A mortandade atípica de mais de 170 botos-cinza (Sotalia guianensis) na região das baías de Ilha Grande e de Sepetiba, no Rio de Janeiro, tem como causa principal um surto da doença conhecida como morbilivirose dos cetáceos. As mortes começaram no fim de novembro de 2017. A conclusão está no segundo boletim técnico dos laboratórios de Maqua/Uerj (Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e do Lapcom/FMVZ-USP (Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo).
O boletim destacou que o morbilivírus é um gênero da família Paramyxoviridae. Algumas das suas espécies já foram estudadas por causar doenças conhecidas, como sarampo em humanos, cinomose em cães e focas e peste de pequenos ruminantes como cabras e ovelhas. Recentemente, o morbilivírus foi associado à doença renal em gatos. Nos cetáceos, ele atinge botos, golfinhos e baleias.
Segundo o pesquisador e veterinário do Maqua Elitieri Neto, o vírus que atacou os golfinhos pode ter sido introduzido por outra espécie de cetáceo que não o boto-cinza e que também vive nas baías de Sepetiba e Ilha Grande. “A baía de Ilha Grande recebe muitas espécies oceânicas de hábitos costeiros e com isso a interação entre cetáceos de diferentes espécies ocorre bastante. Então é uma hipótese para a introdução desse vírus”, disse Neto à Agência Brasil.
Conforme o veterinário, os vírus dessa família não costumam ser transmitidos de animais para humanos, porque cada um tem seu grupo próprio de hospedeiros. “Os Paramyxovírus são hospedeiros específicos. Cada grupo tem o seu vírus específico. Não foi registrado ainda um grupo infectando outro bem diferente, como passar do humano para o golfinho e vice-versa, ou do golfinho para o peixe. Não tem registro na literatura que este tipo de vírus possa causar interação com humanos. Na biologia não existe nada garantido. Mas, pelo menos até agora, não se tem registro ”, revelou à Agência Brasil.
Segundo o pesquisador, o morbilivírus dos cetáceos já causou surtos de mortalidade na Austrália, no Atlântico Norte e no Mediterrâneo em outras espécies de golfinhos, mas essa é a primeira vez que ocorre na América do Sul. “Em 2014, uma pesquisadora da USP observou este vírus em um boto que encalhou no litoral do Espírito Santo, ou seja, ele já estava, de certa forma, em alguns cetáceos na costa brasileira, só que é a primeira vez que causa um evento de mortalidade em massa”, contou.
Elitieri Neto disse que a continuidade da ocorrência de mortes é “extremamente preocupante” para a preservação desses animais, uma vez que em outras populações de cetáceos já se verificou a baixa de até 70% no número de animais. “Para a conservação da espécie, isso é crítico. Uma população pequena em uma baía que já tem diversos outros impactos, onde já havia uma elevada mortalidade, pode sofrer um impacto extremamente negativo. É bom deixar claro que este surto iniciou-se na baía de Ilha Grande, que fica ao lado da baía de Sepetiba e depois de alastrou”, indicou.
Conforme a rede de contatos de pesquisadores em todo o Brasil, não há registros, até agora, de surto semelhante em outras partes do país, mas, segundo o pesquisador, não se pode descartar a possibilidade disso acontecer.
O veterinário destacou que não há uma maneira de proteger os golfinhos dos vírus. Segundo ele, o tratamento para vírus, normalmente, é feito no ataque aos sintomas ou por meio de vacinas, mas não se pode pegar o animal que é muito sensível à captura.
“Se for capturar para tratar os sintomas, provavelmente, ele vai morrer na captura. Vacina para este vírus não existe. O que dá para fazer é monitorar os animais e tentar diminuir as outras fontes de estresse para ele, que seriam o trânsito de embarcações, evitar que eles se aproximem de outros grupos de cetáceos. De forma objetiva, o que dá para fazer, é deixar os animais tranquilos para eles conseguirem responder imunologicamente contra este vírus”, completou.