Overdoses de remédios levaram mais de 500 mil norte-americanos à morte nas últimas décadas
REUTERS/Brian Snyder/22.12.2017Uma quantia "histórica" de US$ 26 bilhões (cerca de R$ 135 bilhões): este é o montante que o laboratório Johnson & Johnson e três distribuidores de medicamentos dos Estados Unidos acusados de alimentar a epidemia de opioides estão dispostos a pagar para encerrar cerca de 4.000 ações judiciais nos Estados Unidos.
Leia também: Epidemia de overdose diminui em 2 meses a expectativa de vida nos EUA
A J&J concordou em pagar US$ 5 bilhões (cerca de R$ 26 bilhões) em nove anos e os distribuidores americanos McKesson, Cardinal Health, e Amerisource Bergen, que fornecem 90% dos medicamentos do país, pagarão US$ 21 bilhões (o equivalente a R$ 109 bilhões) em 18 anos, anunciou nesta quarta-feira (21) a procuradora-geral do estado de Nova York, Letitia James, em nota.
Com este acordo, as empresas esperam pôr fim a cerca de 4.000 processos contra elas, apresentados por muitos estados do país e comunidades locais e evitar julgamentos, informou James, que deu uma coletiva de imprensa para explicar o acordo ao lado de procuradores de outros seis estados americanos.
"Johnson & Johnson, McKesson, Cardinal Health e Amerisource Bergen não apenas ajudaram a acender o fósforo, mas continuaram a alimentar o fogo do vício em opioides por mais de duas décadas. Hoje, fazemos com que prestem contas e injetamos bilhões de dólares em comunidades de todo o país", disse James.
O acordo também prevê mudanças na indústria farmacêutica para pôr fim à epidemia e evitar que se repita.
A Johnson & Johnson, que se nega a admitir culpa, deixará de vender opioides em nível nacional, e a McKesson, a Cardinal Health e a Amerisourse Bergen, "finalmente concordaram em coordenar e compartilhar sua informação com um monitor independente para garantir que este incêndio não se espalhe ainda mais", disse James.
O acordo, que foi considerado "histórico" pela procuradora, já foi aprovado por Nova York e outros seis estados do país (Carolina do Norte, Connecticut, Delaware, Louisiana, Pensilvânia e Tennessee). No entanto, ainda deve receber a aprovação de vários estados em 30 dias e de várias comunidades em 150 dias.
"Queremos que este dinheiro chegue às nossas comunidades o mais rápido possível e que seja o máximo montante possível porque as pessoas estão morrendo e queremos salvar vidas", disse o procurador da Carolina do Norte, Josh Stein, que espera que mais de 40 estados assinem o compromisso.
Pelo menos dois estados, Washington e Virgínia Ocidental, criticaram publicamente o acordo por considerar que receberiam pouco dinheiro e prometeram levar seus casos para os tribunais.
O procurador da Virgínia Ocidental, Patrick Morrisey, queixou-se de que o acordo dê apenas migalhas aos estados menores, já que os recursos são decididos com base na população "e não na intensidade da crise dos opioides".
Se confirmado, este será o maior acordo na longa batalha legal entre os governos estaduais e municipais e a rede de fabricação e distribuição de opioides — inclusive farmácias e médicos ou consultorias como a McKinsey —, que durante anos fez vista grossa ao uso abusivo de poderosos analgésicos.
Mas não inclui todos os fabricantes ou distribuidores. Grandes laboratórios alvos de ações judiciais como Purdue — fabricante do medicamento OxyContin, que muitos consideram um dos primeiros responsáveis pela epidemia — Teva, Allergan e Endo não se uniram ao acordo.
Também não inclui grandes redes de farmácias americanas, como CVS ou Walgreens, objetos de demandas judiciais por seus papeis na distribuição.
A batalha às vezes é comparada com a travada contra a indústria do tabaco nos anos 1980, que culminou com um acordo amigável entre os fabricantes e quase todos os estados em 1998 por quase 250 bilhões de dólares (cerca de R$ 1,3 trilhão em valores atuais).
Uma série de acordos amigáveis foi anunciada nos últimos meses, quando as demandas chegaram aos tribunais, incluindo uma da J&J com o estado de Nova York de 230 milhões de dólares (cerca de R$ 1,2 bilhão), e outra do laboratório Purdue.
O acordo com o Purdue, que prevê uma restauração completa do laboratório de propriedade da família Sackler e o desembolso de 4,5 bilhões de dólares (o equivalente a R$ 23 bilhões) às comunidades afetadas pela epidemia, ainda deve ser confirmado por um tribunal de falências, já que a empresa se declarou em moratória.
A promoção agressiva de analgésicos altamente viciantes desde meados da década de 1990 é considerada por muitos como o gatilho para a crise de opioides, que levou a mais de 500 mil mortes por overdose nos últimos 20 anos nos Estados Unidos.
À medida que se viciavam nesses opiáceos prescritos, muitos pacientes mais tarde começaram a usar poderosos derivados ilícitos, como heroína ou fentanil, a causa de muitas overdoses.
A epidemia piorou durante a pandemia de coronavírus: mais de 93 mil pessoas morreram de overdoses ligadas principalmente a opiáceos em 2020, de acordo com estatísticas divulgadas na última quarta-feira.