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Após levar soco de paciente em pronto-socorro, enfermeiro luta pelo fim da violência contra profissionais de saúde 

“Somos tão vítimas da precariedade do sistema quanto a população”, desabafa profissional

Saúde|Ana Luísa Vieira, do R7

Rocha, que levou um soco no nariz enquanto trabalhava como enfermeiro, aguarda decisão da Justiça
Rocha, que levou um soco no nariz enquanto trabalhava como enfermeiro, aguarda decisão da Justiça Rocha, que levou um soco no nariz enquanto trabalhava como enfermeiro, aguarda decisão da Justiça

Alessandro Rocha só esperava ter mais um dia normal de serviço quando chegou ao hospital particular de São Paulo onde trabalhava como enfermeiro, cerca de cinco anos atrás. Mas terminou o expediente com o nariz quebrado após ser agredido por um paciente descontrolado. Chamou a polícia, fez um boletim de ocorrência, pediu por ajuda na instutição que o empregava, mas não obteve nenhum tipo de auxílio — médico ou psicológico. Hoje, aguarda por um desfecho na Justiça, enquanto atua como conselheiro do Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo), lutando pelos direitos de enfermeiros que passaram por situações semelhantes no trabalho. 

Rocha é apenas um dos muitos profissionais de saúde do Estado de São Paulo que afirma ter sofrido algum tipo de violência durante o serviço, segundo pesquisa realizada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) e pelo Coren-SP entre janeiro e fevereiro de 2017. Para ele, os médicos e enfermeiros são tão vítimas do sistema precário de saúde do Brasil quanto os pacientes — que enfrentam filas, falta de medicamentos e outros problemas tanto em instituições públicas quanto privadas. Conheça sua história de luta.

Aconteceu há uns cinco anos. Eu trabalhava em uma instituição privada, como enfermeiro, no setor de pronto-socorro. Um dia, eu estava em atendimento, cuidando de um paciente, e fui solicitado na emergência por conta de outro paciente que estava alterado, aos berros, na recepção. Esse homem dizia que haviam feito a aplicação de uma injeção nas costas dele em um local errado. Me levaram até lá para entender o que estava acontecendo e até tentar acalmá-lo.

Chegando na recepção, eu o conduzi para a sala da triagem junto com um outro colega técnico em enfermagem. Lá, eu constatei que a aplicação tinha sido feita em um local correto. Eu expliquei isso para o paciente que reclamava, mas percebi que a explicação o deixou ainda mais nervoso. Nessa hora, já era possível notar que ele queria partir para uma agressão física, mas meu companheiro de trabalho o conteve.

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Em seguida, bateram na porta e eu fui abri-la. Quando virei de costas para retornar à conversa com eles, o paciente, ainda alterado, me desferiu um soco. Em nenhum momento eu reagi. Pelo contrário: saí da sala e chamei o segurança — que logo veio, segurou o agressor e o levou para fora da triagem. Eu imediatamente chamei a polícia e, enquanto abria a ficha para ser atendido no pronto-socorro do próprio hospital — meu nariz sangrava e depois foi constatado que havia sido fraturado em três partes —, soube que o plantonista administrativo havia liberado o agressor, que fugiu do flagrante.

Quando eu fui contar a história para a administração do hospital, eles me trataram com muita indiferença e não deram nenhum respaldo psicológico. Nunca, aliás, em nenhuma instituição onde eu trabalhei como enfermeiro, me deram algum tipo de orientação em relação à violência durante o exercício da profissão. A única coisa que disseram foi que eu deveria procurar a Medicina do Trabalho. Eu procurei, e passei também pelo departamento pessoal da instituição — onde a supervisora, em tom irônico, me disse que eu deveria “parar de lutar UFC no pronto-socorro”.

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Psicologicamente, eu já estava muito fragilizado àquela altura. Eu não queria esperar acontecer outra situação de violência daquele tipo para eles fazerem alguma coisa. Esse hospital onde eu trabalhava já tinha um histórico de negação em relação a profissionais agredidos em serviço. Já tinha até saído na mídia, que um enfermeiro de lá foi ameaçado com uma faca por um acompanhante de paciente.

Decidi pedir as contas e não recebi nenhum suporte, nem médico. Como meu nariz havia sido fraturado e eu já sofria com desvio de septo, havia indicação de cirurgia. Mas me disseram que eu teria de esperar um mês e meio se quisesse fazer a operação pelo hospital. Só que eu não me sentia confortável em continuar lá durante esse tempo. Fui obrigado a entregar a carteirinha do plano e assumi a cirurgia pelo plano da minha esposa.

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No início, eu tive receio — e até me sentia culpado pela situação. A nossa cabeça é uma coisa louca. Alguns meses depois, refleti melhor e processei a instituição. Ganhei em primeira instância. A instituição recorreu, eles ganharam em segunda instância e eu recorri novamente. Agora eu estou esperando o Tribunal Superior decidir se eu, que fui vítima de uma agressão, tenho razão, ou se eles, que permitiram que essa agressão ocorresse, estão certos.

O que o pacientes não entendem, muitas vezes, é que nós somos tão vítimas quanto eles. Nós, enfermeiros, estamos na linha de frente para atender um contingente grande de pessoas para o qual, muitas vezes, a instituição de saúde não se prepara.

Nós acabamos sendo agredidos por eles e eles não entendem que a falta de preparo é da instituição, e não nossa. O atendimento é precário porque a instituição não se prepara. A sociedade precisa compreender isso e cobrar para que as instituições assumam a responsabilidade — e não o profissional que está na ponta do sistema tentando simplesmente ajudar quem busca atendimento.

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