Mesmo em crise, brasileiros dão lição de solidariedade e aumentam ajuda a vítimas de catástrofes humanitárias
Segundo captadores de recursos de ONGs, doações em dinheiro só cresceram nos últimos anos
Internacional|Do R7*
Nos últimos anos, os brasileiros tem dado uma lição de solidariedade ao aumentarem as doações a ONGs. Antigamente, as contribuições só eram feitas em datas como o Natal, o Dia das Crianças ou em ações voluntárias de igrejas, creches e centros comunitários. Mas agora, mesmo com o país em crise econômica, vários responsáveis pelo setor de arrecadação de fundos das organizações ouvidos pelo R7 destacaram a sensibilidade das pessoas com catástrofes humanitárias e violações de direitos humanos.
Segundo o gestor de Planejamento e Recursos da ActionAid no Brasil, Bruno Benjamin, parte dessa mudança de comportamento se deve ao aumento dos investimentos em propagandas, o que aumentou o acesso à informação e ampliou a diversificação de interesses por organizações das mais variadas causas.
— De uns anos para cá, com o aumento do número de organizações realizando campanhas em canais de grande circulação em rádio, TV e internet, o brasileiro passou a se interessar por causas diversas e outras modalidades de doação, como a doação de dinheiro mensal, a participação solidária em eventos e doações para campanhas de crowdfunding [financiamento coletivo] na internet.
Como exemplo, a diretora de captação de recursos da Médicos Sem Fronteiras Brasil, Flavia Tenenbaum, também conta que o povo brasileiro é um dos que mais se manifesta em situações de catástrofes mundiais. Ela explica que o ato de doar tem uma característica de causar uma espécie de efeito “bola de neve”, principalmente entre familiares.
— É um processo que, quanto mais gente estiver doando, mais pessoas vão doar, mais pessoas vão entender como que funciona e mais pessoas vão ter curiosidade. Elas vão pesquisar, vão confiar que existem, sim, instituições sérias e que o dinheiro vai ser usado de forma correta.
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O reflexo disso veio com o aumento do número de contribuintes dos Médicos Sem Fronteiras. Desde que começou a trabalhar na organização, Flavia afirma que os doadores no Brasil passaram de 45 mil contribuintes diretos para mais de 350 mil.
— Eu acho que se tinha o entendimento de que, para você doar dinheiro, você tinha que ser muito rico. Quando a gente falava em doação, parecia que significava 100 mil reais, 200 mil reais, mas quando a gente começa a falar na televisão e na rua, que com um real por dia a gente pode fazer muita coisa, as pessoas veem que podem ajudar. Não precisa ser uma grande doação. A lógica de doação que a gente trabalha no Médicos Sem Fronteiras é a gente ter uma base muito grande de doadores, que doam um pouquinho e, juntos, fazem uma grande diferença.
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De acordo com a diretora de captação e mobilização de recursos da Anistia Internacional no Brasil, Leanne Neale, parte da boa situação financeira da organização se justifica pelo aumento no investimento em propaganda que essas organizações passaram a fazer nos últimos anos.
— As oportunidades para as pessoas doarem para essas instituições estão aumentando. Hoje existem mais propagandas na televisão e nas redes sociais. Isso tem muito a ver com a mudança da forma de arrecadação de recursos das organizações para que elas fiquem de acordo com a forma que as pessoas querem fazer parte delas.
Aberto em 2012 no Brasil e com início de captação de recursos em 2014, a arrecadação anual nos dois primeiros anos da Anistia Internacional passou de R$ 78 mil, quando ela tinha 666 doadores diretos, para R$ 1,28 milhões, saltando para uma quantidade de mais de 5.300 doadores.
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O retorno de maiores investimentos em divulgação também mostrou bons resultados no aumento da renda da ActionAid.
Desde 2012, a organização ampliou em 190% o repasse de verba para aquisição de doadores, além de ela também ter investido em novas estratégias de retenção. Por isso, hoje a ActionAid conta hoje 26 mil doadores regulares individuais no Brasil, sendo que, em 2012, a quantidade era de 13.500.
Diminuição da pobreza
A mudança da percepção e da cultura dos brasileiros para causas mais nobres e diminuição da pobreza também foram causas que chamaram a atenção do diretor de arrecadação de fundos do Greenpeace Brasil, Pedro Espinoza.
Para o ativista, o fato de América Latina como um todo ser um continente de países que estão deixando de ser subdesenvolvidos é um dos motivos que a arrecadação do Greenpeace tem aumentado nos últimos anos, refletindo diretamente na situação financeira da organização no Brasil.
— Nós tínhamos índices de pobreza bastante altos, que quase chegavam a 50% há uns 20 anos. Agora nós temos algo em torno de 10%. E isso é uma coisa que acontece também no Brasil.
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No caso do Greenpeace, que é conhecida por não receber dinheiro de empresas nem de governos e atuar mais no setor ambiental, na luta contra o aquecimento global, desmatamento e na defesa dos direitos de animais, por exemplo, ela tem cerca de 72 mil doadores no Brasil.
— E nós estamos em uma tendência muito forte de crescimento dentro dos últimos dois anos. Nós fechamos 2016 com 60 mil doadores e no primeiro semestre de 2017 nós registramos aumento de 12 mil pessoas.
Uma pesquisa lançada no ano passado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e pela empresa americana de pesquisas de opinião pública Gallup Poll, mostra que, em 2015, 52% dos brasileiros fizeram doações em dinheiro para organizações do terceiro setor. Em 64% dos casos, elas foram feitas para, pelo menos, uma organização e, em 22% deles, duas instituições foram beneficiadas com as doações.
Do total de doadores, 36% deles doam um valor mensalmente, 24% contribuem 24 vezes ou mais por ano e 22% fazem de doações que variam de 2 a 11 vezes por ano. Somando todo o montante arrecadado em 2015, as doações individuais dos brasileiros totalizaram R$ 13,7 bilhões, o que correspondeu a 0,23% do PIB (Produto Interno Bruto) do país naquele ano.
Ainda de acordo com a pesquisa, a média do valor total doado pelos brasileiros é de R$ 486 e a mediana é de R$ 240, o que significa que grande parte das doações ficam na faixa de R$ 20 a R$ 40 mensais.
*Caíque Alencar, do R7