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Cada vez mais bombardeada por informações, estímulos, novidades, a criança de hoje exige dos educadores um repertório diversificado de ferramentas pedagógicas. O R7 vai apresentar experiências criativas, aplicadas em escolas. Iniciativas que vão além da tradicional combinação lousa e giz e tornam o processo de aprendizado atraente, divertido e capaz de dialogar de forma mais direta com os estudantes
Reportagem: Ana Cláudia Barros, do R7Montagem/R7
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Quando começou a desenvolver o projeto “Ópera tecnológica”, uma oficina extracurricular para alunos do Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, o professor Francisco Tupy já tinha em mente que a atividade havia sido criada para extrapolar o próprio objetivo. Em uma primeira leitura, o projeto tem a finalidade de ensinar estudantes de 11 a 14 anos a fazer jogos. Mas é muito mais do que isso, garante Tupy.
— A oficina trabalha com soft skills (habilidades pessoais), com capacidades nem sempre trabalhadas de acordo com as disciplinas formais. Então, ela está envolvendo a comunicação, a colaboração, a cooperação.
Os times são montados de forma a potencializar os talentos de cada integrante, segundo o professor, que originalmente é formado em geografia, mas acabou se tornando estudioso de tecnologia educacional e, atualmente, é considerado referência na área por ter sido um dos primeiros a associar videogame com educação.
— Na hora de organizar o time, vou fazer um projeto de acordo com as habilidades de cada um [...] Eu ensino a pensar de maneira criativa, a resolver problemas, situações de modo que haja colaboração, respeito, união.
Um dos três projetos brasileiros selecionados para participar Fórum Global de Educadores da Microsoft, em abril deste ano, nos Estados Unidos, o "Ópera Tecnológica" tem entre seus princípios desenvolver o conhecimento crítico em relação aos jogos.
— Fazemos toda uma discussão, uma engenharia reversa dos jogos, partindo do pressuposto de como os alunos percebem a realidade, o mundo à volta deles. Começamos a discutir, a pesquisar, a colocar a mão na massa [...] Nas pesquisas que realizamos, uma das coisas que acontecem é que a visão deles em relação aos jogos muda. Eles deixam de ser jogadores passivos e começam ver o jogo como um observador ativo. Deixam de ser consumidores de conteúdo e, empoderados como produtores de conteúdo, passam a ter uma visão diferente. Muito mais do que um professor, sou um provocador. Estou lá para desafiá-losColégio Visconde de Porto Seguro/Divulgação
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A oficina de games é baseada em uma progressão. De acordo com o professor, “começa com um jogo analógico. Os alunos estudam o que faz um jogo a ser um jogo”. Na sequência, os digitais são introduzidos. Ela termina com o Minecraft, sucesso entre crianças e adolescentes.
— Os alunos adoram e isso faz parte da vida deles fora da escola. E, depois, o Minecraft é muito mais do que um jogo. É um meta-universo. Ele permite que você crie qualquer coisa. Só que para que isso aconteça, é preciso ter um processo bem estruturado de criaçãoColégio Visconde de Porto Seguro/Divulgação
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O projeto se chama “Ópera tecnológica” por duas razões, conforme Tupy.
— No ano passado, o tema que usamos para criar os jogos foi a ópera do anel [O Anel dos Nibelungos], do compositor Richard Wagner. O colégio Visconde de Porto Seguro é um colégio de origem alemã. Traduzimos, transportamos da literatura, da música, do filme para o jogo, mas outra coisa é que também tem uma metáfora. Há uma brincadeira com o nome “ópera tecnológica”, porque cada aluno é como se fosse um músico. E todos precisam estar afinados entre si e em harmoniaColégio Visconde de Porto Seguro/Divulgação
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Para o professor, trabalhar com um grupo heterogêneo, com diferentes idades, visões de mundo, é um trunfo, pois enfatiza a necessidade de se equalizar o raciocínio. Ele destaca também que a oficina acaba influenciando positivamente no rendimento dos alunos nas disciplinas regulares.
— Há alunos que dizem que conseguiram melhorar em todas as disciplinas, porque a oficina os ensinou a se organizaremColégio Visconde de Porto Seguro/Divulgação
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Que tal estudar a Idade Média, a Roma antiga, as grandes navegações de forma lúdica e divertida? Foi com este propósito que o professor de história Juberto Santos passou a utilizar Playmobil, brinquedo lançado na década de 1970, como ferramenta pedagógica.
Santos, que leciona na Escola Municipal Belmiro Medeiros e no Santa Mônica Centro Educacional, ambos na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro, conta que a ideia surgiu por acaso, em uma conversa com o pai. Colecionador de barquinhos de madeira, o professor decidiu providenciar uma “tripulação” para um dos seus saveiros. Começou a pesquisar em sites de compra na internet e encontrou um capitão pirata Playmobil, boneco cujo apreço já vinha da infância. Animado com a brincadeira, passou a comprar lotes, que incluíam também acessórios.
— Ao ver o barco cheio, meu pai me perguntou: “Você está comprando isso para usar para dar aula? Vai falar de grandes navegações?” Quando ele disse aquilo, olhei para o cenário e me dei conta de que era uma aula prontaArquivo pessoal
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Santos resolveu, então, experimentar com alunos do sétimo ano e, o que inicialmente era um teste, tornou-se uma inciativa bem formatada. Há sete anos, ele leva “A História contada pelo mundo Playmobil” não só para seus alunos, mas para qualquer instituição de ensino que o convide. Tudo de forma gratuita. A única contrapartida é a ajuda para transportar as caixas com o brinquedo.
Além de despertar o amor pela história, resgatando o conceito que conjuga o brincar com o aprender, o projeto também é uma maneira de motivar os pais a participarem mais da vida escolar dos filhos, enfatiza o professor. Ele explica que os alunos acabam memorizando o conteúdo das aulas com prazer e mais facilidade. Os estudantes são ainda instigados a desenvolver a criatividade e o senso crítico.
— Tudo que falamos em aula, o educando tenta imaginar aquela cena. Mas quando você chega com a cena pronta, a informação vai mais rápida e ele interage maisArquivo pessoal
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O professor tira dinheiro do próprio bolso para manter o projeto, que conta com cenários diversos [de Egito à colonização do Brasil].
— As pessoas falam: “Você é maluco. Gasta dinheiro com isso”. E não é pouco. Sendo professor, fico endividado, mas quando você vê a criançada tendo essa chance de aprender de forma prazerosa [...] Lá trás, tive professores que me ensinaram dessa forma. E foi o que mais guardei daquelas aulasArquivo pessoal
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Ele faz questão de destacar o apoio da família, que ajuda a montar os cenários, e o dos amigos.
— Tenho fornecedores do Amazonas, do Rio Grande do Sul, de São Paulo. São pessoas que vendem brinquedo. Como é para o projeto, parcelam, fazem desconto [...] O fórum de colecionadores [de Playmobil] do Brasil ajuda muito. Com eles, consegui um boneco de 1,60 metros, o bonecão pirata. As crianças tiram foto, ficam malucas e os pais se empolgam.
Segundo o professor, todo o esforço é recompensado.
— Não somos apenas profissionais da educação. Somos também profissionais de criação, de fábrica de sonhos. Fazer aquela criança sonhar que pode chegar onde ela quiser. A diferença entre o objetivo e o sonho é a atitudeArquivo pessoal
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No Sesi Escola de Várzea Grande, em Mato Grosso, Lego é mais do que uma diversão. O popular brinquedo de encaixe faz parte da grade curricular, conforme explica a diretora da instituição Velma Regina Venturelle Alves.
— A metodologia Lego está na nossa grade curricular como disciplina a ser trabalhada com os alunos desde o ensino fundamental ao médio. Ele estimula o raciocínio lógico, o trabalho em equipe, a questão da oralidade e da pesquisaSESI-Várzea Grande/Divulgação
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Além de ajudar na construção de várias habilidades dos estudantes, a metodologia, que vem sendo utilizada no colégio desde 2008, interfere positivamente no rendimento dos alunos como um todo.
— Realmente, é uma estratégia que vem agregar, enriquecer o trabalho de ensino e de aprendizado dentro do espaço escolarSESI-Várzea Grande/Divulgação
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O brinquedo também assume protagonismo no Torneio de Robótica FLL (First Lego League) que, no Brasil, é promovido pelo Sesi (Serviço Social da Indústria). Em sua primeira participação no programa internacional, que é direcionado a estudantes de nove a 16 anos com a finalidade de fazer aflorar o interesse pela ciência e pela tecnologia, os alunos do Sesi de Várzea Grande saíram vencedores da etapa regional, segundo conta a diretora. Uma das metas era criar uma solução inovadora para aperfeiçoar a experiência de aprendizado.
— Os nossos alunos trabalharam com o tema dislexia. Eles fizeram toda uma pesquisa envolvendo o assunto. Entrevistaram psicólogos, psicopedagogos, os próprios disléxicos. Disso saiu uma solução, que foi a criação de um aplicativo de nome Ferramenta de Aprendizado aos Disléxicos [...] O aplicativo tira a foto de um texto e transforma em oralidade para que o aluno disléxico possa ter autonomia. Está em fase de teste final. Será disponibilizado de forma gratuitaSESI-Várzea Grande/Divulgação
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No Colégio RC, em São Paulo, dispositivos móveis deixaram de ser vilões para ocupar o posto de aliados no processo de ensino. De acordo com coordenadora pedagógica Priscila Aliaga Puleto, smartphones e tablets não são permitidos no cotidiano da escola para não tirar a atenção do aluno, mas a instituição tinha consciência de que não poderia fechar os olhos para o potencial dessas ferramentas. Por esta razão, autoriza, em aulas específicas, que os estudantes tragam de casa os equipamentos, utilizados exclusivamente com a finalidade de pesquisa.
— As crianças vão trabalhar um tema específico, por exemplo, sistema solar. Todos fazem a pesquisa na mesma página. É uma maneira de prender a atenção do aluno em um universo que ele já domina, que é a tecnologia. O professor, dentro do seu planejamento, faz a solicitação, e enviamos bilhetes para os pais, que autorizamColégio RC/Divulgação
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As aulas com tablets e celulares são aguardadas com ansiedade pelos estudantes, segundo Priscila.
— Pelo que temos visto, como essas aulas acontecem eventualmente, gera um interesse, porque é uma aula diferenciada. Juntamos tanto o interesse pessoal, que é manusear um objeto tecnológico, com o conteúdo em sala de aulaColégio RC/Divulgação
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A coordenadora pedagógica afirma que o resultado é positivo.
— Eles acabam abrindo as páginas em casa, mostrando para os pais.
Na avaliação dela, restringir o uso de dispositivos móveis, além de evitar que a ferramenta seja banalizada no ambiente escolar, mantendo sempre um ar de novidade, tem uma função didática.
— Isso faz também com que tenham noções de regras de convivência. Hoje em dia, temos lugares na sociedade onde não é permitido usar celular. O cidadão precisa ser educado em relação a issoColégio RC/Divulgação