Parentes e amigos se emocionam no velório do cantor
Rogério Nunes/AgNewsUm cadáver com o abdome aberto, as vísceras expostas, sendo retalhado por um funcionário da funerária. Outro corpo estendido no asfalto, com o rosto arrebentado e cercado por sangue. Ao imaginar cenas assim tão chocantes, o que se espera é que elas causem repulsa, mas, o que se viu nesta semana, após a morte do cantor Cristiano Araújo e de sua namorada na quarta-feira (24), foi que, na verdade, elas não só despertam o interesse como também fascinam a maioria das pessoas, que não relutam em analisar e repassar as imagens.
Mas por que isso acontece? O que leva alguém a clicar, rever e compartilhar fotos e vídeos de famosos mortos na internet?
Para o professor do departamento de psicologia social da PUC de São Paulo, Helio Deliberador, há dois principais motivos que movem a curiosidade mórbida humana. O primeiro deles, quando se trata de alguém famoso, envolve o fato de que celebridades carregam a imagem de heróis.
— Mora no nosso coração o desejo de se ter um herói, ainda mais em um mundo tão mutável e variável como este em que a gente vive. A mídia trabalha incessantemente este artista, e ele acaba ganhando este valor para o povo.
Além disso, há, ainda, uma motivação maior, de acordo com Deliberador.
Ao nos depararmos com cenas brutais de cadáveres de pessoas que, embora famosas, não nos são próximas, seja em fotografias, seja em vídeos, estamos, de uma certa maneira, tentando compreender o que é a morte, e buscando uma antecipação para quando a situação nos envolver de algum modo.
— Temos um interesse em ver o que acontece com o corpo humano quando ele é ferido, rompido em suas estruturas, com as entranhas expostas e dilacerado por traumas em circunstâncias acidentais. Deste jeito, nos preparamos para quando isso acontecer conosco ou com alguém próximo. Há uma antecipação para tirar este susto da situação.
O psicólogo, no entanto, explica que este comportamento é ilusório.
— Quando acontece com a gente, há o vínculo emocional e não temos o distanciamento. Somos tomados pela emoção, e a experiência se torna muito mais difícil. Tem o desespero, a dor, e não querer ver porque são imagens muito fores. Era um corpo saudável, jovem, e vê-lo ferido e traumatizado pela circunstância do acidente é doloroso.
Isso explica o sentimento da maioria das pessoas que teve contato com as imagens dos cadáveres de Cristiano Araújo e Allana de Moraes, mortos em um capotamento do carro do cantor. Já em relação àqueles que registraram o material compartilhado à exaustão nos últimos três dias, o impulso é um tanto diferente.
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Trata-se do desejo de participar ativamente daquele momento, conforme explica Deliberador. Ao filmar o corpo ou fotografá-lo e mostrar o resultado disso para alguém, a pessoa ganha uma importância maior, já que estava presente naquele lugar àquela hora.
E, assim como foi difícil fugir do insistente compartilhamento das imagens nos últimos dias nas redes sociais e programas de comunicação instantânea como o WhatsApp, é possível imaginar que elas tenham porventura alcançado também a família das vítimas.
Neste caso, ressalta o professor, o contato dos pais de Araújo e Allana com as cenas de seus filhos em uma situação tão violenta pode gerar efeitos emocionais devastadores.
— É uma exposição de uma situação que deveria ser muito pessoal, que não deveria ser exposta. Isso pode prolongar este sofrimento e torná-lo ainda mais intenso. A pior dor humana é sentir a perda de filho, de pessoas jovens, é a dor mais terrível que se pode ter. Ver a imagem dele sem ser cantando, e dela, sem ser ali, presente ao lado dele, mas, sim, de ambos naquela condição de dilaceramento, faz com que a família reviva a morte e sofra ainda mais.
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