"Eles viram que a gente era criança, eles poderiam ter entrado que a gente não ia fazer nada", diz uma adolescente que testemunhou e sobreviveu à operação policial que levou à morte do amigo João Pedro, de 14 anos, há exatamente um ano, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Em entrevista exclusiva ao Jornal da Record, ela descreve os momentos de tensão. "Foram três tiros na parede do meu lado. Escutei o João gritar: 'Ai, pelo amor de Deus'".
Policiais invadiram a casa onde João Pedro e alguns amigos estavam se divertindo. Foram mais de 70 disparos. "A gente começou a jogar sinuca e já começou a escutar o barulho da operação. Eles olharam pra gente, a gente não sabia o que fazer. Falei 'por favor, não atira'. Mas assim que eu fiz isso, a granada caiu no chão, estourou", conta a jovem.
O caso provocou uma decisão inédita: o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que operações policiais em comunidades fossem suspensas durante a pandemia. Com isso, o número de mortes caiu mais de 70% nos meses seguintes.
"A conclusão é que a medida do Supremo foi a medida mais eficaz para controlar a violência policial até hoje na história do Rio de Janeiro", diz a cientista social Silvia Ramos.
As investigações estão em andamento. O Ministério Público Federal reabriu o caso nesta segunda-feira (17). A polícia ouviu amigos de João e policiais, recolheu armas para perícia e fez reprodução simulada. Mas, nenhum desses laudos que seriam decisivos para a conclusão do inquérito ficou pronto. Nos últimos seis meses não houve novos depoimentos. E os policiais que atiraram trabalham normalmente. Até agora, ninguém foi responsabilizado.
"Ninguém nos procurou pra dar satisfação nenhuma. Nada que aliviasse um pouco, que desse uma segurança pra gente", diz Rafaela Coutinho de Matos Pinto, mãe de João Pedro. O pai do menino, Neilton Mattos, cobra respostas. "Nossa luta, a sede por justiça, ela é diária. E enquanto ficar nesse chove não molha assim, a angústia vai nos matando".
A casa onde o adolescente foi assassinado pertence à tia dele, Denize Roza de Matos Pinto, e foi alugada. "O dia que eu estava tapando aqueles buracos, eu só lembrava, 'meu Deus, o meu filho tava aqui', sabe? Eu choro porque ele era meu sobrinho, eu sinto muita falta".
Para o especialista em segurança pública Paulo Storani, a tensão em territórios controlados por facções criminosas pode afetar o resultado de uma operação. "O policial quando entra numa situação dessa, espera sempre o pior e isso eleva o nível de tensão e isso acaba interferindo numa avaliação do cenário", diz.