Imunidade de rebanha é alcançada a partir do contato direto com o vírus ou por vacinas
Leonhard Foeger/Reuters?Países ao redor do mundo e regiões brasileiras que já foram intensamente afetadas pelo novo coronavírus estão observando uma queda ou estabilização no número de mortes e infecções mesmo em meio ao processo de reabertura da economia, como é o caso das cidades de Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro.
No entanto, Gesmar Segundo, coordenador do Departamento Científico de Imunodeficiências da ASBAI (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia), destaca que ainda é cedo para dizer que se está perto de alcançar a chamada "imunidade de rebanho".
Essa condição é atingida quando a maior parte das pessoas de uma comunidade já se tornou imune a ao vírus por meio de vacina ou por ter sido infectada e desenvolver imunização natural, o que impede a propagação da doença.
O especialista explica que os estudos populacionais feitos até agora analisam apenas anticorpos e indicam taxas baixas. Mas, mesmo que elas fossem altas, não seria possível garantir o iminente alcance de uma imunidade coletiva.
"Na Espanha 3% tinham anticorpos, aqui no Brasil a pesquisa feita pela Universidade de Pelotas está mostrando, no máximo, em torno de 20% da população com anticorpos. Então, é muito difícil saber", pondera.
Gesmar se refere à Epicovi-19, o maior mapeamento do coronavírus no país, coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas, no Rio grande do Sul, e financiada pelo Ministério da Saúde.
A pesquisa estima a proporção de pessoas com anticorpos para a covid-19 por meio de uma amostragem de participantes em 133 “cidades sentinelas”, que são os maiores municípios das divisões demográficas do país, de acordo com critério do IBGE.
De acordo com a pesquisa, a maior proporção de indivíduos com anticorpos para a covid-19 na cidade de Manaus foi de 14,6%, detectada entre os dias 4 e 7 de junho. Quando novos testes foram realizados, entre 21 e 24 de junho, esse percentual caiu para 8%.
Em 17 de junho, a cidade anunciou a suspensão de enterros por meio do sistema de trincheiras (valas comuns), após queda no número de mortes por covid-19. Entretanto, um estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) alerta para o risco de um novo pico da contaminação pela covid-19 até agosto por causa, principalmente, da reabertura gradual do comércio.
Um estudo feito pela Universidade de Nottingham, na Inglaterra, e parceria com a Universidade de Estocolmo, na Suécia, diminui para 43% a taxa de uma determinada população que precisa ser infectada para que se alcance a imunidade de rebanho.
O cálculo foi feito considerando as diferentes idades e níveis de atividade social das pessoas além de número básico de reprodução (R0) = 2,5 - esse número indica quantas pessoas um único indivíduo é capaz de infectar.
Esses critérios explicam a diferença em relação a porcentagem de 70% que vem sendo indicada por especialistas como necessária para a imunidade coletiva.
"Essa redução se deve principalmente ao nível de atividade em vez da estrutura etária. Quanto mais indivíduos socialmente ativos, mais chances os indivíduos têm de ser infectados, e, portanto, se isso acontecer, estão mais propensos a infectar pessoas. Consequentemente, o nível de imunidade do rebanho é menor quando a imunidade é causada pela propagação da doença do que quando a imunidade vem da vacinação", afirma o professor Frank Ball, da Universidade de Nottingham
Gesmar destaca ainda que a presença de anticorpos, por si só, não garante imunidade à covid-19, pois para nenhuma infecção viral, como é o caso, eles são fatores decisivos para a proteção.
"Para nenhum vírus [a existência] de anticorpos é a coisa mais importante. O vírus vive e se replica dentro da célula, mas nenhum anticorpo consegue entrar dentro dela, ele age no curto período de tempo em que o vírus ainda está fora da célula", explica.
Ele acrescenta que existem pessoas que nunca tiveram contato com o novo coronavírus e mesmo assim possuem anticorpos capazes de neutralizá-lo, o que poderia ser explicado pelo fenômeno da "imunidade cruzada": um anticorpo desenvolvido para uma outra infecção também seria capaz de agir contra o SARS-COV-2 porque as proteínas presentes em ambos os vírus são muito parecidas.
"É como chave e fechadura. O vírus é a chave e o anticorpo é a fechadura que se encaixa nela", compara.
Contudo, mesmo se os anticorpos fossem suficientes para assegurar imunidade contra a covid-19, essa proteção seria passageira, como mostrou outro estudo feito por pesquisadores do King's College London e publicado nesta segunda-feira (13), mas ainda precisa de revisão.
Os pesquisadores analisaram 65 pacientes e 31 profissionais de saúde de março a junho. Dentre eles, 60% tinham anticorpos em quantidade suficiente para combater o vírus três semanas após o início dos sintomas, mas a taxa caía para 17% depois de três meses.
Gesmar aconselha que diante de tantas incertezas e, apesar da reabertura em algumas regiões, o ideal ainda é manter medidas básicas de higiene e evitar aglomerações.