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Ataques em Botucatu refletem falta de investimento em inteligência

Para especialista e delegados, integração entre polícias e investigações deve ser priorizada para impedir ações como a de Botucatu e prender responsáveis

São Paulo|Fabíola Perez e Kaique Dalapola, do R7

Armamento apreendido em Botucatu (SP)
Armamento apreendido em Botucatu (SP) Armamento apreendido em Botucatu (SP)

Fuzis à mão. Bloqueios e monitoramento de rodovias. Bombardeios às bases da Polícia Militar. A dinâmica que possibilitou os ataques às agências bancárias na cidade de Botucatu, no interior de São Paulo, na madrugada de quinta-feira (30) expõe uma estratégia de ação conhecida por policiais civis do Estado, mas, segundo eles, difícil de se evitar.

“Não tenho dúvida de que a célula criminosa que chefia essas ações é composta pelas mesmas pessoas”, afirma o delegado titular da delegacia de homicídios de Araçatuba, Antônio Paulo Natal. Segundo ele, os assaltos organizados em municípios do interior seguem o mesmo padrão nos últimos anos. Além do ataque mais recente, em Botucatu, houve um ataque a Ourinhos em maio, em Bragança Paulista no mês passado, e há um ano aconteceu o assalto em Guararema.

Para o professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, agir em crimes como esse "requer uma integração entre as agências, que as polícias, o Ministério Público e Receita Federal troquem informações, e é preciso ter equipamentos de primeira linha para fazer interceptações telefônicas, além de policiais bem preparados e bem remunerados".

A inteligência para impedir que grandes crimes praticados por organizações criminosas, sobretudo pela facção PCC (Primeiro Comando da Capital), está centralizada no Ministério Público da região de Presidente Prudente, conta o senador Major Olímpio, que atuou por 29 anos como policial militar no Estado de São Paulo.

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Detentos apontados como principais lideranças do PCC estão em presídios do Oeste do Estado. As principais investigações sobre crimes possivelmente cometidas pelo grupo também. Mas não necessariamente as ações devem ser relacionadas ao grupo, afirma Olímpio. "Dizer que todos esses assaltos foram cometidos pelo PCC é só chute, palpites, porque investigação mesmo para apontar isso não existe", diz.

O senador afirma que, assim como pessoas presas apontadas como lideranças do PCC estão no Oeste do Estado, as principais investigações sobre crimes possivelmente cometidas pelo grupo criminoso também se concentram na região. "Dizer que todos esses assaltos foram cometidos pelo PCC é só chute, palpites, porque investigação mesmo para apontar isso não existe", diz o senador.

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'Trabalho que leva tempo'

De acordo com o delegado Natal, que chefiou a operação Homem de Ferro na cidade de Araçatuba, a 518 quilômetros de São Paulo, os roubos ocorrem normalmente na primeira semana do mês, em feriados prolongados ou de domingo para segunda-feira.

“O elemento surpresa costuma ser o ataque a base da Polícia Militar, que dependendo da cidade tem, em média, entre 10 e 20 policiais”, diz. A operação prendeu 22 pessoas suspeitas de participar do assalto a empresa de valores Protege.

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“A forma de agir desses grupos é idêntica: utilizam veículos com pisca alerta ligado, fecham pontos estratégicos das cidades e apostam em um elemento surpresa”, afirma. “São raros os casos que a polícia consegue surpreender. É preciso trabalhar com investigação e tentar identificar quem praticou o roubo. Ao mesmo tempo, não há testemunha ocular, todos estão sempre encapuzados.”

A operação para prender os suspeitos de assaltar a transportadora de valores, em 2017, foi possível, explica o delegado, por uma série de fatores. “Pegamos as impressões digitais, números de celular por meio de pedaços de chips telefônicos cortados”, afirma. Segundo ele, a investigação durou cerca de um ano. “Não é da noite para o dia que se obtém as provas, elas demoram a aparecem e são complexas”, afirma.

Um dos aspectos, de acordo com Natal, fundamentais para a operação foi o apoio da administração municipal para os policiais civis se dedicarem integralmente à investigação. “Foram 90 dias sem conseguir nada e até hoje sabemos que não prendemos todo mundo, ainda existem pessoas foragidas. É um trabalho que leva tempo.”

Uma ferramenta primordial para a investigação, acredita o delegado, é o material de DNA coletado e as impressões digitais. “Quando tem suspeitos mortos, é preciso encontrar pessoas que atuaram junto a ele”, explica. “No caso das armas utilizadas, é necessário fazer um confronto para descobrir os locais por onde o armamento passou.”

Natal afirma que a organização criminosa por trás dos assaltos voltou a praticar os ataques no último ano de forma mais frequente. “Eles fazem levantamentos, organizam a logística, simulam como vão fugir e onde ficarão escondidos”, diz. “A organização teve algumas baixas em momentos anteriores, mas acredito que se reorganizaram.”

Para o delegado, o confronto entre suspeitos e policiais militares não é o melhor caminho. “A troca de tiros em uma zona urbana pode atingir um morador, um estabelecimento”, afirma. “Tem que reforça a Polícia Militar, mas dar condições de agir junto com a inteligência da Polícia Civil para se antecipar à ação.”

Ações coordenadas

Para o delegado titular da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Bauru, também no interior de São Paulo, os lotes de explosivos encontrados em assaltos como esses é mais um dos indicativos de que se tratam de ações coordenadas pela mesma organização criminosa.

“Geralmente são explosivos desviados de pedreiras, utilizados para explodir minérios”, afirma. “Normalmente, são colocados totens de metal para a explosão acontecer remotamente, com um celular acoplado, como ocorreu no caso da Prosegur, no Paraguai.”

O delegado diz ainda que, no decorrer das investigações, percebeu a divisão em células nos ataques. “Existem os núcleos financiados que vão a campo e contratações de células vinculadas aos criminosos para dar apoio. Alguns recebem um determinado valor para vigiar um certo perímetro”, explica. “Tem indivíduos que fazem os monitoramentos, outros são encarregados pela abertura dos cofres e aqueles que buscam o comboio de veículos e das armas. Mas quem lucra mais é o núcleo que faz o financiamento da ação.”

Leia também: Buscas por criminosos continuam em Botucatu (SP) após ataques

O delegado, que atualmente chefia uma investigação sobre um assalto que ocorreu em Ourinhos, afirma que os policiais militares têm dificuldade para atuar em áreas urbanas. “Eles não podem fazer os disparos, já os criminosos não têm essa preocupação.” Para ele, a criação de batalhões da Polícia Militar não deve mudar o cenário. “O confronto não pode ser priorizado.”

Segundo ele, o governo de São Paulo deve investir nas áreas de inteligência e investigação da polícia do Estado. “Não temos pessoas suficientes para investigar algumas ações, precisamos de um incremento, mais policiais para trabalhar em uma investigação”, afirma. O principal ponto do trabalho de inteligência da polícia é, segundo ele, é preciso rastrear o destino do dinheiro roubado. “Sabemos que, provavelmente, será utilizado no tráfico ou lavado, mas é preciso fazer o rastreamento para se tentar chegar às pessoas.”

“Há uma necessidade de unificar as informações recolhidas pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, sentar à mesa e observar as coincidências, como nomes envolvidos, confrontar estojos de munições apreendidas, centralizar as perícias. Isso requer mais integração.”

Outro lado

Procurada pela reportagem, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) disse que “trabalha permanentemente para reduzir os casos de roubo a banco”. A pasta destaca as estatísticas criminais referentes ao mês de junho deste ano, que não registrou nenhum caso de roubo a banco no Estado.

Segundo a secretaria, o trabalho integrado da Polícia Militar com a Polícia Civil resultou na prisão de 14 pessoas supostamente envolvidas em roubos a bancos, além de ter apreendido 43 fuzis no primeiro semestre deste ano.

Por fim, a SSP-SP diz que esses crimes são investigados em parceria entre as Delegacias de Investigações Gerais com as unidades territoriais, além de ter o apoio, quando necessário, da 5ª Delegacia de Investigações sobre Furtos e Roubos a Banco, do Departamento Estadual de Investigações Criminais.

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