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ENFOQUE-Choques em postes que matam dezenas no Brasil motivam cruzada após tragédia no Rio

ENERGIA-POSTES-CRUZADA:ENFOQUE-Choques em postes que matam dezenas no Brasil motivam cruzada após tragédia no Rio

Economia|

Por Luciano Costa

SÃO PAULO (Reuters) - Os poucos pedestres que ainda andavam pelo centro e Zona Sul do Rio de Janeiro no início da quarentena imposta pela pandemia de coronavírus puderam ver técnicos circulando pelas calçadas de alguns bairros dedicados a uma detalhada análise de postes de iluminação pública, munidos de seus equipamentos para medições, câmeras e capacetes.

Mas o levantamento, que encontrou diversos postes metálicos sob riscos de causarem choques elétricos até fatais em caso de contato com pessoas, não foi comandado por autoridades municipais e nem pela estatal responsável pelos serviços locais de iluminação.

A auditoria foi paga de próprio bolso por um engenheiro que anos atrás descobriu da pior maneira que o simples ato de encostar em um poste ainda é a causa da morte de muitas pessoas no Brasil, principalmente mulheres e crianças, mais frágeis frente ao impacto da eletricidade.

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Após passar dez anos fora, Rubens Kuhn voltava ao Brasil em 2013 com a esposa, a polonesa Magdalena Rosa, que teve pouco tempo para conhecer o país --ela acabou eletrocutada em uma noite em que a chuva ajudou a transformar uma luminária elétrica na região central do Largo do Marchado em arma fatal.

Magdalena, com 32 anos, estava grávida de cinco semanas, o que tornou o desastre ainda mais traumático para Khun e o levou a começar uma cruzada particular para jogar holofotes sobre as mortes causadas pelos problemas com postes.

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"Eu não quero vingança, porque ela já se foi, isso não traria ela de volta. Mas eu quero mostrar os riscos, a negligência", contou ele em entrevista em vídeo à Reuters. "Eu sei que pode acontecer de novo, eles sabem."

Ele ainda trava batalha judicial contra a responsável pela manutenção dos postes de iluminação no Rio de Janeiro, a municipal RioLuz, agora nos âmbitos criminal e cível, mas já conseguiu nos tribunais uma indenização de 2,4 milhões de reais.

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Foi a maior indenização de morte não trabalhista da história do Brasil, diz o engenheiro. Khun agora usa esses recursos para custear os esforços de sua causa, como a contratação da auditoria e advogados e outros assessores, por exemplo.

"Na verdade isso infelizmente é mais comum do que a gente pensa, acontecem vários casos", disse o especialista em iluminação pública Edson Martinho, diretor da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), que trabalha com o tema há mais de duas décadas.

A Abracopel contabiliza 160 vítimas fatais de acidentes com postes e grades metálicas no Brasil desde 2015. Foram 38 em 2019, com 17 casos só em postes no primeiro semestre de 2020, quando a entidade começou a contar em separado essas ocorrências.

Na cidade do Rio de Janeiro foram quatro casos em 2019 e três na primeira metade de 2020.

Na vida real, um dos números dessa tabela era o garoto Fabio Carvalho, de 18 anos, que trabalhava como estagiário e na prática já sustentava a casa junto com a mãe, que trabalha como costureira.

Ele jogava futebol em uma quadra perto da Linha Amarela quando, durante uma pausa, encostou em um poste para mexer no celular.

O suor fruto da disputada partida daquela tarde de calor conduziu a eletricidade com maior força pelo corpo do jovem.

"Quando ele encostou a mão no poste, levou uma descarga elétrica e ficou ali, agarrado. Foi até difícil tirar ele. Quando veio o SAMU ele já estava praticamente desacordado. Mas levaram ele ainda com vida, fizeram animação, levaram pro hospital, um hospital público, e lá ele faleceu", contou o advogado da família, Luiz Antonio Figueira da Silva.

Ele reclama da demora da RioLuz para indenizar as famílias, assim como Khun, que levou sete anos até receber sua compensação e compilou muitos outros casos similares de demora.

Procurada, a RioLuz, responsável pelos postes de iluminação pública no Rio de Janeiro, não respondeu diversos pedidos de comentário sobre o caso de Magdalena e as ocorrências fatais em seus postes em geral.

"O RISCO ESTÁ ALI"

Crianças e mulheres têm menor resistência aos choques pela pele mais sensível e corpo menor, enquanto a umidade também costuma estar envolvida nas fatalidades.

"Se você me pergunta o grau de risco, eu vou te falar que é assim: se você tem um poste com problema, aí depende também de onde ele está, o risco é proporcional à quantidade de pessoas que estão perto dele, que passam ali, e quem são elas", explicou o engenheiro Humberto Fabio, da empresa de Ground Engenharia, que fez o levantamento no Rio de Janeiro a pedido de Khun.

Ele analisou mais de 150 postes em nove bairros no centro e Zona Sul --a amostra seria maior, mas os trabalhos foram cortados em meio à aceleração da pandemia.

Em três postes na central Avenida Rio Branco foram constatados riscos de choques que poderiam levar à morte, enquanto vários equipamentos em outras áreas poderiam causar de formigamentos a contrações violentas em caso de toque, de acordo com os resultados da auditoria independente. A RioLuz não comentou o levantamento.

"Bem sinceramente, a situação das instalações que vimos variava um pouco de bairro para bairro, mas o que causou um pouco de surpresa é que mesmo nesses bairros mais... abastados, digamos assim, havia pontos que apresentavam risco", afirmou.

O perigo está associado a questões como falhas de aterramento e cabos energizados encostando no metal, com "fugas de energia" que tornam-se potencialmente mais arriscadas se somadas a outros fatores como umidade.

"Tem a questão da segurança. Em muitos postes o que encontramos é que foi alvo de roubo. O pessoal abre a caixinha na base, rompe o lacre para levar o cobre... e ficam pontas de fio condutor vivo expostas."

"Eu posso encostar e tomar um choque ou não acontecer nada... mas o risco está lá, vai depender de quem está colocando a mão, como. Em um dia de chuva, se a água sobe, como foi no caso da esposa do Rubens... é fatal mesmo, água e cabo energizado não tem como."

As mortes decorrem principalmente de postes de iluminação pública --metálicos, e não daqueles usados na distribuição de energia e para cabos de telefonia, em geral de concreto-- quando há "fuga de corrente" nos equipamentos, disse o especialista Luciano Rosito, da Tecnowatt Iluminação.

"Às vezes a gente vê naqueles postes até decorativos em centros de cidades muita fiação exposta. Tem exemplos que andando pelas cidades eu me deparo. Infelizmente acontece e a gente vê essa questão, da necessidade que existe de uma maior manutenção elétrica e prevenção de acidentes."

O caso da mulher do engenheiro e diversos outros seguem na mira de Khun, que casou-se novamente e voltou para a Alemanha, onde também possui cidadania, mas não esquece o drama vivido e a questão dos postes.

Mesmo de longe ele segue investigando o tema e levantando casos semelhantes. Mais recentemente, passou a trabalhar com a ideia de produzir um documentário sobre as histórias tristes que tem ouvido.

"Agora que eu sei de tudo isso, está na minha conta. Se uma pessoa a mais morrer, eu vou ficar pensando que devia ter feito mais para ter evitado."

(Por Luciano Costa; edição de Roberto Samora)

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