Na contramão do que está acontecendo recentemente na cidade de São Paulo com a pintura de muros que antes estavam grafitados e pichados, um projeto em Lisboa ensina idosos com mais de 65 anos a expandirem sua criatividade fazendo grafites. Ao invés de pintar paredes de cinza, como a prefeitura de São Paulo, os portugueses estão incentivando as tintas coloridas.
A arquiteta Lara Seixo, fundadora do projeto, afirma ao R7 que a ideia surgiu de uma forma curiosa e rápida. Ela fez um workshop de arte urbana para idosos e o primeiro Lata 65 foi construído “com base em vontades”. A idealizadora diz que observava um interesse grande do público idoso pela arte urbana e que queria levar isso além.
— [Tinha] vontade de provar que conceitos como envelhecimento ativo e solidariedade entre gerações fazem cada dia mais sentido. Vontade de demonstrar que a arte urbana tem o poder de fomentar, promover e valorizar a democratização do acesso à arte contemporânea. Vontade de aproximar os menos jovens a uma forma de expressão artística habitualmente associada aos mais jovens. Vontade de demonstrar que a idade é só um número.
Como trabalha em forma de workshop, o Lata 65 tem grupos de 15 pessoas em média e, até hoje, 254 idosos fizeram parte do projeto. Segundo Lara, a grande curiosidade é que somente 37 homens participaram da iniciativa de fazer grafites — a grande maioria do grupo é formado por mulheres. Os trabalhos precisam ser feitos em paredes que foram previamente aprovadas. A arquiteta diz que a aprovação é necessária porque os idosos não podem ser colocados em perigo ou em situações delicadas.
O retorno dos idosos que participam do projeto e do público de um modo geral é, na maioria das vezes, positivo. A fundadora acredita que o projeto é mais social e terapêutico do que pode parecer e que a arte é usada para desafiar as pessoas a experimentar uma nova atividade.
— Os idosos são pessoas muito inseguras na generalidade, com pouca autoestima, ou debilitada. A cada desafio proposto os alunos se transformam, a sua autoestima cresce e, por isso, vemos eles continuando, pintando nas ruas. Muitas vezes eles nos dizem que se descobrem, que não se achavam capazes. A população em geral também reconhece a originalidade e a transformação rápida dos idosos e a alegria com que eles pintam na rua.
As famílias dos idosos também são transformadas. Lara lembra de uma história de uma senhora que era muito tímida e que no segundo dia do projeto, ela foi com o filho grafiteiro. Ela costumava apenas acompanhar o filho, mas nunca experimentou fazer ela mesma. O Lata 65 fez com que a mulher tivesse a vontade necessária para também começar a pintar as paredes.
— Foi [bom] ver uma senhora muito tímida se transformar numa pintora apaixonada e se divertindo com a experiência, que logo repetiu na rua.
A fundadora do projeto diz que, para ela, tem sido inacreditável ver as imagens de São Paulo sendo pintada por tinta cinza pela internet. Ela diz que esse é um cenário que já aconteceu há alguns anos e que, depois, a atitude foi reconhecida como “um erro”.
— É estranho, muito estranho novamente assistir a este cenário. O meu trabalho diário [para além do Lata 65] é dar cor às cidades, usar a arte para transformar, melhorar a cidade e a vida das pessoas. Uma cidade cinza nunca trará felicidade, alegria, ordem e cultura. Espero que a livre expressão através da arte volte rápido às ruas de São Paulo, uma cidade historicamente ímpar nesta matéria.
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