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Nem tudo que é natural é seguro; entenda como chás e fitoterápicos podem causar danos à saúde

Médicos ouvidos pelo R7 apontam falta de regulamentação e promessas milagrosas, mas mentirosas, como maior problema de produtos que têm venda liberada no país

Saúde|Carla Canteras, do R7

Uma das suspeitas da causa da morte de Paulinha Abelha é o uso frequente de chás diuréticos
Uma das suspeitas da causa da morte de Paulinha Abelha é o uso frequente de chás diuréticos Uma das suspeitas da causa da morte de Paulinha Abelha é o uso frequente de chás diuréticos

“Precisamos mudar a prática comum no Brasil de que o que é natural não faz mal”. O hepatologista Luis Edmundo Pinto, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, é taxativo e direto ao falar sobre os riscos que os produtos fitoterápicos podem apresentar ao organismo humano.

Mesmo com os alertas médicos, todo mundo já recebeu alguma receitinha mágica de chá ou de uma cápsula para emagrecer rápido, dar um ponto final na insônia ou até mesmo relaxar e acabar com a ansiedade. Várias são as pessoas que usam, mesmo sem saber a efetividade e os possíveis danos do que está sendo consumido.

“Dá a impressão que o fato de ser natural exime de qualquer risco. O que não é verdade, porque existe um monte de coisa natural que é lesiva e deletéria. Os produtos são vendidos com esse arcabouço ‘produto natural’, e o leigo pensa: se é coisa natural, mal não faz. E se sente seguro para usar”, alerta o médico.

No último dia 23, a cantora Paulinha Abelha, da banda de forró Calcinha Preta, morreu em decorrência do agravamento de uma crise renal aguda. Quando estava internada no Hospital Primavera, em Aracaju, os médicos confirmaram, em entrevista coletiva, que a artista fazia uso frequente de chás diuréticos e essa poderia ser a causa da crise que a levou ao hospital. 

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Familiares confirmaram que a cantora usava remédios e chás diuréticos antes dos shows para emagrecer. "Geralmente, esses chás diuréticos ou chás emagrecedores, as empresas vêm junto com cápsulas e, muitas vezes, não tem nenhuma discriminação do que tem dentro delas. Nesse caso, se torna perigoso, porque podem ter substâncias e até medicamentos para ter mais efeito. E podem causar problemas renais e hepáticos. A morte da Paulinha aumentou a atenção a esse assunto", orienta o nefrologista Henrique Carrascossi. 

"Tomar um chá verde natural, um chá de camomila natural, normalmente não vai ter problema. Mas comprar formulação de chás que não sabemos o que tem nela pode trazer problemas, porque não sabemos o produto que está sendo ingerido", acrescenta o médico. 

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Além de problemas renais, essas substâncias ditas naturais podem causar problemas em outros órgãos. Também em fevereiro, a enfermeira Edmara Abreu, de 42 anos, sofreu uma hepatite fulminante depois de consumir o chá em cápsulas "50 Ervas Emagrecedor". Ela passou por um transplante de fígado, mas seu organismo rejeitou o órgão e ela acabou morrendo no dia 3 de fevereiro.

O principal motivo apontado para a hepatite da enfermeira foi a presença de chá verde no comprimido. Porém, a mistura de substâncias em um mesmo produto chama a atenção de especialistas, já que as chances de ele ter sido testado são pequenas.

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“Quando são estudados dois princípios ativos, é possível fazer um estudo científico e ver os efeitos. Quando se mistura 50 coisas, a chance de não ter sido testado é muito maior. Jamais se deve usar um remédio com uma mistura de um monte de coisas”, complementa Edmundo Pinto.

Outro fator apontado por médicos é que a interação de muitas substâncias, mesmo que naturais, pode causar efeitos desastrosos.

A médica e pesquisadora do Instituto do Sono de São Paulo Helena Hachul lembra: “Às vezes, o uso de alguns remédios, mesmo fitoterápicos, pode dar interação medicamentosa. Vou citar um exemplo, às vezes, a pessoa usa uma medicação natural que pode interferir na coagulação. Então, a pessoa que não tem problema nenhum começa a ter um sangramento.”

Chás e fitoterápicos consumidos sem orientação podem prejudicar o funcionamento normal de uma série de glândulas que regulam funções essenciais no nosso organismo, salienta a endocrinologista Lorena Lina Amato.

“Existe uma gama imensa de medicamentos que vêm de plantas, mas algumas substâncias naturais podem atrapalhar a função da glândula adrenal, por exemplo, que a responsável pela produção do cortisol [hormônio que controla estresse] e da aldosterona [hormônio responsável pelo equilíbrio hídrico do organismo]. Existem substâncias que podem atrapalhar função pancreática, tiroidiana.”

Chá emagrece?

Fitoterápicos são vendidos sem necessidade de receita médica
Fitoterápicos são vendidos sem necessidade de receita médica Fitoterápicos são vendidos sem necessidade de receita médica

Além dos efeitos nocivos ao organismo, os produtos naturais muitas vezes não chegam nem perto dos resultados prometidos.

Por exemplo, o consumo de chás virou moda nas dietas. Porém, a perda é de líquido, não de gordura.

“A maioria dos chás que podem ser usados acaba, eventualmente, levando a uma discreta perda de peso na balança quando eles têm efeito diurético. A pessoa acaba perdendo água rapidamente e isso acaba fazendo uma diferença na balança a curto prazo, e engana as pessoas”, ressalta a endocrinologista.

Perder líquido não é perder gordura%2C não é perder peso efetivo no sentido de emagrecimento

(Lorena Lina Amato, endocrinologista)

Porém, a médica acrescenta que há benefícios na ingestão de chás diuréticos.

“É uma forma de hidratação e pode ajudar um pouco na saciedade, já que a pessoa que está desidratada e vai se alimentar acaba comendo um pouco mais. Ajudar na hidratação é benéfico.”

Fitoterápicos resolvem problema de sono?

O uso de produtos naturais para auxiliar o sono também é comum. A especialista em sono orienta que o consumo deve estar relacionado com o objetivo de cada um.

“Não podemos generalizar, porque fitoterápico é uma categoria que engloba vários medicamentos. Então, é preciso saber qual é o medicamento e qual é a finalidade que a pessoa está querendo usar. A eficácia deles está relacionada ao objetivo de cada um. O distúrbio do sono está relacionado com vários fatores, assim como qualquer outro problema de saúde, e o medicamento pode ajudar em uma coisa e não ajudar na outra”, argumenta Helena Hachul.

Atenção às doses

Devido à falta de testes efetivos dos produtos naturais e à falsa sensação de segurança, as quantidades de fitoterápicos utilizadas variam muito, o que aumenta o risco de problemas.

“O grande problema é que muitas vezes as pessoas não têm o controle para saber exatamente a dose para tomar e para fazer efeito no organismo. Não consegue controlar, existem risco”, conta a endocrinologista.

O hepatologista explica que os possíveis danos podem não estar relacionados com a quantidade da substância consumida, uma vez que podem ser devido a uma alergia.

“Algumas reações não são necessariamente relacionadas com a quantidade ou concentração da substância. Podem ser reações alérgicas e não depende se a pessoa tomou um pouquinho ou um montão”, afirma Edmundo Pinto.

Falta de regulamentação

Assim que a foi confirmada a morte da enfermeira Edmara, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou que o produto não tinha liberação e autorização da agência.

A venda desses produtos, mesmo sem uma regulamentação, é apontada por todos os médicos ouvidos pelo R7 como o maior desafio a ser enfrentado pelos responsáveis pela saúde pública.

“Quando entramos na área de fitoterápicos, a legislação é muito frouxa, não tem nenhuma regulação tão exigente quanto a um remédio formal que precisa da aprovação da Anvisa. Não sei por que a legislação sobre os produtos naturais é tão permissiva. O que acaba gerando esse desastre que vimos com essa moça e que nós médicos vemos com frequência”, lamenta o hepatologista Luis Edmundo Pinto.

A endocrinologista acrescenta: “O papel da Anvisa é garantir à população que um produto que está sendo vendido seja não só seguro como eficaz também. Os medicamentos aprovados têm essas características, ao contrário dos que não têm.”

A verdade é que inclusive os produtos naturais devem ser usados apenas com recomendação profissional, seja qual o for o motivo do uso.

“Todos os medicamentos devem ser devidamente avaliados, mesmo que sejam naturais, para qual objetivo e, antes de tudo, a pessoa precisa ter um diagnóstico preciso do que ela tem. Porque, muitas vezes, a pessoa acha que tem um problema, usa o medicamento para aquilo e, na verdade, o problema dela é outro. Todo o cuidado é pouco, a pessoa tem de ser bem avaliada para que seja feito um diagnóstico adequado e assim ter um tratamento adequado”, finaliza Helena Hachul.

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