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Relatório aponta fraudes em uso de app de transporte da prefeitura

Documento indica que servidores usaram serviço para ir ou voltar para casa

São Paulo|Gustavo Basso, do R7

Veículos da Prefeitura foram substituídos por aplicativo a partir de julho
Veículos da Prefeitura foram substituídos por aplicativo a partir de julho Veículos da Prefeitura foram substituídos por aplicativo a partir de julho

Um servidor da Coordenadoria Regional de Saúde Sul, ligada à Secretaria Municipal de Saúde, pede por aplicativo de transporte um carro para levá-lo à sua casa em Carapicuíba, a cerca de 30 km. Nove horas e 23 minutos, e 176 km depois, a corrida é encerrada, custando ao órgão municipal quase R$ 400 (veja abaixo as corridas mais longas registradas).

Esta é uma das irregularidades apontadas no uso do aplicativo de transporte 99 Taxis por servidores da prefeitura. Os abusos foram constatados em um relatório da SMG (Secretaria Municipal de Gestão) datado de 20 de outubro deste ano, baseado em dados fornecidos pela própria empresa, e obtido com exclusividade pelo R7.

A viagem descumpre a legislação criada em setembro deste ano para regular o uso de motoristas do aplicativo, ao sugerir que o motorista permaneceu em viagem durante todo o expediente do servidor. Os novos condutores substituíram, em julho, os veículos alugados pela gestão ou da própria prefeitura, uma mudança apresentada pela administração Doria como medida para redução de custos.

Em outro caso, no intervalo de 64 dias avaliado pelo relatório, um funcionário da Prefeitura Regional da Sé realizou 39 viagens entre o escritório e sua casa. O documento, que não apresenta nomes dos servidores, apenas seus números de identificação, revela que o servidor mora a 1 km de uma estação de Metrô. Por sua vez, a regional, localizada na rua Alvaro Penteado, está a 300m da estação Sé.

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A reportagem solicitou à prefeitura que informasse os nomes dos servidores a que corresponde cada número (ID), mas não foi atendida.

O documento obtido pela reportagem registra que 21% das corridas feitas entre 27 de julho e 30 de setembro deste ano fogem do tempo estimado, “indicando que os servidores estão solicitando aos condutores que aguardem parados, em desacordo com a Portaria 96/SMG/2017”.

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O texto afirma também que “existem servidores utilizando o aplicativo para realizar viagens a partir ou para residência. Estas viagens por vezes são realizadas com os mesmos motoristas".

Em nota, a Secretaria Municipal de Gestão afirma que "os dados presentes no relatório são preliminares e foram encaminhados para conhecimento e certificação de cada órgão", e que "as divergências identificadas serão encaminhadas à Controladoria Geral do Município, órgão competente para este tipo de apuração, que adotará as medidas cabíveis, se necessário" (leia na íntegra abaixo).

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Amigos

Ao contrário do que acontece com usuários comuns, o aplicativo gerado para a prefeitura permite a escolha do motorista. Isso levou ao uso repetido, por servidores, de motoristas que os autores do relatório identificaram como amigos na rede social Facebook.

Trecho aponta amizade entre servidores e motoristas
Trecho aponta amizade entre servidores e motoristas Trecho aponta amizade entre servidores e motoristas

Carlos Alberto Gonçalves de Lima é apontado como motorista responsável pelas 17 viagens entre o servidor morador de Carapicuíba, na Grande São Paulo, e seu trabalho em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.

Ao todo, foram 27 corridas com o mesmo servidor, do total de 33 prestadas às Coordenadoria Regional de Saúde, somando R$ 3.095 pagos. Lima e o servidor são amigos na rede social Facebook, aponta o relatório.

O mesmo acontece com Michel Buzatto e outra servidora do mesmo órgão, responsáveis por 16 viagens. Destas, aponta o relatório, cinco estão fora do tempo estimado. “Isso pode significar que o motorista ficou esperando o colaborador por mais tempo que o ideal", diz o relatório. As 29 corridas de Buzatto somaram R$ 2.008.

A reportagem questionou diversas vezes prefeitura e 99 Taxis sem obter o esclarecimento se os motoristas apontados pelo relatório já trabalharam na ou para a Prefeitura, e quando se tornaram condutores do aplicativo (veja nota da 99 Taxis abaixo).

Distância de caminhada

Todos os deslocamentos com o uso dos aplicativos devem apresentar justificativa, que precisam passar por uma avaliação dos supervisores dos funcionários responsáveis. O relatório critica a falta de justificativas suficientes para explicar para diversos deslocamentos — e em alguns casos, a ausência de explicação.

Três casos destacados pelos autores do documento foram realizados por servidores da Prefeitura Regional de Itaim Paulista, na zona leste da capital. Segundo os dados fornecidos à gestão pela própria empresa de aplicativo, Juliana Ferretti Duarte, a pedido de um servidor, percorreu 100 metros em mais de 4 horas. A justificativa apresentada foi a “entrega de panfletos e cartazes do conselho participativo”.

Documento aponta justificativas insuficientes
Documento aponta justificativas insuficientes Documento aponta justificativas insuficientes

Os outros dois, promovidos por outro servidor, correspondem a 74 km percorridos para deslocamentos que poderiam ter sido feitos com uma caminhada curta, de 96 m e 500 m, respectivamente. Ambos justificados como “entrega de processos de arquivo”, que, segundo os autores da fiscalização, “não conseguem explicar com clareza o motivo da longa viagem”.

Ao todo, 20% dos 3.825 trajetos feitos em 64 dias estão fora do tempo estimado. Quatro das dez viagens mais longas no período, e que juntas somam R$ 2.374, indicam que os veículos “ficaram parados aguardando o servidor por tempo excessivo. [...] A média de todas as corridas é de R$ 29,68, as viagens selecionadas nesta tabela chegam a quase nove vezes acima desse valor”, aponta o relatório, que ainda afirma:

“A maior parte das viagens ocorreu se não na mesma rua, mas em pontos tão próximos, que as justificativas informadas não são suficientes para explicar a quilometragem rodada e o tempo excessivo”, adverte o documento.

Negócio de R$ 50 milhões

Em fevereiro deste ano, o prefeito em exercício Bruno Covas (o prefeito João Doria estava em Dubai) publicou o decreto 57.605/2017 determinando que os deslocamentos de servidores a serviço devem ser feitos por aplicativos de celular. O decreto foi regulado em setembro pela portaria 96/SMG/2017, que determina que “não são permitidas viagens no interesse particular”, e que “também não são permitidas viagens da residência ao local de trabalho e vice-versa”.

É esta portaria que também determina que caberá à Secretaria Municipal de Gestão a fiscalização do serviço, por meio de relatórios mensais.

A 99 Taxis venceu a licitação, em vigor desde 7 de julho, para ser a empresa de aplicativos de transporte a gerenciar toda a demanda por veículos da prefeitura. A empresa derrotou rivais e algumas das maiores cooperativas de táxi que prestam serviço na capital.

Até aquele momento a prefeitura contava com uma frota estimada em 2.000 carros, a um custo aproximado de R$ 170 milhões ao ano, que seriam leiloados ou devolvidos para locadoras. A estimativa inicial era de que essa despesa caísse para R$ 50 milhões por ano. O custo oferecido pela 99 Taxis foi R$ 2,46 por quilômetro rodado, e tem validade de 12 meses, podendo ser renovado.

Questionadas, Prefeitura e 99 Taxis não informaram qual parcela dos R$ 2,46 pagos é repassada aos motoristas a serviço da empresa.

O relatório destaca que, no período observado, apenas 15 das cerca de 85 unidades da Prefeitura haviam assinado contrato com a empresa de transporte. Estes 15 órgãos economizaram, segundo o documento, R$ 262.910, quando comparado com os custos prévios com locação de veículos. A economia estimada em 12 meses, desse modo, seria de R$ 4,3 milhões.

Corridas mais longas e caras segundo levantamento da Secretaria de Gestão
Corridas mais longas e caras segundo levantamento da Secretaria de Gestão Corridas mais longas e caras segundo levantamento da Secretaria de Gestão

Entre outros encaminhamentos, o relatório sugere à prefeitura a inclusão de uma lista fechada de justificativas para os deslocamentos, a reedição da portaria para proibir as viagens consecutivas com um mesmo motorista, e a solicitação à 99 Taxis de imediato e permanente bloqueio dos motoristas que realizam estas viagens seguidas.

Nota enviada pela Secretaria Municipal de Gestão:

"A Secretaria Municipal de Gestão (SMG) levantou uma série de informações sobre a utilização de transporte individual por aplicativo, nas unidades da Prefeitura, incluindo estimativas de economia e eventuais casos de suspeita de uso em desacordo com a Portaria 96/SMG/2017. Os dados presentes no relatório são preliminares e foram encaminhados para conhecimento e certificação de cada órgão. Todos os dados precisam ser validados caso a caso. As divergências identificadas serão encaminhadas à Controladoria Geral do Município, órgão competente para este tipo de apuração, que adotará as medidas cabíveis, se necessário. Vale destacar que entre as vantagens da adoção do aplicativo está justamente a possibilidade de melhora na fiscalização da utilização do serviço. Além disso, desde o início da utilização, já foi possível atestar uma economia de 69% sobre os custos com o modelo anterior de locação de veículos, como atesta o próprio relatório. Em valores, a economia no período analisado foi de 358 mil reais, o equivalente a 4,3 milhões ao final de 12 meses. E isso apenas nas 15 unidades que já haviam assinado o contrato, sendo que ainda restavam cerca de outras 70 unidades para a assinatura".

Nota enviada pela 99 Taxis:

"A 99 esclarece que preserva a confidencialidade das corridas realizadas por seus clientes de acordo com os termos do Marco Civil da Internet.

A 99 informa ainda que todos seus clientes corporativos têm acesso em tempo real às informações das corridas realizadas por seus colaboradores.

99 esclarece que o serviço de agendamento de transporte pelo app prestado à prefeitura de São Paulo fornece condições ao Setor Público de identificar e coibir eventuais abusos. Tais informações sobre as corridas realizadas via aplicativo da 99 podem ser solicitadas à Prefeitura Municipal de São Paulo nos termos da Lei de Acesso à Informação."

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