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Jarid Arraes usa a literatura de cordel para contar histórias de heroínas negras

Escritora cearense é referência na literatura sobre feminismo no Brasil

São Paulo|Juca Guimarães, do R7

Jarid Arraes escreveu 15 biografias em forma de cordel
Jarid Arraes escreveu 15 biografias em forma de cordel Jarid Arraes escreveu 15 biografias em forma de cordel

A escritora Jarid Arraes, de 26 anos, mistura em sua obra a bela tradição regionalista do cordel, uma grata herança de família, e questões políticas importantes que influenciam positivamente o pensamento do século 21.

No mês que vem a jovem cearense vai lançar o livro "Heroínas Negras Brasileiras", pela editora Pólen Livros. Na obra, ela conta a biografia de 15 personalidades femininas e negras que marcaram a história do país. O texto é feito em forma de cordel, especialidade de Jarid. "Fui reunindo as histórias dessas heroínas negras ao longo de 4 anos, pesquisando em trabalhos acadêmicos, conversando com pessoas que vivem nas regiões onde essas heroínas viveram e atuaram", disse a escritora.

O lançamento, em São Paulo, acontece no dia 1º de junho, no shopping Frei Caneca, na Blooks Livraria, a partir das 19h30. No dia 7, Jarid Arraes estará na Blooks Livraria do Rio de Janeiro, na praia do Botafogo, para uma noite de autógrafos. O livro conta ainda com belíssimas ilustrações da Gabriela Pires

Jarid também é blogueira e autora do livro As Lendas de Dandara, lançado em 2015. Confira a entrevista com a escritora.

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R7: Com que idade você começou a escrever?

Jarid Arraes: Escrevo desde criança, mas tinha a mania de jogar tudo fora. Ainda adolescente, mantive alguns cadernos onde eu escrevia poesias, principalmente porque foi nesse período em que mais entrei em contato com obras de poetas brasileiros, mas logo deixei a ideia de lado. Só voltei a escrever aos 20 anos, quando comecei a resgatar a tradição do cordel na minha família e também passei a escrever na internet sobre feminismo e direitos humanos.

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R7: Como foi o seu contato com a literatura de cordel?

Jarid Arraes: Cresci lendo cordel, porque meu avô e meu pai são cordelistas. Lembro que era uma das primeiras, se não a primeira, a ler os cordéis novos que eles publicavam, e lembro especialmente de um cordel que meu pai escreveu sobre os 500 anos do Brasil. O título era "Os 500 anos que invadiram o Brasil" e nele meu pai falava sobre o genocídio indígena, sobre a escravidão e sobre como as pessoas que enriqueceram da escravidão ainda hoje colhem os frutos da exploração e torturas que causaram. Mas a maioria dos cordéis que eu lia não tinha essa consciência política, pelo contrário, eu sempre via mulheres, pessoas negras, travestis e gays retratados de uma forma extremamente ofensiva. Quando decidi escrever cordel e dar continuidade a tradição da minha família, fiz questão de mudar essa narrativa e trazer para o protagonismo, de forma diversa, esses personagens que eram tão ofendidos.

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R7: Na sua época de escola, qual era o profissão que você tinha como aspiração e por quê?

Jarid Arraes: Eu sempre sonhei em ser escritora, mas era uma espécie de sonho secreto, porque eu achava que iriam rir de mim. Pensava isso porque minhas referências de escritores eram homens, brancos, de meia-idade, ricos, e demorou bastante para que eu conhecesse obras escritas por mulheres, sobretudo por mulheres negras. Então era algo que me parecia apenas impossível. Foi o contato com discussões sobre machismo e racismo que me fez acordar para a realidade do mercado editorial e da literatura: o problema não estava em mim, eu podia sim escrever; o problema estava na dificuldade em ter acesso ao que mulheres negras escrevem, seja porque as editoras não publicam, seja porque as obras dessas autoras não chegam nas livrarias, porque não há divulgação e reconhecimento. Então tomei como missão a luta por mudar isso, por construir uma nova lógica, por isso decidi publicar cordel, publicar meu primeiro livro - As Lendas de Dandara - de forma independente e criar o Clube da Escrita Para Mulheres, que é um projeto que tem objetivo de construir algo diferente do "mais do mesmo" que existe hoje no mercado editorial.

R7: Como foi o seu contato com os blogs e escrever para a internet?

Jarid Arraes: Comecei escrevendo em meu próprio blog, o Mulher Dialética, e logo em seguida já passei a colaborar com blogs como o Blogueiras feministas e o Blogueiras negras. Em 2013 fui convidada para ser blogueira da Revista Fórum, onde trabalhei até 2016. Essa experiência foi muito importante como aprendizagem sobre assuntos urgentes, sobre direitos humanos, feminismo, direitos LGBT, mas também como exercício de publicação, de assinar algo que as pessoas leriam e compartilhariam. E foi por causa desse espaço na internet que meu primeiro livro, mesmo sendo uma publicação independente, teve sua primeira edição completamente esgotada. Eu não estava em livrarias, não tinha grana para pagar publicidade, mas mesmo assim ele esgostou e em seguida foi republicado pela Editora de Cultura. Hoje uso a internet para divulgar meus cordéis, meus livros, e acredito nesse potencial para qualquer outra autora independente.

R7: De que forma o feminismo chegou na sua vida? Quais as suas referências no começo do ativismo?

Jarid Arraes: Eu sempre questionei o machismo que eu sofria, ainda que eu não soubesse nomear muito bem uma forma de combatê-lo, mas foi com a internet que descobri blogs feministas, trabalhos acadêmicos que tratavam do assunto, e consegui compreender que todo o meu desconforto fazia sentido e não era algo apenas pessoal, era uma questão social muito dominante. Como eu estava no interior do Ceará, no Cariri, e queria me envolver com ações feministas, fundei o grupo FEMICA (Feministas do Cariri) que realizava ações regionais; depois fui convidada para participar do Pretas Simoa, o Grupo de Mulheres Negras do Cariri e fiquei no coletivo até me mudar para São Paulo. Minhas referências são Karla Alves, que me chamou para o Pretas Simoa, Sueli Carneiro, Jurema Werneck, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, entre outras que fui descobrindo quando estava ainda aprendendo o básico sobre Feminismo Negro.

R7: Como você faz essa ligação entre o cordel e a política? É uma espécie de arte-ativismo?

Jarid Arraes: O cordel tem uma categoria que chamamos de "Cordel Engajado" e que já traz a proposta de abordar questões políticas com os versos. No meu caso, me incomodava muito que a maioria dos cordelistas reconhecidos fossem homens, que as mulheres ficassem tão esquecidas e discriminadas, e me revoltava que as histórias insistissem tanto em machismo, racismo e homofobia. Quando eu decidi que continuaria a tradição da minha família, decidi que faria isso trazendo "o novo", o que precisa ser pensado e espalhado por aí para que tenhamos uma sociedade com mais equidade. E daí veio a ideia de escrever histórias com protagonistas mulheres, negras, lésbicas e travestis, tanto em cordéis que são abertamente argumentativos contra o preconceito, quanto em cordéis infantis com histórias que crianças podem ler e ter contato com essas questões tão importantes. Acredito que o simples fato de eu escrever e publicar, independente do que seja, já é uma arte-ativista, sobretudo porque mulheres negras são praticamente esquecidas pelas editoras, os eventos literários, como a Flip, só convidam autoras negras quando são expostos a vergonha e protestos intensos. Se continuo escrevendo, estou resistindo, estou fazendo ativismo, seja com cordel, poesia, prosa, literatura infantil ou o que quer que seja.

R7: Você tem contato com outras artistas que também juntam ativismo e arte?

Jarid Arraes: Conheço muitas autoras e artistas que fazem ativismo com suas obras, como a Cidinha da Silva, Mel Duarte, a Carina Castro, a Dani Costa Russo, Aline Valek, Jenyffer Nascimento, Cristiane Sobral, Elizandra Souza, Miriam Alves, as mulheres que fazem o Mulheres que escrevem, a Bianca Gonçalves do Leia Mulheres Negras, minhas companheiras do Clube da Escrita Para Mulheres, o coletivo Louva Deusas, as mulheres da música como a Yzalú, as queridas do Rap Plus Size, a Bárbara Sweet, a Lovelove6 que faz quadrinhos incríveis, enfim, muitas mulheres maravilhosas que fazem trabalhos imprescindíveis. E quando você conhece uma delas, acaba conhecendo muitas mais, porque percebo o movimento de também apoiar outras artistas. Isso que é inspirador.

R7: Qual o tema do novo livro?

Jarid Arraes: Meu livro, que será lançado agora em junho, é o "Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis". Nele eu conto 15 biografias de mulheres negras que marcaram nossa história e faço isso em formato de cordel. Foi uma pesquisa que comecei há 4 anos, enquanto eu ainda publicada as biografias, uma por uma, em folhetos de cordel. Agora fizemos essa coletânea, que é toda ilustrada, e ao final ainda tem um espaço para que cada leitor conte também a história de uma mulher negra que marcou a história dele, de sua região e estado, enfim.

R7: Quanto tempo levou a pesquisa e a escrita do livro?

Jarid Arraes: Fui reunindo as histórias dessas heroínas negras ao longo de 4 anos, pesquisando em trabalhos acadêmicos, conversando com pessoas que vivem nas regiões onde essas heroínas viveram e atuaram. Foi um processo muito inspirador, porque a medida que eu publicava uma biografia nova, mais pessoas me sugeriram outros nomes. Criamos uma rede maravilhosa de resgate da nossa história, memória e legado.

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