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Cineasta: 'Todos se ajudam quando alguém tem Alzheimer na periferia'

Diretor do documentário "Alzheimer na periferia", Albert Klinke acompanhou cinco famílias e diz que doença é vista só como mais uma dificuldade

Saúde|Deborah Giannini, do R7

Cena do filme "Alzheimer na periferia" que mostra 'puxadinho' na casa de Cida
Cena do filme "Alzheimer na periferia" que mostra 'puxadinho' na casa de Cida Cena do filme "Alzheimer na periferia" que mostra 'puxadinho' na casa de Cida

Para cuidar da dona Cida, que aos 82 anos foi diagnosticada com Alzheimer, a família de 12 pessoas que mora no mesmo terreno na Brasilândia, zona norte de São Paulo, estabeleceu uma espécie de revezamento “para não sobrecarregar ninguém”.

“Quando tinha que transportá-la quem ajudava eram os homens, já cuidados como banho, troca de fralda e comida eram as mulheres”, conta a dona-de-casa Mirian Santos, 57, um dos cinco filhos.

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“Até os pequenos de 5 e 7 anos ajudavam, fazendo companhia, tentando distrai-la, porque ela ficava ranzinza, muito alterada”, completa. Dona Cida morreu aos 89 anos, depois de um AVC.

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Mirian diz que, mesmo com as dificuldades – Cida chegou ao estágio mais avançado da doença, não andava nem reconhecia as pessoas –, nunca pensou em internar a mãe. “Ela sempre cuidou da gente. E tanta gente aqui, seria injusto com ela”, afirma.

O mal de Alzheimer é uma doença relacionada ao envelhecimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), corresponde a 70% dos casos de demência. Diferentemente de outros problemas de saúde, ela não afeta apenas o doente, mas toda a família, pois a pessoa acometida passa a ter falta de memória, alterações no comportamento e perda das funções do corpo, de forma progressiva. E a doença não tem cura.

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Apesar da dificuldade financeira, nas famílias da periferia de São Paulo que passam pela experiência não falta acolhimento aos doentes, de acordo com o cineasta Albert Klinke, diretor do documentário “Alzheimer na periferia”, disponível na plataforma de vídeos Vimeo. “A rede de proteção social construída pelas famílias chama a atenção”, afirma.

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Klinke acompanhou a vida de cinco famílias da periferia paulistana que enfrentavam a doença com o intuito de “expor o desafio da população pobre para enfrentar a ‘doença do século’”.

“Eu cresci na periferia e o que sempre vi é que as pessoas se ajudam”, diz ele, que foi criado em Cidade Dutra, zona sul de São Paulo.

“Na periferia, as pessoas estão acostumadas com a dificuldade, então o Alzheimer é só mais uma. Elas encaram a doença de forma diferente da classe média, para a qual pode ser um tremendo problema”, completa.

Para o escritor Jorge Felix, pesquisador da longevidade e autor do argumento do filme, a enfermidade é vista como uma “doença de rico”. “Isso se deve muito pela representação cultural, em filmes, novelas”.

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Convidado pela Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz) a um evento sobre o tema na Câmara Municipal de São Paulo, impressionou-se com a quantidade de relatos da população. “As pessoas tinham muitas questões sobre o assunto. Precisavam falar e queriam ser ouvidas”. Assim surgiu a ideia do filme.

Uma das principais dificuldades para famílias que lidam com o Alzheimer é a falta de informação. “Não sabem onde buscar remédios, que há distribuição de fraldas, o que a rede de saúde pública oferece. Além disso, dormem na porta dos equipamentos sociais para serem atendidas de manhã, não por causa de fila, mas porque moram muito distante”, diz.

Outra questão da doença agravada por quem mora na periferia se dá em relação à falta de acessibilidade da própria casa. “O Brasil tem um problema gravíssimo de autoconstrução, os famosos puxadinhos. Quando há o processo de envelhecimento, mesmo sem demenciamento, existe uma dificuldade muito grande de adaptação das pessoas. É importante o país pensar nisso”, afirma.

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Na casa de Cida, para chegar ao nível da rua, era preciso enfrentar mais de 15 degraus, além de outros “obstáculos” da casa autoconstruída. “Como a cadeira de rodas era muito pesada, a gente colocava minha mãe em uma cadeira mesmo e, meu irmão e sobrinhos desciam com ela, enquanto uma das minhas irmãs já esperava lá embaixo”, conta Mirian. A história está no filme.

Estima-se que 50 milhões de pessoas sofram de demência no mundo e, a cada ano, cerca de 10 milhões de novos casos sejam registrados, segundo a OMS.

No Brasil, a doença impacta a vida de 1,2 milhão de pessoas. Mas o diretor do documentário acredita que esses números são subdimensionados. “Retratar a periferia é retratar o Brasil”.

Para o escritor, a fase inicial da doença é uma das mais críticas, devido à dificuldade de aceitação, tanto pelo paciente quanto pela família. “A negação do Alzheimer faz com que a pessoa perca uma fase muito importante da doença, na qual ela pode ser medicada e frear os sintomas, além de a família ter mais tempo para se programar”, diz.

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Renata, cuja mãe enfrenta o estágio inicial da doença e a história é retratada no documentário, passou por isso. “Às vezes, me pego pensando: acho que não é Alzheimer. Mas tem sintomas que não tem como dizer que não seja”.

Cena do filme "Alzheimer na periferia" com Renata e a mãe Márcia
Cena do filme "Alzheimer na periferia" com Renata e a mãe Márcia Cena do filme "Alzheimer na periferia" com Renata e a mãe Márcia

“Você pegar a folha do médico e estar escrito ‘demência’ me chocou muito”, diz a mãe dela, Márcia.

Felix explica que a doença avança com rapidez e “pega todo mundo de surpresa”. “Isso desagrega várias famílias. Fica um jogando a responsabilidade para o outro”, afirma.

Até que um familiar, geralmente, uma mulher, assume a responsabilidade, segundo Klinke. “Foi isso que observamos”.

De acordo com o pesquisador sobre longevidade, todos vão ter pelo menos uma pessoa na família com demência, em grau menos ou mais avançado, em um futuro próximo. “O envelhecimento da população está invertendo a pirâmide, colocando os filhos únicos na base e pais, avós e bisavós no topo. Isso vai fazer com que tenhamos uma verdadeira epidemia de demência”, conclui Felix.

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