Em 2004, manifestantes se reuniram em frente a Esma
AP Photo/Daniel LunaUm processo que tramita no STJ (Supremo Tribunal de Justiça) apresenta duas versões de um montante de mais de R$ 850 milhões (US$ 300 milhões) que teria sido remetido da Argentina para contas secretas em paraísos fiscais da Europa.
No processo, cujas cópias foram obtidas com exclusividade pelo R7,o governo argentino pede a extradição do ex-oficial da Marinha, Gonçalo Sanches, de 63 anos, conhecido como El Chispa. Ele é suspeito de fazer parte da equipe de operações do Grupo de Tarefas da Esma (Escola Mecânica Armada da Marinha Argentina) — a força mais letal criada pela última ditadura militar Argentina para aniquilar os inimigos políticos.
Instalado em 1979 em salas clandestinas do Cassino dos Oficiais da Marinha, em Buenos Aires, o Grupo de Tarefas foi responsabilizado pelo assassinato de centenas de estudantes, sindicalistas e políticos de oposição, cujos corpos teriam sido jogados ao mar nos chamados voos da morte.
Os advogados do governo argentino argumentam que, com a extradição de Sanches e de outros oficias do Grupo de Tarefas, conseguirá recuperar toda a dinheirama amoitada no exterior, que os torturadores teriam sequestrado de desaparecidos políticos durante os anos de chumbo.
Preso no presídio Ary Franco, no Rio de Janeiro, desde o dia 7 de fevereiro de 2013, Sanches conta uma história diferente. Ele diz que passou a ser perseguido e jurado de morte ao descobrir as contas que alimentam o esquema de corrupção na Argentina.
“Não há nenhuma prova concreta de tortura contra mim. Sou um engenheiro naval. Fui incluído no processo depois que descobri o esquema de corrupção. Passaram a me perseguir. Se me mandarem para a Argentina, serei morto”, afirmou Sanches por meio de seus advogados.
O Ministério Público Federal do Brasil deu parecer favorável a extradição de Sanches desde que o governo argentino se responsabilize pela vida dele. O processo está parado desde 2013 no gabinete do ministro Marco Aurélio de Mello no STF (Supremo Tribunal Federal).
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O advogado de Sanches, Lúcio Adolfo, afirmou que entrará na próxima semana com requerimento junto à presidência do STJ para agilizar a tramitação do processo. Adolfo disse que a mulher de Sanches — uma brasileira com quem o oficial teve um filho — está apavorada, principalmente depois do suposto assassinato do promotor Alberto Nisman.
O promotor foi encontrado morto em seu apartamento no dia 19 janeiro, em Buenos Aires, poucas horas antes do seu depoimento que estava agendado no Congresso Nacional argentino, onde denunciaria a presidente Cristina Kirchner pelo encobrimento de supostos autores iranianos no atentado ocorrido em 2009, na Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), em Buenos Aires, que resultou na morte de 85 pessoas.
— A mulher de Sanches está apavorada com razão, mas o processo provará definitivamente a inocência de meu cliente cuja vida está nas mãos do STF.
Cópias do processo mostram o pedido de extradição de Gonçalo Sanches
Amaury Ribeiro Jr., repórter especial do R7De acordo com os documentos obtidos pelo R7, Sanches e outros oficiais do Grupo de Tarefas da Marinha passaram a ser investigados após a posse do presidente Nestor Kirchner em 2003, que suspendeu por meio de decreto as leis Ponto Final e de Obediência Civil, que impediam o julgamento de militares acusados de tortura e assassinato durante a ditadura militar.
Sanches passou a ser réu no processo número 18.918.03, na Justiça Federal por ter ocupado o cargo de oficial da Prefeitura da Marinha. Os advogados da União argumentam no processo que todos oficiais da Prefeitura Naval de Buenos Aires, do Exército e da Polícia Federal Argentina foram recrutados para o Grupo de Tarefas. No processo, Sanches é acusado de ter participado da captura de pelo menos 77 pessoas. Entre as vítimas está o jornalista e escritor Rodolfo Wash, um dos desaparecidos políticos da Argentina.
Na denúncia em que pede a extradição do oficial da Marinha, os advogados anexaram vários depoimentos de sobreviventes que passaram pelos porões de tortura do Cassino dos Oficiais da Marinha. Mas em nenhum desses depoimentos há qualquer relato da participação direta do oficial na prisão e na tortura de presos políticos.
Por exemplo, arrolados como testemunhas, Graciela Daleo e Horácio Domingo Maggio, disseram ter se encontrado com o oficial na prisão clandestina. Em conversas com os presos políticos, Sanches teria confessado o seu ingresso no Grupo de Tarefas em 1979 e que se preparava na ocasião para ir para a Espanha fiscalizar a construção de navios da frota da Marinha Argentina.
O oficial da Marinha resolveu se mudar para o Brasil em 2001 ao ser descoberto pela imprensa argentina quando trabalhava num pesqueiro no Porto da Província de Santo Antônio. Após desembarcar em Bangu, onde se casou e teve um filho, o oficial argentino passou a trabalhar num estaleiro de navio em Paraty onde foi preso numa ação conjunta da Interpol e Polícia Federal.
Sanches acredita que foi denunciado pelo próprio patrão que se recusava a pagar os salários em atraso. Acionado pelo governo argentino, a Interpol procura por outros quatro integrantes do Grupo de Tarefas que também estariam escondidos no Brasil: Juan Carlos Linarez, Pedro Oswaldo Salvíoa, Juan Carlos Foya e Roberto Gozales.
O Grupo de Tarefas foi fundado no final de 1976 por decisão direta do almirante da Marinha Emilio Eduardo Massera, que queria eliminar todo foco de subversão ao redor da Província de Buenos Aires. O grupo passou a ser liderado pelo capitão de Navio de Buenos Aires Rúben Jacinto Chamorro, que reuniu ao seu redor os oficias mais linhas-duras da Marinha.
O Grupo de Tarefas era dividido em três setores: planejamento, operações e inteligência. Este último setor se reunia diariamente numa sala do Clube do Cassino dos Oficiais onde os torturadores decidiam quais presos deviam ser soltos ou levados para os voos da morte.