Contrato previa a compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin
Rajat Gupta/EFEO Ministério da Saúde assinou no dia 25 de fevereiro um contrato para a compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. O acordo entrou na mira da CPI da Covid no Senado e do Ministério Público Federal por suspeitas de irregularidades. Entenda quais são elas:
O contrato foi intermediado pela Precisa Medicamentos, empresa que é a representante no Brasil da farmacêutica indiana Bharat Biotech, responsável pela vacina Covaxin. Um de seus sócios, Francisco Maximiniano, negociou a compra, pelo Ministério da Saúde, de 20 milhões de doses do imunizante em fevereiro deste ano por R$ 1,6 bilhão. A compra foi a única feita por meio de uma representante e não diretamente com um laboratório fabricante (no país ou no exterior).
A Precisa tem como sócia uma outra empresa já conhecida por irregularidades envolvendo o Ministério da Saúde – a Global Gestão em Saúde S. A. Ela é alvo de ação na Justiça Federal do DF por ter recebido R$ 20 milhões da pasta para fornecer remédios que nunca foram entregues. O negócio foi feito em 2017, quando o ministério era chefiado pelo atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), do Centrão. Passados mais de três anos, o ministério diz que ainda negocia o ressarcimento.
Além disso, a empresa é investigada na operação Falso Negativo, do Ministério Público no Distrito Federal (MPDFT), que apura se houve fraude na venda de testes rápidos para covid-19 ao governo local. Segundo denúncia apresentada em agosto de 2020 contra a cúpula da Secretaria de Saúde do governo de Ibaneis Rocha (MDB), a empresa foi beneficiada em contrato de cerca de R$ 21 milhões.
No contrato fechado em fevereiro com a Precisa Medicamentos, o Ministério da Saúde aceitou pagar US$ 15 (R$ 80,70, na cotação da época) – a mais cara das seis vacinas compradas até agora. O imunizante da AstraZeneca, por exemplo, custou ao governo US$ 3,16 (R$ 15,61 - na cotação desta quinta) e a da Pfizer, que tem uma tecnologia mais avançada, US$ 10 (R$ 49,40). As duas fabricantes já concluíram os testes de seus imunizantes, enquanto os estudos de fase 3 da vacina indiana – a última etapa – ainda estão incompletos.
Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostram que o valor acertado pela Covaxin é 1.000% maior do que, seis meses antes, foi estimado pela própria fabricante - de 100 rúpias (US$ 1,34 a dose). Este valor não chegou a ser praticado pela Bharat Biontech, mas era uma estimativa de que o custo seria bem menor do que foi acertado com o governo brasileiro. Em dezembro, outro comunicado diplomático com base em declarações da empresa dizia que o produto fabricado na Índia “custaria menos do que uma garrafa de água”.
A ordem para a aquisição da vacina partiu pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro. A negociação durou cerca de três meses, um prazo bem mais curto que o de outros acordos. No caso da Pfizer, foram quase onze meses, período em qual o preço oferecido não se alterou (US$ 10 por dose).
Em depoimento ao Ministério Público em março, o chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Fernandes Miranda, apontou “pressões anormais” para a aquisição da Covaxin. O funcionário relatou ter recebido “mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões” fora de seu horário de expediente, em sábados e domingos.
Luis Ricardo, que é irmão do deputado Luis Miranda (DEM-DF), assegurou que esse tipo de postura não ocorreu em relação a outras vacinas. O coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde do Ministério da Saúde, Alex Lial Marinho, foi apontado como o responsável pela pressão.
O acordo da Covaxin previa o fornecimento de 6 milhões de unidades já em março, mas condicionava a um aval da Anvisa (Agência Nacional Nacional de Saúde), que só foi dado no dia 4 deste mês. Ainda assim, a autoridade sanitária impôs uma série de condições para que o governo distribua a vacina, como um plano de monitoramento de quem receber as doses, o que, segundo a Anvisa, ainda não foi apresentado. Diante disso, nenhuma dose da vacina foi enviada ao Brasil até agora.
O contrato fechado com a Precisa Medicamentos virou alvo do Ministério Público Federal, que decidiu enviar para a área criminal parte de uma investigação envolvendo a compra da Covaxin pelo governo Jair Bolsonaro. A procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira, do Distrito Federal, viu indícios de crime na contratação e apontou “interesses divorciados do interesse público”. Um dos pontos que a procuradora pediu uma investigação mais aprofundado é sobre o valor do negócio.
Uma das provas citadas pelo deputado Luis Miranda ao denunciar suspeita de corrupção na compra da Covaxin foi um documento que previa pagamento antecipado pelas doses. O "invoice" estava em nome de uma terceira empresa, Madison Biotech PTE LTDA, sediada em Cingapura. O documento, segundo afirmou o deputado, era uma fatura no valor de US$ 45 milhões referente a importação da vacina.
O pagamento, porém, dependia de aval de seu irmão, Luis Ricardo. O parlamentar afirmou que seu irmão se recusou a assinar, pois a área técnica da pasta considerou indevido o pagamento antecipado. Isso porque o contrato com a Precisa Medicamentos prevê que o governo só quitará a compra quando as doses forem enviadas ao Brasil.
Ao rebater ontem as suspeitas de corrupção, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, afirmou que o documento apresentado por Miranda pode ter sido "forjado" e que enviaria para a Polícia Federal periciar. Ele admitiu, porém, que um fatura prevendo pagamento chegou a ser emitida, mas que foi "corrigida" cinco dias depois, no dia 23 de março. Miranda diz ter levado a denúncia de irregularidade a Bolsonaro no dia 20 daquele mês.
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