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‘O verbo e a música’: a nova coluna do professor Trindade

As novas gerações evidentemente não conhecem o cantor Miguel Ângelo. Eu mesmo

Cidades|

As novas gerações evidentemente não conhecem o cantor Miguel Ângelo. Eu mesmo não devera conhecer, não fora meu amor pela música, desde criança, e o cultivo de letras e melodias de épocas anteriores à minha.

Aos cinco anos de idade, ia eu, todos os dias à casa de um moribundo: Isídio, desenganado pelos médicos (fora baleado, e os médicos não conseguiram retirar todos os projéteis e ele estava ali, “esperando a morte chegar”; teria, no máximo, três meses de vida) cantar à beira de sua cama.

Uma das músicas que eu cantava, invariavelmente, era “Calendário”, sucesso na voz de Orlando Dias, cantor a quem eu julgava imitar, embora tivesse (eu) apenas cinco anos. Obviamente, o cantor fazia sucesso numa faixa etária muito superior à minha.

Nesse diapasão, costumo escutar Silvinho, José Augusto (o antigo), Carlos José, entre outros; cantores que não são “da minha geração”. Semana passada, resolvi “revirar” meus vinis e ouvir Miguel Ângelo, o cantor de voz suave, elegante e candente, que canta com uma facilidade e simplicidade extremas; no dizer de minha esposa, “canta como quem está arrumando os livros”. Encontrei, então, na música “Minha Esperança” uma maneira perfeita de se aprenderem os tempos e modos verbais.

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É impressionante; TODOS os versos do poema contêm verbo. Vamos à letra:

Quando dormires, meu amor, sonhes comigo

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Que passo as noites a sonhar sempre contigo.

Quando acordares do sonho sintas saudade,

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Porque comigo acontece essa verdade.

Em cada estrela eu encontro teu olhar.

O teu carinho vivo sempre a recordar.

Mesmo distante não te esqueço um só momento.

E a tua ausência é para mim o meu tormento.

É grande minha esperança.

Que dia hás de voltar.

Quem espera sempre alcança

Continuo meu amor a te esperar…

(bis)

Observemos a primeira estrofe. Ela se concretiza num apelo feito no futuro do subjuntivo: “quando dormires…”. É complementada pelo segundo verso, com o presente do indicativo: “que passo as noites a sonhar sempre contigo”, voltando, então, ao futuro o subjuntivo no terceiro verso: “quando acordares…” e fechando a estrofe (4º verso) novamente voltando ao presente do indicativo “porque comigo acontece essa verdade”, o que demonstra uma correspondência perfeita dos tempos verbais, trunfo maior do poema.

É preciso chamar bem a atenção para o segundo verso: “sonhes comigo…” o leitor mais incauto julgaria errada a construção, pensando se tratar do imperativo afirmativo. No caso, a forma correta seria “sonha” (2ª pessoa do presente do indicativo, sem o S final). Só que aí não há uma ordem ou pedido enfático; o que caracterizaria o imperativo. Pelo contexto, evidentemente o “eu lírico” não pode estar dando uma ordem; trata-se de um apelo; mas não um apelo enfático, e sim um apelo suave; a frase é o que chamamos de oração optativa; indica um desejo.

A segunda estrofe, toda ela se concretiza a partir do presente do indicativo: “Em cada estrela eu encontro o teu olhar/ do teu carinho vivo sempre a recordar;/ (…) não te esqueço um só momento…/ a tua ausência é para mim…”.

Observe que, como dissemos, a estrofe se estrutura no presente do indicativo, mas há um elemento diferente: RECORDAR: “Do teu carinho vivo sempre a recordar.” Aqui, há o emprego da forma nominal denominada INFINITIVO: terminação R. Interessante perceber que o autor preferiu uma construção usada em Portugal. Nesse tipo de construção, aqui no Brasil preferimos o gerúndio: terminação NDO. Mas evidentemente se o autor houvesse optado pelo gerúndio: “o teu carinho vivo sempre recordando.”, prejudicaria a rima e comprometeria a poesia, a suavidade, a leveza e a musicalidade do poema.

Na última estrofe, mantendo a regularidade rítmica da frase e a correspondência do tempo verbal, o poeta encerra só com versos no presente do indicativo, mas, coerentemente, mesclando com um verbo no infinitivo: “É grande…” “Hás de voltar.” “quem espera (…)” “Continuo (…) a te esperar”.

Ouvir música, recordar e relembrar os tempos e modos verbais: há coisa melhor?

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Observações importantes:

Conforme dissemos, a base do poema analisado é o modo subjuntivo, empregado na primeira estrofe e seguido nas demais pelo presente do indicativo, por questão de correspondência de tempos verbais.

A propósito, chamo a atenção para algo importante:

NÃO SE APRENDE VERBO “RECITANDO” CONJUGAÇÕES, mas sim, memorizando-se (o que é diferente de decorar) as DESINÊNCIAS; principalmente em relação aos tempos e modos.

Observe que no primeiro parágrafo, afirmei:

“As novas gerações evidentemente não conhecem o cantor Miguel Ângelo. Eu mesmo não devera conhecer, não fora meu amor pela música, desde criança, e a cultivação de letras e melodias de épocas anteriores à minha.”

Note que usei deveRA e foRA (pretérito mais-que-perfeito).

Adiantaria “recitar” aquele pretérito? Não.

O importante é lembrar que o “mais-que-perfeito” tem a terminação (desinência) RA (átono): deveRA; foRA.

Já a terminação RA (ou RE) tônica indica o FUTURO DO PRESENTE: cantarREI; cantaRÁs.

Há uma imensa tabela dessas terminações, que o leitor encontrará em qualquer boa gramática: o espaço e objetivo da coluna não permitem transcrevê-la. Tome-se como exemplo os tempos citados.

E quanto aos modos?

Destaquemos dois: o presente do subjuntivo e o futuro do mesmo modo (esse, o usado na letra estudada).

Como saber se um verbo está no modo subjuntivo?

O modo subjuntivo, conforme já afirmamos na coluna passada, indica DÚVIDA. Note que o “eu lírico” do poema NÃO TEM CERTEZA de que a amada irá sonhar com ele: “quando dormires, meu amor, sonhes comigo…”

Informação importante:

O presente do subjuntivo aceita um QUE, antes da conjugação:

Que eu sonhe; que tu sonhes, etc.

O futuro do subjuntivo aceita um QUANDO antes da conjugação:

Quando eu sonhar; quando tu sonhares, etc.

Correspondência de pessoa verbal

O poema manteve, do começo ao fim, a pessoa TU, como manda a boa prática da Língua Portuguesa: “Quando dormires meu amor, sonhes comigo…” o que prova o cuidado que os autores tinham, antigamente, com a nossa língua; o mesmo não se podendo dizer das letras de hoje.

E POR FALAR NISSO…

Já que estamos falando em música, aproveito e chamo a atenção para um erro muito comum entre as pessoas: empregar a desinência da segunda pessoa do plural (vós) no lugar da segunda do singular (tu), o que, evidentemente, está errado. Lembro bem uma famosa música interpreta por Fafá de Belém:

“Tu te fostes (sic) de mim (…)”

O certo, no caso, é: Tu te FOSTE. A desinência equivalente a TU é “STE”; “STES” é desinência da pessoa vós.

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