Rosa Weber deu 10 dias para ministro se manifestar sobre portaria
ReutersA ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu nesta terça-feira (24), provisoriamente, a portaria do governo federal que altera as regras de combate e fiscalização do trabalho escravo no Brasil.
A liminar atende a pedido do partido Rede Sustentabilidade, que ajuizou na última sexta-feira (20) a ADPF 489 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), pedindo a suspensão da portaria assinada pelo ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira. Ele tem dez dias para se manifestar junto ao Supremo.
"Defiro o pedido de liminar, ad referendum do Tribunal Pleno, para suspender, até o julgamento do mérito desta ação, os efeitos da Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129, de 13.10.2017", escreve a ministra na decisão (confira a liminar na íntegra).
Desde sua publicação no Diário Oficial da União, a portaria do governo federal tem recebido críticas de instituições governamentais e não governamentais dentro e fora do Brasil.
Um dos pontos polêmicos é a redifinição para que a jornada de trabalho possa ser considerada como "exaustiva", que incluiria a restrição da liberdade de ir e vir do empregado como condição — isso não estava anteriormente previsto no artigo 149 do Código Penal, que trata das condições análogas à escravidão.
O ato assinado por Nogueira determina ainda que a inclusão de empresas na "lista suja" do trabalho escravo depende da vontade do ministro, o que na prática tira a autonomia das áreas técnicas de fiscalização.
A portaria gerou reações contrárias de entidades como a Organização Internacional do Trabalho (vinculada à ONU), o MPF (Ministério Público Federal), o Ministério Público do Trabalho, a Secretaria de Inspeção do Trabalho (vinculada ao próprio ministério do Trabalho), a Secretaria Nacional da Cidadania (do Ministério da Justiça), o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), entre outras.
Em sua decisão, a ministra diz que a restrição da liberdade de ir e vir não pode limitar a definição de trabalho análogo à escravidão.
"Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se, no entanto, a afronta aos direitos assegurados pela legislação regente do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se submetidos os trabalhadores a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes, com a privação de sua liberdade e de sua dignidade, resulta configurada, mesmo na ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir, hipótese de sujeição de trabalhadores a tratamento análogo ao de escravos, nos moldes do art. 149 do Código Penal, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 10.803/2003", escreve Weber.
Mais adiante, ela diz que a portaria, como está, "deixa de cumprir o seu propósito" de combater o trabalho escravo.
"O art. 1º da Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129/2017 introduz, sem qualquer base legal de legitimação, o isolamento geográfico como elemento necessário à configuração de hipótese de cerceamento do uso de meios de transporte pelo trabalhador, e a presença de segurança armada, como requisito da caracterização da retenção coercitiva do trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída. Omite-se completamente, ainda, quanto à conduta, tipificada na legislação penal, de restringir, por qualquer meio, a locomoção de alguém em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Afasta-se, assim, do conteúdo material da legislação de repressão ao trabalho escravo e, em consequência, deixa de cumprir o seu propósito", diz.
Na ADPF 489, a Rede sustenta que a portaria viola princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, da proibição do retrocesso social, de tratamento desumano ou degradante, da igualdade, da liberdade e do direito fundamental ao trabalho.
Além do pedido da Rede, a ministra recebeu na sexta uma segunda ADPF, da Confederação Nacional das Profissões Liberais. E na segunda-feira (23), o PDT entrou com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), também contrária à portaria.
A ministra Rosa Weber tem longa carreira na Justiça Trabalho, em que trabalhou por 30 anos, incluindo os dois anos no Tribunal Superior do Trabalho, em 2005 e 2006, antes de assumir a cadeira no Supremo.
Em nota à imprensa, o Ministério do Trabalho defende a legalidade da portaria, informa que vai acatar a decisão do STF, embora a decisão seja liminar, e afirma que a pasta já iria acatar recomendações feitas pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a fim de "aliar segurança jurídica ao primado da dignidade da pessoa humana".
Leia a nota completa:
"NOTA OFICIAL SOBRE A SUSPENSÃO DA PORTARIA Nº 1.129 / 2017
Quanto à suspensão da Portaria n.º 1129/2017/MTb, determinada no âmbito da ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 489, manejada perante o Excelso Supremo Tribunal Federal, o Ministério do Trabalho assim se manifesta.
1 – A minuta de texto legal que originou a Portaria n.º 1129/2017/MTb tramitou perante a Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho, órgão setorial da Advocacia Geral da União, e sua legalidade foi subscrita por um advogado público de carreira.
2 – Eventuais medidas jurídicas no curso da ADPF em referência serão tratadas pelo órgão competente, qual seja, a Advocacia Geral da União.
3 – Embora se trate de uma decisão monocrática de caráter precário, concedida liminarmente sem ouvir a parte contrária por Sua Excelência a ministra Rosa Weber, o Ministério do Trabalho desde já deixa claro que cumprirá integralmente o teor da decisão.
4 – Ademais, refira-se que não é a primeira vez que o assunto “lista suja do trabalho escravo” chega ao exame da Corte Suprema, a qual já suspendeu liminarmente a divulgação da referida listagem no início de 2015, no fluir da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5209, tendo a divulgação da lista em referência ficado sobrestada por quase dois anos.
5 – Por fim, por absolutamente relevante, reitera-se o total compromisso do Ministério do Trabalho no firme propósito de continuar aprimorando ações de combate ao trabalho escravo no país a fim de livrar trabalhadores dessa condição que avilta a dignidade humana, o que apenas será alcançado quando se garantir a plena segurança jurídica na divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Tanto é assim que, dentro do processo salutar de debate público afeto às democracias, o Ministro do Trabalho já havia decidido por aceitar as sugestões da Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Dodge, no sentido de aprimorar a portaria recentemente editada, com a finalidade de se aliar segurança jurídica ao primado da dignidade da pessoa humana, certamente os dois pilares sobre o qual se edifica o Estado Democrático de Direito brasileiro".