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Soltos, ex-fiscais acusados de rombo milionário na prefeitura de SP relatam vida de decadência

Máfia do ISS aliviou dívidas de construtoras em troca de propinas que chegam a R$ 500 mi

São Paulo|Fernando Mellis, do R7

Operação Acerto de Contas, em 2013, revelou fraude de mais de R$ 500 milhões na Prefeitura de São Paulo
Operação Acerto de Contas, em 2013, revelou fraude de mais de R$ 500 milhões na Prefeitura de São Paulo Operação Acerto de Contas, em 2013, revelou fraude de mais de R$ 500 milhões na Prefeitura de São Paulo

Passados três anos da descoberta da Máfia do ISS na Prefeitura de São Paulo, os agora ex-servidores acusados de integrar o esquema vivem longe de todo o luxo e conforto garantido pela propina que recebiam semanalmente. Nenhum deles quis falar diretamente com o R7, mas, por meio de advogados, relataram detalhes de uma vida de decadência, comparada à ostentação do passado.

Os primeiros acusados de um desvio que ultrapassa, no total, o valor de R$ 500 milhões foram o ex-subsecretário de Finanças da gestão de Gilberto Kassab Ronilson Bezerra Rodrigues; o ex-diretor de arrecadação Eduardo Horle Barcellos; e os ex-auditores fiscais Carlos Augusto di Lallo e Luís Alexandre Cardoso de Magalhães. Eles chegaram a ser presos no fim de outubro de 2013.

A principal ação penal tem hoje mais de 50 volumes e 12 réus. Porém, há outros 15 processos criminais contra dezenas de pessoas, incluindo laranjas que atuavam junto aos auditores.

Três deles fizeram acordo de delação premiada: Magalhães, di Lallo e Barcellos. Ronilson Bezerra nega todas as acusações, apesar de ser apontado pelos colegas e pelo Ministério Público como o cabeça da organização criminosa.

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Transporte público

Luís Alexandre Cardoso de Magalhães ficou conhecido por esbanjar com dinheiro de corrupção. Tinha carros de luxo, viajava em avião particular e vivia acompanhado de garotas de programa. Assim como os outros, ele está com todos os bens bloqueados.

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O advogado que o representa, Thiago Sayeg, diz que o cliente teve que se adaptar à nova realidade. Ele vive em um apartamento no bairro do Tatuapé, mas não é dono de todo o imóvel.

— Até os carros de uso dele foram arrecadados pela Justiça. Ele não anda de carro, ele anda de transporte público.

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A ex-mulher e mãe de um dos filhos de Luís Alexandre, Vanessa Alcântara, desconfia da versão do advogado.

— Isso é mentira. O carro está no nome da mulher dele. Isso tudo é mídia. Eles são muito populistas.

Segundo a defesa, desde que foi exonerado da prefeitura, em 2013, Luís Alexandre tem trabalhado com consultorias, nas áreas de comércio eletrônico e startups. Na metade do ano passado, ele foi flagrado pedindo propina para não incluir um fiscal da prefeitura no acordo de delação premiada que estava fazendo com o Ministério Público. O advogado diz que o flagrante foi armado.

Segundo a Promotoria, não faz sentido pensar em flagrante armado e o ex-fiscal perdeu o benefício da delação premiada. O processo de número 0051885-78.2015.8.26.0050, pelo crime de extorsão, ainda tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo. A prisão foi relaxada após o Judiciário entender que não se tratava de um flagrante.

“O Luís está precisando de dinheiro desde 2013 e até hoje nunca fez nada”, diz Sayeg sobre o episódio.

Estudando após os 50

Eduardo Horle Barcellos teve todos os bens que adquiriu desde quando entrou na prefeitura, em 2000, bloqueados pela Justiça. Ainda sobraram alguns imóveis anteriores a essa data que hoje estão alugados e servem como fonte de renda, segundo o advogado dele, Gustavo Ivahy Badaró.

— Ele reconhece cerca de R$ 2 milhões que ele teria gasto de dinheiro sujo adquirindo propriedades. Isso foi bloqueado e a própria defesa requereu alienação antecipada. São cinco salas comerciais na cidade de Santos, uma lancha e um jet-ski [...] O MP não apresentou uma prova sequer de qualquer descompasso patrimonial desde 2007 e o Eduardo Barcellos teve todos os bens bloqueados desde 2000. Inclusive os alugueis desses imóveis são depositados em juízo.

O Ministério Público diz que os bens dos servidores adquiridos desde quando entraram na Prefeitura de São Paulo foram bloqueados para garantir o pagamento de multas, em uma eventual condenação. Segundo a Promotoria, existe a necessidade do ressarcimento dos danos, da perda das vantagens indevidas e também da multa.

Com o "nome marcado", o advogado diz que restou ao ex-servidor, hoje com mais de 50 anos, voltar para a sala de aula.

— Ele já tem uma formação, acho que em engenharia, mas há uns dois anos começou a estudar direito. Ele está com o nome marcado. Você acha que ele vai pedir emprego em algum lugar? Não dá. Vai fazer o que ele sabe fazer, que é administrar os imóveis de aluguel e investir o dinheiro.

A defesa de Carlos Augusto di Lallo não foi localizada pela reportagem.

Ajuda dos sogros

Acusado de ser o cabeça da organização, o ex-subsecretário da Fazenda Ronilson Bezerra Rodrigues é o único a negar tudo. A defesa dele diz que os depoimentos dos três colegas de prefeitura — todos fizeram delação premiada — não se sustentam. Com base nisso, o advogado Marcio Roberto Hasson Sayeg vai tentar inocentar o cliente.

Ele conta que, há cerca de um ano, Ronilson se mudou com a família para o interior de Minas Gerais.

— Ele mora hoje de favor com os sogros, em Cataguases, Minas Gerais. Ele não tem dinheiro para se manter em São Paulo. Quem está ajudando ele é o sogro e a sogra. Mora ele, a esposa e os filhos.

O defensor diz que o ex-subsecretário ganha algum dinheiro com consultorias.

— Ele trabalha por lá, vai para Juiz de Fora. Trabalha quando aparece alguma coisa. Mas ele está vivendo mesmo com ajuda dos sogros.

Fontes no Ministério Público ouvidas pela reportagem dizem que hoje há pouco monitoramento da vida dos acusados, já que a fase de investigações acabou, mas confirmam ser possível que o padrão de vida deles tenha sido afetado.

As apurações constataram que os fiscais chegavam a gastar, por mês, três vezes mais do que os salários que recebiam da prefeitura (entre R$ 10 mil e R$ 20 mil). A Justiça bloqueou praticamente tudo o que eles tinham de bens, inclusive em nome de terceiros. Porém, ainda se investiga a suspeita de que dois fiscais, Luís Alexandre e Amílcar, possam ter remetido dinheiro para o exterior. Os promotores não descartam a possibilidade de dinheiro escondido.

R$ 88 mil em espécie encontrados no escritório usado pela quadrilha, no centro de São Paulo
R$ 88 mil em espécie encontrados no escritório usado pela quadrilha, no centro de São Paulo R$ 88 mil em espécie encontrados no escritório usado pela quadrilha, no centro de São Paulo

Contabilidade subjetiva

De acordo com a investigação, o esquema de propina funcionava da seguinte forma: os fiscais recebiam dinheiro para diminuir o valor do imposto devido pelas construtoras ao fim de cada obra.

Como o processo corre em segredo de Justiça, os advogados não relatam detalhes sobre as estratégias das defesas. Porém, o Thiago Sayeg argumenta que o grupo de fiscais não lesou os cofres públicos.

— O que pode ser dito é que a prefeitura não foi lesada em R$ 1. As contas não tinham um padrão objetivo. Então, as contas eram glosadas de forma subjetiva. De modo que, se colocassem seis fiscais para fazer a mesma conta, poderiam chegar a seis resultados diferentes, sem que ninguém estivesse lesado.

Já o Ministério Público diz que foi justamente essa subjetividade que motivou os fiscais a pedirem propina. As investigações apontaram que somente uma pequena parcela do que as construtoras pagavam ia de fato para a prefeitura. A acusação diz que os auditores inflavam o valor do imposto devido para motivar as construtoras a pagarem propina.

Ele ainda diz que “várias” construtoras alegam que tinham dinheiro a receber da prefeitura, mas ainda assim pagaram imposto.

— Quando você vai executando a obra, todo serviço que você paga, você se credita. Ao final, leva para a prefeitura para compensar e ver se há saldo devedor ou credor. A prefeitura pode ficar devendo para o empresário. O problema é que ninguém quer saber se a prefeitura deve ou não porque todo mundo quer o Habite-se. Era mais barato para o empresário deixar para lá o eventual crédito que ele tinha e até pagar uma suposta diferença para obter a certidão do que apurar tudo certinho, porque ele tinha um prazo de entrega.

O advogado de Luís Alexandre também diz que, se a prefeitura, ficar com o dinheiro e os bens bloqueados dos envolvidos, estará recebendo “três vezes”.

— Como as empresas pagaram novamente, se ela cobrar dos fiscais, ela está recebendo três vezes. A primeira, com a conta do Luís, a segunda que as empresas pagaram [no recálculo da prefeitura, após a descoberta do escândalo] e depois com o dinheiro [bloqueado] dos fiscais.

A Promotoria responsável pelo caso diz que essa tese da defesa não prospera, uma vez que tudo o que estiver envolvido no produto de crime praticado por servidores deve ser devolvido à prefeitura.

Flats adquiridos por terceiro e repassados a fiscais em prédio na rua Bela Cintra estão entre bens bloqueados pela Justiça
Flats adquiridos por terceiro e repassados a fiscais em prédio na rua Bela Cintra estão entre bens bloqueados pela Justiça Flats adquiridos por terceiro e repassados a fiscais em prédio na rua Bela Cintra estão entre bens bloqueados pela Justiça

Novo cálculo

Procurada, a Prefeitura de São Paulo afirma que demitiu 14 servidores acusados de envolvimento no esquema. “Foram bloqueados mais de R$ 330 milhões em bens de agentes públicos envolvidos no caso e instaurados 26 inquéritos administrativos relacionados” ao caso, diz a nota.

As construtoras apontadas como beneficiadas foram chamadas pela administração municipal para o recálculo do ISS. Segundo a prefeitura, foram lavrados R$ 354,7 milhões em autos de infração. Desse total, R$ 121,1 milhões já entraram nos cofres da cidade, sendo que R$ 34,6 milhões foram parcelados.

“Os trabalhos de revisão dos valores dos tributos devidos continuam em curso, nos termos da legislação em vigor”, conclui a prefeitura.

O município adotou um novo formato do cálculo do ISS. Agora, as notas fiscais são lançadas em um sistema informatizado, o que, segundo os promotores, diminui drasticamente a chance de fraude. A relação entre auditores e empresários ficou distante.

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