Mesmo com protocolos sendo seguidos, governo proibiu celebrações com presença de público
RODOLFO BUHRER/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDOApós passar 28 dias sob as regras da etapa emergencial do Plano São Paulo, o estado voltará à fase vermelha na próxima segunda-feira (12). No entanto, a gestão Doria mudou algumas das restrições estabelecidas anteriormente na etapa vermelha. A presença de público em celebrações religiosas, que havia sido permitida em decreto assinado pelo próprio governador em março, agora está proibida.
Questionado sobre a mudança, o governo disse que tomou a decisão respaldado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que ontem determinou que estados e municípios podem proibir cultos e missas com público.
A decisão causou discórdia entre deputados paulistas, principalmente porque o governo liberou a volta das partidas de futebol. "Lamentável isso que está acontecendo no estado de São Paulo. Permitir que o futebol retorne, que tem pelo menos mil pessoas, envolvendo jogadores, comissão técnica, jornalistas, seguranças, etc. Mas a igreja, com 25% da capacidade e seguindo todos os protocolos, não pode", disse o deputado estadual Carlos Cezar (PSB), coordenador da Frente Parlamentar Evangélica da Alesp.
Além do futebol, Cezar destacou ainda a lotação do transporte público como outra contradição do governo. Reportagem do R7 nesta semana mostrou que houve redução da frota mesmo durante a fase emergencial no estado e que passageiros continuam aglomerados, em pé, sem qualquer respeito ao distanciamento social no transporte público na capital paulista.
Segundo o SPUrbanuss (Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo), antes da pandemia, 3,3 milhões de passageiros eram transportados nos ônibus ao dia. Hoje o número é de 1,9 milhão, cerca de 60% da demanda.
"Vejo isso como uma discriminação, um cerceamento das pessoas. Ninguém nega nada, a gente sabe que a doença é grave, mas se permite pessoas nos aviões, ônibus, os supermercados estão lotados, assim como casas lotéricas, mas irem para uma igreja cultuar a Deus com todos protocolos não é permitido. Isso realmente é lamentável. Vejo com muita decepção, até porque, mesmo na fase vermelha, alguns setores são privilegiados", afirma o deputado.
Para o deputado estadual Major Mecca (PSL), a decisão de Doria é apenas política, porque é possível manter protocolos sanitários nas celebrações. "As casas religiosas são ambientes controlados, onde há oportunidade de limitar o número de pessoas presentes, aferição de temperatura, uso de máscara e asepsia das mãos", disse.
O parlamentar se disse a favor dos eventos religiosos por serem uma forma de consolo para a população. "Nesse momento, as pessoas encontram na igreja, na oração, um bem comum", afirmou. Ele também destaca que a proibição aos cultos fere a Constituição, que garante a liberdade religiosa no país.
O deputado estadual Wellington Moura (Republicanos) postou em uma rede social que falta diálogo entre governo e deputados. "A economia continua enfraquecida, devido aos comércios fechados, o desemprego só aumenta e o desespero das pessoas ultrapassa o limite, e é aí que se torna essencial o papel da igreja em dar o suporte espiritual", escreveu.
Para a médica Julia Barbi Melim Marques, não há risco em receber o público nas igrejas, desde que observados os protocolos sanitários, com menor número de pessoas, distanciamento e sem aglomerações. "Ir à igreja tem muito impacto na saúde emocional e no enfrentamento da pandemia", diz.
Entidades religiosas também se manifestaram. O bispo Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas (União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos), lamentou a decisão do governo do estado. “É inaceitável o que estão fazendo. Estão colocando as igrejas no meio de um jogo de interesses políticos”, disse.
Bravo reafirmou que a igreja é essencial e indispensável pelo trabalho social, emocional e humanitário que realiza. “Um trabalho, aliás, que fazemos sem a ajuda do governo.” Para o presidente da Unigrejas, o povo brasileiro está sendo atingido na alma. “Parece que querem realmente acabar com o estado, destruindo a e economia, levando as famílias à fome e roubando a fé.”
A Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) também acredita na interferência de fatores políticos. "Durante todo o ano de 2020, quando estávamos diante de um fenômeno ainda desconhecido, o governo de São Paulo publicou três decretos que nunca proibiram as atividades religiosas, apenas recomendaram cuidados. E as igrejas foram colaboradoras, tanto é que a maioria não realizou cerimônias públicas", disse o advogado Uziel Santana, presidente da entidade.
"Causa estranheza que este ano, após investimentos dos governos federal e estadual, São Paulo não só restrinja como determine a suspensão dos cultos. Acreditamos que o componente político da disputa entre os dois governos está ameaçando uma liberdade civil fundamental", finalizou Santana.