Canal do Fundão é retrato da poluição na baía de Guanabara
Montagem / Bruna OliveiraDe protagonista na história do Rio de Janeiro a símbolo de degradação, a baía de Guanabara não tem motivos para celebrar no aniversário de 450 anos da cidade. Há mais de meio século, ela sofre com o despejo de esgoto e lixo. A despoluição da baía é uma das promessas de legado dos Jogos Olímpicos de 2016, mas as autoridades já admitem que será difícil cumprir a meta acordada. O R7 esteve no canal do Fundão, na Ilha do Fundão (zona norte), e encontrou até material hospitalar em meio à montanha de lixo e sujeira. O biólogo Mario Moscatelli, que acompanhou a visita, definiu o cenário como "uma latrina" (assista abaixo a reportagem em vídeo).
O problema ambiental está ligado à deficiência da política de saneamento básico do Estado. Segundo Moscatelli, a principal fonte de poluição é o esgoto não tratado lançado diretamente na baía e nos rios que deságuam nela.
— Dos 44 rios que chegam até a baía, 40 estão mortos. A maior estação de tratamento de esgoto, a Alegria, funciona pela metade. E a de São Gonçalo nunca funcionou.
Menos da metade (49,2 %) dos domicílios do Estado do Rio são atendidos por rede geral coletora de esgoto, segundo a pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Na última terça-feira (24), quando encontrou com integrantes do COI (Comitê Olímpico Internacional), o governador Luiz Fernando Pezão afirmou que “se não tratarmos o esgoto da região metropolitana, não teremos a baía de Guanabara despoluída”.
O Plano Guanabara Limpa, do governo estadual, reúne nove projetos que têm como objetivo a despoluição da baía. As ações englobam desde o programa de saneamento ambiental dos municípios ao reflorestamento no entorno da baía. Outra medida é a revitalização do canal do Fundão, área de mangue, responsável pela manutenção da biodiversidade da baía.
De acordo com o site do Plano Guanabara Limpa, a recuperação do canal do Fundão foi concluída em 2012. Porém, a reportagem do R7 esteve no local e flagrou um cenário de total abandono. Em meio à montanha de lixo, é possível encontrar brinquedos, colchão e até seringa.
Moscatelli participou da recuperação do canal, numa iniciativa da Secretaria Estadual do Ambiente, entre 2010 e 2012. Porém, o biólogo explicou que o trabalho de manutenção não foi feito e a área voltou a ser uma “latrina”. Para ele, a despoluição da baía de Guanabara não acontece em razão da descontinuidade dos projetos.
— Não falta dinheiro. Falta gestão. O grande problema é que o político trabalha com um horizonte de poder de quatro a oito anos. O trabalho de recuperação ambiental envolve um trabalho de 20 a 30 anos. É um casamento que o gestor tem que assumir diante de um parceiro degradado.
Jogos de 2016
A despoluição da baía de Guanabara não é um problema novo, mas a necessidade de solução se tornou urgente com a proximidade dos Jogos Olímpicos de 2016. O Rio de Janeiro assumiu o compromisso com o COI de sanear 80% da baía. Porém, o governador Pezão admitiu que o índice está em 49% e não será fácil alcançar a meta a tempo da Olimpíada.
— Estamos fazendo todos os esforços para preparar a baía de Guanabara. Vamos perseguir obstinadamente os 80% do tratamento de esgoto combinados com o COI.
Para Moscatelli, as ações implementadas para a despoluição da baía não têm gerado melhorias na prática, inclusive, na Marina da Glória, onde serão disputadas as provas de vela nos Jogos de 2016.
— Qualquer atleta que mergulhar hoje ali está arriscado a pegar uma hepatite ou gastroenterite, porque as galerias de água pluviais naquele local, em vez de despejarem água da chuva, despejam esgoto 24 horas por dia. A Cedae [companhia de águas e esgoto do Rio] prometeu entregar uma obra que vai solucionar até agosto. Uma promessa a ser checada com essa empresa que não é de cumprir prazos.
A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto) informou que as obras para instalação da chamada galeria de cintura, que vai retirar o lançamento de esgotos na Marina da Glória, estão em fase de licitação. A previsão é de que obra seja concluída neste ano. No entanto, a companhia afirma que os locais de provas olímpicas no espelho d’água da baía, conhecidos como raias, estão já liberados e aptos a competições.
Baía histórica: ontem e hoje
A baía de Guanabara tem um papel de protagonista na história do Rio. Afinal, em 1565, Estácio de Sá fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro após expulsar os franceses, que haviam se instalado estrategicamente na entrada da baía, sem o consentimento da coroa portuguesa. Segundo o historiador Milton Teixeira, os invasores chegaram dez anos antes com objetivo de levar o pau-brasil.
Hoje, a baía de Guanabara é sinônimo de degradação. Porém, Teixeira conta que o cenário era completamente diferente há 450 anos.
— Em 1502, em viagem de navegação, Américo Vespúcio chamou o Corcovado de Pináculo da Tentação. Segundo a Bíblia, Pináculo é o monte que Cristo foi levado para ser tentado com os pecados do mundo pelo demônio. Os visitantes descreviam a paisagem como formosa, pintada com as cores de Deus. A água era límpida e tinha baleias e botos.
O historiador destaca que a baía teve papel central na formação da cidade.
— Os prédios mais antigos são orientados para a baía de Guanabara. As construções respeitavam essa tradição. Até o início do século 20, só se tinha acesso à cidade pela baía. Então, acho que tem um sentindo especial quando o Rio é visto deste ângulo, dentro da baía.