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Máfia do ISS: ex-mulher de acusado diz ter vivido trama digna de novela após delatar esquema 

Conspiração, prisão armada e contato com Suzane Richthofen são alguns dos relatos da modelo

São Paulo|Fernando Mellis, do R7

Vanessa (foto) mora hoje no interior paulista e afirma depende de ajuda do pai
Vanessa (foto) mora hoje no interior paulista e afirma depende de ajuda do pai Vanessa (foto) mora hoje no interior paulista e afirma depende de ajuda do pai (Eduardo Enomoto)

O que mudou na vida da mulher responsável por denunciar um dos maiores escândalos de corrupção registrados na Prefeitura de São Paulo? Passados três anos desde que a Máfia do ISS foi revelada, a publicitária Vanessa Alcântara, de 30 anos, que foi casada com um dos fiscais, relata medo, intimidações e dificuldade de retomar uma vida normal. Tudo isso, segundo ela, devido a uma “conspiração”.

Vanessa, que conviveu com o auditor fiscal Luís Alexandre Cardoso de Magalhães por cerca de três anos e usufruiu de boa parte do luxo proporcionado pelos R$ 90 mil de corrupção que entravam semanalmente, hoje leva uma vida simples, em um “apartamentinho”, e diz que está sem dinheiro.

— Eu tenho meu apartamento pequeno em Valinhos [interior de SP], que eu já tinha antes de casar com ele. [...] Conto muito com a ajuda do meu pai, que não tem dinheiro, mas é uma pessoa que me ajuda ao máximo. Minha vida está muito difícil. Não tenho dinheiro para nada, não estou saindo de casa.

A vida modesta que ela diz ter contrasta com a aparência. Com cabelos longos, loiros, lentes de contato verde, unhas bem-feitas e maquiada, Vanessa tenta se esquecer dos dias em que viveu na prisão. Segundo ela, o tempo que ficou na cadeia foi obra da quadrilha que atuou na prefeitura.

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Aos mais de 35 mil seguidores que tem no Instagram, onde se identifica também como modelo, a publicitária compartilha fotos de passeio de barco em Pernambuco e ensaios sensuais. Ela diz que não se considera uma modelo profissional e que nunca fez trabalhos remunerados na área.

Vanessa foi presa em abril na delegacia de Valinhos, interior de São Paulo, acusada de agredir uma escrivã de polícia. Além desse crime, naquela ocasião, foi indiciada por outros sete delitos, incluindo supressão de documento público, por supostamente ter rasgado um inquérito.

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— A intenção deles era me manter presa para que eu chegasse ao tribunal presa, para me desqualificar. Tanto que a primeira coisa que eles falaram na audiência [da Máfia do ISS], em setembro, foi que eu tinha acabado de sair da cadeia.

Processada também por agredir o avô, em um caso anterior, a ex-mulher do fiscal nega todas as acusações. Ela diz que a prisão foi “armada”.

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— Eu vejo que, como eu fiz a denúncia, e envolve diretamente cinco pessoas que são muito ligadas nesse caso — que são as pessoas que trabalhavam diretamente com ele [Magalhães] — e como essa investigação está chegando até o [ex-prefeito e atual ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto] Kassab, o namorado ou ex-namorado do Kassab, o irmão dele, eles têm estrategistas que articulam para desqualificar um depoimento tão perigoso assim. O ponto fraco sou eu. É uma conspiração nítida, política, para defender interesses próprios.

O Ministério Público de São Paulo confirma que a defesa dos fiscais tentou impedir o depoimento da publicitária, ao dizer que ela estava motivada por vingança contra o ex-marido e que é destemperada. A juíza entendeu que a prisão dela nada tem a ver com o caso e rejeitou os argumentos apresentados pelos advogados. Para a Promotoria, ela é peça importante no processo, mas não é a única.

A reportagem procurou a assessoria do ministro Gilberto Kassab no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, porém, não obteve resposta.

Suzane von Richthofen

A “dama do achaque”, como chegou a ser chamada por uma revista em 2013, ficou presa de abril a agosto. Passou por quatro presídios, incluindo Tremembé, onde conheceu Suzane von Richthofen. Chegou a ser condenada em primeira instância, mas agora recorre em liberdade. Sobre a experiência que teve na cadeia, ela faz uma comparação com o ex-marido.

— Para mim, ele [Luís Alexandre] vai sempre ser corrupto, por causa do histórico dele. Me perguntaram se a Suzane von Richthofen é psicopata. Ela é. Mas ela vai voltar a matar? Não sei, eu acredito que não. Porque a consequência do ato dela foi tão danosa para a vida dela. O psicopata é muito inteligente, então, ele não vai fazer algo que vá prejudicá-lo de novo.

Todas as economias que tinha, Vanessa diz ter usado para pagar advogados para se livrar das dezenas de processos em que virou ré nos últimos três anos. Apesar disso, ela mantém os serviços de um assessor de imprensa.

Publicitária procurou o Ministério Público em outubro de 2013 e levou diversos documentos do ex-marido
Publicitária procurou o Ministério Público em outubro de 2013 e levou diversos documentos do ex-marido Publicitária procurou o Ministério Público em outubro de 2013 e levou diversos documentos do ex-marido

O escândalo

Os desvios apontados pelas investigações superam R$ 500 milhões. A quadrilha cobrava propina de construtoras para abater o valor a ser pago do ISS (Imposto sobre Serviços) de obras em fase de conclusão. Resultado disso foi que entrava menos do que deveria nos cofres públicos.

Vanessa tirou cópia de cerca de 150 documentos do ex-marido antes de se separar. Ela entregou tudo às autoridades em setembro de 2013. Cerca de um mês depois, os promotores conseguiram mandados de busca e apreensão em escritórios e residências dos envolvidos. A promotoria afirma que a denúncia dela chegou na fase final da investigação, mas que foi essencial para comprovar evidências que a Controladoria-Geral do Município e os promotores já haviam encontrado.

Além de Magalhães, são alvos de ações penais: o ex-subsecretário de Finanças da gestão Kassab, Ronilson Bezerra Rodrigues, apontado como o cabeça da organização; o ex-diretor de arrecadação, Eduardo Horle Barcellos, os ex-auditores Carlos Augusto di Lallo e Amílcar Lemos, além de outras sete pessoas.

Por ter sido uma peça importante nesse quebra-cabeças, o Ministério Público ofereceu a Vanessa o programa de proteção à testemunha. Algo que foi recusado naquela época.

— O Ministério Público foi muito ingrato comigo. Da primeira vez, eu não aceitei o programa de proteção à testemunha, porque naquela ocasião eu achava injusto perder minha vida até eles serem presos. No começo do ano, eu voltei ao Ministério Público e pedi, mas disseram que eu não podia mais. Eu estava sofrendo demais com a intimidação.

Vanessa acusa o ex-marido e os comparsas dele de contratarem pessoas para colocar medo nela.

— Eu tinha vídeos de guardas municipais entrando na minha loja para me ameaçar. Eu tinha uma loja de roupa infantil. Fechei agora. Estou completamente sem cabeça depois que fui presa. Não tem condições de continuar com uma loja de roupa infantil, sendo que eles conseguiram criar uma imagem minha de agressiva.

O advogado Thiago Sayeg, que defende Luís Alexandre, diz que Vanessa “mente descaradamente” e que o cliente dele não tem qualquer interesse em prejudicar a ex-mulher. Sayeg cita outros inquéritos contra a publicitária.

— A última pessoa que ele quer ver na vida dele é a Vanessa. Na cabeça dela, foi o Luís que mandou ela morder o dedo do avô, foi o Luís que mandou ela bater em vizinha, foi o Luís que fez ela perder a guarda do primeiro filho, foi o Luís que mandou ela bater na escrivã na delegacia.

Vida de luxo

Carro de luxo apreendido durante a operação Acerto de Contas, que também prendeu os quatro fiscais da prefeitura
Carro de luxo apreendido durante a operação Acerto de Contas, que também prendeu os quatro fiscais da prefeitura Carro de luxo apreendido durante a operação Acerto de Contas, que também prendeu os quatro fiscais da prefeitura

A história de Luís Alexandre chamou atenção pela ostentação. O auditor viajava de avião particular para Angra dos Reis (RJ), lá fazia passeios de lancha regados a bebidas caras, sempre acompanhado de garotas de programa. Vanessa conta que os demais comparsas também esbanjavam e cita um episódio que lhe chamou atenção.

— Uma vez, a mulher dele [de um dos fiscais] brigou absurdamente com ele porque ele comprou um jet-ski e ela queria um também. Ele falou para ela usar o dele, mas ela insistiu que queria um para andar junto com ele. Ele comprou e ela não andou nenhuma vez.

Passados três anos, na opinião dela, o flagrante do ex-marido pedindo dinheiro para não delatar um fiscal, no ano passado, é uma clara prova de que ele está precisando de dinheiro.

— O Luís Alexandre em si, a vida dele não está legal. Ele está precisando de dinheiro. O dinheiro compra tudo para eles, mas já está começando a faltar.

Os fiscais foram exonerados da prefeitura logo após o escândalo vir à tona. Sayeg diz que o cliente está em situação financeira difícil desde então.

— O Luís está precisando de dinheiro desde 2013 [quando foi exonerado da prefeitura] e até hoje nunca fez nada [ilegal]. Não seria naquela ocasião que iria fazer. Foi uma armação.

O Ministério Público nega qualquer interferência para prejudicar Luís Alexandre. Vanessa torce para que a quadrilha seja condenada. As audiências começaram em setembro. No mês que vêm, mais depoimentos estão marcados.

— Eu tenho muita fé que eles vão ser condenados. Que isso sirva de exemplo. A gente está vendo uma mudança no cenário político. Tem que inverter esses valores.

Ter o nome envolvido no escândalo, mesmo que como denunciante, tem atrapalhado os planos de ter uma vida normal, diz Vanessa.

— Em nenhum momento eu tive paz. Eu fui alugar um imóvel comercial, as pessoas jogam meu nome no Google e negam. Hoje, eu sou uma ex-presidiária. Mesmo sendo formada em publicidade e marketing, como vou chegar em uma empresa pedindo emprego? Eles [quadrilha que agia na prefeitura] destruíram minha vida.

Vanessa luta agora para retomar a guarda dos filhos
Vanessa luta agora para retomar a guarda dos filhos Vanessa luta agora para retomar a guarda dos filhos

Filhos

A raiva e a vontade denunciar, conta Vanessa, surgiram quando perdeu a guarda dos filhos. Ela se emociona ao lembrar que permanece até hoje sem as crianças. O mais novo, hoje com quatro anos, não vê a mãe desde 2013. O mais velho, de oito anos, do primeiro marido, viu em apenas duas ocasiões, no tribunal. Ambos estão com os pais.

— Eu fui uma boa mãe até os quatro anos do meu primeiro filho. De repente, quando eu me separei do Luís, eu virei louca, psicopata, prostituta, tudo [...] Toda criança tem direito de ver a mãe, de saber quem é a mãe. Meu filho [mais novo] não sabe quem é a mãe. Ele chama a atual madrasta de mãe.

O processo de guarda das crianças ficou ainda mais complicado em 2013, quando ela foi pega, em uma conversa telefônica interceptada pelo Ministério Público, supostamente agredindo o filho mais novo ao pedir dinheiro para o auditor. Ele conseguiu a gravação e também a guarda do menino.

— Eu tirei a chupeta do meu filho e simulei que batia nele. Eu nunca bati nos meus filhos.

O advogado do ex-marido diz que, em caso de prisão, o pai vai lutar para que o menino de quatro anos fique com a madrasta. Vanessa não admite essa possibilidade.

— Isso é um absurdo. Ele tem uma mãe biológica que ama ele, que luta há três anos para ficar com ele.

Ela acrescenta que depois que perdeu a guarda precisou passar por tratamento psicológico e que agora aguarda uma perícia judicial que vai determinar se ela tem ou não condições de voltar a criar os filhos.

— Eu cheguei a me questionar: “Será que eu sou uma pessoa que muda de personalidade assim ou será que só uso essa carcaça para me defender? ”. Eu nunca fui uma pessoa agressiva, sou reativa. Se você me bater, obviamente, vou tentar te afastar de mim.

Questionada se ainda tem fôlego para mais audiências e brigas, ela garante que pelos filhos, sim.

— A minha grande promessa foi para o meu filho mais velho. Quando a polícia entrou na casa dos meus avós para tirar a guarda. Meu filho se escondeu com meu filho menor dentro do guarda-roupa e disse que não iria. Eu prometi para ele, falei: “A mamãe vai lutar e não vai desistir de vocês, nem que a mamãe tenha que mudar o mundo para isso”.

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