tecnologia no trabalho. Todas essas atividades que podem não ser feitas de uma forma presencial que a empresa começou a desenvolver esses meios de comunicação remota ou treinar todo mundo para usar isso com certeza vai permanecer em algum grau.

2) Necessidade de limitação de horas e direito à desconexão

Hoje observamos que as pessoas estão trabalhando ainda mais de casa sem remuneração extra por isso, porque o contrato de teletrabalho impede o pagamento de horas extras. Porém as pessoas continuam trabalhando, sendo exigidas, recebem mensagens, são cobradas. Isso irá gerar a necessidade de regular o direito à desconexão, que já existe, mas que se se mostra mais necessário agora.

3) Divisão digital como forma de desigualdade social

A possibilidade de trabalhar de casa com uso de tecnologia mostra uma nova forma de desigualdade. Nem todos os empregados têm acesso a um computador de qualidade e nem todos sabem usar as tecnologias. A pobreza tecnológica vai deixar algumas pessoas ainda mais para trás no mercado de trabalho.

4) Risco de aumento de preconceito

A covid-19 pode se tornar um estigma, assim como ter HIV, hanseníase ou tuberculose, doenças que seus portadores têm receio de declarar por conta do preconceito que enfrentam. Já estamos vendo pessoas sofrendo maus tratos no transporte público por estarem vestidas como funcionários da saúde. Há uma necessidade de proteger a privacidade do trabalhador na questão da saúde. Além disso, grupos de risco como pessoas mais velhas ou doentes poderão ter ainda mais dificuldade de conseguir emprego.

5) Importância do trabalhador por plataforma

A pandemia deixou ainda mais clara a importância do trabalho por plataforma — aquele trabalhador que presta serviço para aplicativos de delivery ou transporte. Eles são trabalhadores essenciais, estão na rua se arriscando e não têm quase nenhum direito. "Esses trabalhadores poderão aproveitar esse momento em que está se mostrando a importância do trabalho deles para obter mais direitos. Essas empresas estão ganhando muito dinheiro na pandemia, mas são os trabalhadores que estão lá se arriscando, é algo que precisa ser discutido", diz.

6) Prejuízo da informalidade

A pandemia escancarou um problema que muitas vezes é ignorado, que é a questão da informalidade. Cerca de 40% da mão de obra do país está na informalidade, e nessa crise ficou claro que quem está nessa situação fica ainda mais sem proteção, porque há uma dificuldade em identificar e até alcançar as pessoas que estão nessa situação. Para prestar alguma assistência a eles, o governo exigiu celulares e documentos de pessoas que não têm sequer endereço, muitas vezes, como é o caso dos catadores de resíduos que vivem em situação de rua. Os informais não estão conseguindo receber o auxílio prestado por conta das exigências tecnológicas e documentais do governo.

7) Problemas de saúde mental

O confinamento dos trabalhadores pode acentuar problemas de saúde mental e essa é uma grande preocupação, pontua a advogada Adriana Calvo. "Psicólogos e psiquiatras têm notado piora nos casos de pessoas que já tinham síndrome do pânico ou Transtorno obsessivo compulsivo, por exemplo, e também o aumento de quadros de ansiedade que podem desencadear mais problemas de saúde mental.

Segundo a advogada, já há notícia de que cidades que saíram da quarentena pessoas estão apresentando síndrome do estresse pós-traumático, que é uma das piores situações que a pessoa pode enfrentar.

"As pessoas estão em casa se sentindo acuadas como se tivessem uma pistola apontada para a cabeça", diz.

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