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Mulheres são vítimas em 70% das violências de gênero na internet 

Exposição e compartilhamento de fotos íntimas tem consequências graves entre as vítimas, que vão desde submissão à ameaças até suicídios

São Paulo|Fabíola Perez, do R7

Do total, 204 são casos envolvendo mulheres como vítimas
Do total, 204 são casos envolvendo mulheres como vítimas Do total, 204 são casos envolvendo mulheres como vítimas

"Comecei a morrer. Me sentia queimada viva. Virei motivo de chacota na cidade toda. As pessoas achavam que eu estava me vendendo." O depoimento é de Rose Leonel, 48 anos, vítima de divulgação de conteúdo íntimo na internet. Há 12 anos, ao terminar um relacionamento, ela passou a ser ameaçada pelo então companheiro.

Entre outros delitos contra a mulher, o crime de exposição de conteúdo sexual na internet ainda é completamente subnotificado. Apesar disso, a ONG SaferNet, que funciona como uma rede de apoio às vítimas, recebeu 298 denúncias de exposição de conteúdo íntimo on-line. Do total, 204 são casos envolvendo mulheres. Isso significa dizer que 70% dos casos têm mulheres como vítimas.

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Nos outros 85 casos envolvendo o gênero masculino, o psicólogo e diretor de educação da Safernet, Rodrigo Nejm, esclarece que são casos envolvendo divulgação de conteúdo sexual de homossexuais. Os dados foram compilado no recém-lançado Dossiê Violência Contra a Mulher em Dados, do Instituto Patrícia Galvão.

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De acordo com o dossiê, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada em fevereiro de 2018 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2016 o Brasil tinha 116 milhões de pessoas conectadas à internet, o que equivale a 64,7% da população com idade acima de 10 anos.

Nesse cenário de inclusão digital, a violência de gênero se estendeu e se potencializou nas plataformas online de forma sem precedentes. Não apenas o sexting, mas outras violações contra as mulheres também passaram a ganhar força. Para se ter ideia, em 2017, o assédio foi o 26º assunto mais comentado da internet. Segundo dados do dossiê, nos últimos três anos, as menções ao termo cresceram 324%, com destaque para o assédio virtual, que registrou crescimento de 26 mil %.

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Sextorção

O ciclo de violência que se instaura sobre a vítima é conhecido como sextorsão ou a ameaça de se divulgar imagens íntimas para forçar alguém a fazer algo por vingança, humilhação ou extorsão financeira. “É uma forma de violência grave, que pode levar a consequências extremas como o suicídio”, afirma Nejm.

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Os casos podem ocorrer quando alguém finge ter posse de conteúdos íntimos como forma de iniciar ameaças ou ainda pode ser um blefe com o objetivo de obter vantagem. “Não se tem o entendimento de que meninas e mulheres têm plena liberdade sexual e ninguém tem o direito de expor isso.”

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"Ele ameaçou destruir a minha vida e foi isso que ele fez. Me aniquilou", diz Rose que teve fotos íntimas vazadas pela internet. Segundo ela, o ex-marido fez montagens com conteúdo pornográfico e distribuiu por toda a cidade de Maringá, no Paraná. "Ele mandou 15 mil emails com fotos minhas, distribuiu CDs em condomínios e folhetos em comércios da cidade."

Desligada do emprego, ela lembra que chegou a receber um e-mail do chefe dizendo que a empresa não queria uma funcionária como ela naquele ambiente profissional. "Perdi meu trabalho, meu amigos e a minha vida", afirma. Rose conta que o filho foi embora do País e a filha sofria bullying por parte de alunos e professores. "A sua identidade é completamente roubada, ocorre a perda total do seu eu."

Um dos fatores que agrava a subnotificação é o desconhecimento
Um dos fatores que agrava a subnotificação é o desconhecimento Um dos fatores que agrava a subnotificação é o desconhecimento

Como denunciar

O compartilhamento de imagens íntimas na internet é crime. No entanto, segundo o psicólogo, como no Brasil há uma violência explícita contra a liberdade sexual de meninas e mulheres há uma visão misógina por trás da disseminação desse tipo de conteúdo. “Além disso, existe uma ideia de que o corpo da mulher é propriedade pública junto a ausência de educação sexual”, diz ele.

Um dos fatores que agrava a subnotificação é o desconhecimento sobre como denunciar esse tipo de crime. Uma pessoa que compartilha um conteúdo íntimo na internet, um nude vazado, por exemplo, pode responder por três atos infracionais diferentes: produção, posse e distribuição de pornografia.

Além de procurar a delegacia para fazer o boletim de ocorrência, a vítima pode também pedir a remoção do conteúdo divulgado sem consentimento. De acordo com o artigo 21 do Marco Civil da Internet, nesse tipo de crime, a vítima pode pedir às empresas de redes sociais para retirar o conteúdo das páginas. No caso do Whatsapp, o procedimento é um pouco diferente. Como não se trata de um site, a vítima precisa “exportar” a conversa com o conteúdo sexual para um e-mail e encaminhar na delegacia de polícia. “Isso é a materialidade da prova”, diz Nejm.

Para o especialista, para modificar esse cenário, é preciso trabalhar também a conscientização, sobretudo, entre jovens. “Essa forma de violência sexual vem sendo banalizada na adolescência”, afirma ele. “É preciso sensibilizar esse jovem e reafirmar que a culpa é de quem vaza, de quem expõe. Nada dá o direito de uma pessoa espalhar algo que não é seu. Repassar esse tipo de conteúdo é um ato de violência. Como não se vê o sofrimento do outro, as pessoas não consideram uma forma de violência.”

Reconstrução

Desde 2013, porém conseguiu reconstruir sua vida gradualmente. Com a condenação do marido, Rose se sentiu estimulada a ajudar outras mulheres vítimas de divulgação de conteúdo íntimo pela internet. "A cada clique me sentia violada novamente."

"Com a divulgação dessas fotos, sofremos uma morte civil. Dessa etapa até a pessoa sentir vontade de tirar a própria vida é apenas um passo." Ela conta que teve de sair de Maringá para encontrar apoio psicológico e jurídico. Hoje, por meio da ONG Marias da Internet ela oferece esse tipo de apoio a outras mulheres.

Quando foi lançada, a ONG recebia entre duas e cinco denúncias por mês. Hoje, recebe de dez a 15 denúncias. "A mulher é sempre culpabilizada, queria e precisava tentar interromper esse ciclo", afirma.

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