O ministro da Justiça e da Segurança Pública, André Mendonça
Edu Andrade/Estadão ConteúdoO Ministério da Justiça e Segurança Pública resolveu se antecipar a um julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) e entregou nesta segunda-feira (17) ao gabinete da ministra Cármen Lúcia e à PGR (Procuradoria-Geral da República) uma cópia do relatório elaborado contra 579 servidores federais e estaduais identificados como antifascistas.
A elaboração de um dossiê pela Seopi (Secretaria de Operações Integradas) será discutida pelo plenário do STF quarta-feira (19). A entrega do documento foi feita pessoalmente pelo chefe de gabinete do ministro, mesmo sem uma determinação do Supremo para que o material fosse encaminhado ao tribunal.
Em outra sinalização ao Supremo, o ministro da Justiça, André Mendonça, também decidiu criar um grupo de trabalho que será responsável pela elaboração de uma política nacional e estratégia nacional de inteligência de segurança pública. No texto, que deverá ser publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União, Mendonça aponta a necessidade de “definir marcos normativos, estratégicos e finalísticos, à luz do Estado Democrático de Direito, às atividades de inteligência desenvolvida no âmbito da Segurança Pública”.
O grupo de trabalho terá um prazo de 60 dias para a conclusão das atividades. O grupo deverá ser composto por dois representantes do Ministério da Justiça, um da Polícia Federal, um da Polícia Rodoviária Federal, um do Departamento Penitenciário Nacional e cinco integrantes de secretarias estaduais de segurança pública.
A portaria de Mendonça também abre espaço para que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indiquem um representante. De acordo com o Ministério da Justiça, com a adoção de medidas de compliance e integridade pública, Mendonça “reitera seu compromisso com o aperfeiçoamento contínuo da atividade de inteligência como instrumento de proteção e defesa da sociedade e do Estado”.
Mendonça passou os últimos dias em contato com os integrantes da Corte para dar a sua versão dos fatos. Segundo relatos, nas conversas reservadas, por telefone, o ministro da Justiça se colocou à disposição para esclarecer os fatos à Corte e se comprometeu a apurar internamente se houve irregularidades na atuação da pasta.
Além de abrir uma sindicância, Mendonça demitiu o diretor de inteligência da Seopi, coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes. Mendonça é um dos principais nomes cotados para a vaga do decano do STF, Celso de Mello, que se aposenta compulsoriamente em novembro. Com a entrega voluntária do dossiê e o anúncio do grupo de trabalho, o ministro busca sinalizar à Suprema Corte uma disposição em aperfeiçoar os procedimentos de inteligência do governo.
Caso
Na ação que vai ser analisada pelo STF, o partido Rede Sustentabilidade pede ao Supremo a abertura imediata de inquérito para investigar o caso e verificar eventual crime cometido por parte de Mendonça e seus subordinados. O partido também quer que a pasta informe o conteúdo de inteligência produzido em 2019 e 2020 e se abstenha de produzir relatórios sobre integrantes do movimento antifascismo.
Relatora da ação, a ministra Cármen Lúcia apontou “gravidade” no caso e cobrou explicações de Mendonça. Em resposta ao STF, o Ministério da Justiça informou inicialmente que “não seria menos catastrófico” abrir ao Poder Judiciário o acesso a dados da Seopi, responsável pela produção do dossiê.
Para o advogado criminalista Marcelo Bessa, o uso indevido da máquina estatal com o objetivo de perseguir ou discriminar pessoas por razões políticas configura, no mínimo, gravíssimo ato de improbidade administrativa.
“Acredito que o STF determinará que qualquer conduta que configure perseguição política deve ser coibida por sua incompatibilidade com os valores democráticos, mandando cessar imediatamente a produção desses dossiês. Seria também uma consequência natural determinar à Polícia Federal investigar os fatos para se verificar se houve crime e os seus autores. Com relação ao crime de responsabilidade, a sua apuração e a eventual instauração do processo de impedimento são da competência exclusiva do Poder Legislativo”, afirmou Bessa.
Tom
O Ministério da Justiça chegou a pedir “parcimônia” e “sensibilidade” do STF, para que deixasse o Congresso Nacional fazer a análise sobre o tema, evitando “invadir esfera de competência do Poder Legislativo”. O tom usado na resposta foi criticado reservadamente por integrantes do STF, que viram nas declarações uma recusa a prestar as devidas explicações sobre o caso – e até uma ameaça de não entregar o dossiê para o tribunal, se fosse necessário.
Mendonça calibrou o discurso na última quarta-feira e, em uma segunda manifestação endereçada ao Supremo, disse que cumpriria “de imediato” uma eventual determinação para apresentar o documento. Em uma prévia do julgamento, o STF impôs na quinta-feira passada limites à atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O julgamento foi marcado por duros recados ao governo Bolsonaro. Cármen Lúcia, também relatora desse caso, disse que o agente que adota “prática de solicitação de dados específicos sobre quem quer que seja fora dos limites da legalidade comete crime”. A ministra criticou o que chamou de “arapongagem”.
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