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O Brasil tem uma estratégia para uma transição justa e sustentável do sistema agroalimentar?

Precisaremos remodelar a estratégia para alcançar as metas estabelecidas

The Conversation

The Conversation|Cesar B. Favarão, Arilson Favareto, Mariana Ceci, e Olívia Dórea

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LEIA AQUI O RESUMO DA NOTÍCIA

  • O Brasil é o principal responsável pelas emissões do sistema agroalimentar, representando três quartos das emissões no país.
  • A Conferência COP30, que ocorrerá em Belém, será uma oportunidade para o Brasil liderar o debate sobre mudanças climáticas e o agroalimentar.
  • Três planos fundamentais (Plano Clima, Plano de Transformação Ecológica e Plano Safra) precisam de reformas para garantir a transição justa e sustentável no setor.
  • É necessário alinhar as políticas públicas e fortalecer a inclusão de pequenos produtores para uma verdadeira transformação no sistema agroalimentar.

Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Brasil precisará demonstrar de que modo pretende alinhar suas políticas a uma transição justa Reprodução/Record News - 11.10.2025

Em 2024, o planeta registrou as maiores temperaturas médias já observadas, e o sistema agroalimentar foi responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa.

No Brasil, essa proporção sobe para três quartos, o que o torna a principal fonte de emissões no país.


Para alcançar as metas estabelecidas por tratados internacionais, como o Acordo de Paris, ainda há um longo caminho a percorrer: precisaremos transformar profundamente a forma como produzimos, processamos, distribuímos, acessamos, consumimos e descartamos alimentos.

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Programada para novembro, a COP30 (Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), acontecerá no coração da floresta amazônica, em Belém (PA).


Como anfitrião, o Brasil ocupa lugar de destaque nesta edição, o que pode representar uma oportunidade concreta para que o país lidere o debate global sobre a mudança do clima, trazendo o foco para o sistema agroalimentar.

Para isso, o país ter de enfrentar desafios como a ampliação do financiamento para ações de mitigação e adaptação e a restauração da confiança no multilateralismo. Mas não é só isso: o Brasil precisará demonstrar de que modo pretende alinhar suas políticas a uma transição justa e sustentável.


Três políticas públicas são fundamentais diante desse desafio: o Plano Clima, o PTE (Plano de Transformação Ecológica) e o Plano Safra.

Essas políticas mobilizam uma grande quantidade de recursos e, assim, influenciam decisivamente o comportamento dos atores econômicos.


Elas também têm um potencial de maior transversalidade, e afetam diferentes áreas de governo e dimensões do funcionamento do sistema agroalimentar.

Em estudo conduzido pela Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da Universidade de São Paulo e pelo Núcleo de Pesquisas sobre Meio-ambiente Desenvolvimento e Sustentabilidade do Cebrap, analisamos em detalhe as dimensões dos planos que se relacionam diretamente com o sistema agroalimentar.

O objetivo foi tentar entender onde avançamos - e quais são os principais desafios para integração entre agendas climática e agroalimentar no Brasil.

Três planos: o que você precisa saber

O Plano Safra é o pilar financeiro da agricultura brasileira. Com R$ 516 bilhões destinados à agricultura empresarial e R$ 78 bilhões ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), ele é o principal programa de crédito para a agricultura familiar.

Portanto, é a política com maior poder de ação sobre as práticas produtivas e o uso do solo no país.

Embora o Plano Safra inclua linhas voltadas à agropecuária de baixo carbono, a maior parte dos recursos ainda se concentra em cadeias convencionais, baseadas na expansão de monoculturas.

Esse modelo reforça desigualdades regionais e entre segmentos de agricultores. As linhas de financiamento verde voltadas à agricultura familiar, como o Pronaf Agroecologia, Floresta e Bioeconomia, representaram menos de 3% do total concedido na safra 2023/2024.

Entre 2011 e 2020, durante a primeira fase do Plano ABC, estavam previstos R$ 197 bilhões em investimentos, mas apenas apenas R$ 21 bilhões foram efetivamente contratados.

Para o Plano Safra se tornar um verdadeiro motor da transição justa e sustentável, é preciso uma reformulação profunda.

As mudanças devem buscar eliminar conflitos entre incentivos, garantir uma distribuição mais equitativa dos recursos e alinhar o plano às metas climáticas e ecológicas assumidas pelo Brasil.

O Plano Clima é atualmente um dos eixos centrais da política climática nacional. Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, estabelece metas de mitigação e adaptação até 2035.

Essas metas estão alinhadas ao Acordo de Paris e aos compromissos assumidos pelo Brasil com o anúncio de sua nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) - mecanismo pelos quais os países estabelecem como irão se inserir nos esforços internacionais pela redução das emissões de gases que causam o aquecimento global.

O Plano também revela tensões e ambiguidades entre objetivos setoriais que impactam o sistema agroalimentar. No setor energético, a priorização de biocombustíveis tende a expandir monoculturas de cana (etanol) e soja e milho (biodiesel), criando um dilema entre aumento da oferta de energia e preservação da biodiversidade.

Ainda em fase inicial, o Plano precisa ser testado e ajustado continuamente para que seus instrumentos se tornem mais robustos, legítimos e efetivos na implementação.

O PTE (Plano de Transformação Ecológica) foi o terceiro e último plano analisado no estudo. Conduzido pelo Ministério da Fazenda, o PTE busca reposicionar a transição climática como motor do desenvolvimento econômico do país.

Ele é estruturado em seis eixos, e aposta nas finanças sustentáveis e na inovação tecnológica como motores de crescimento.

O plano pretende reorientar o crédito e os investimentos privados para atividades de baixo carbono por meio de instrumentos como o EcoInvest e a Taxonomia Sustentável Brasileira.

O EcoInvest foi criado para impulsionar investimentos privados sustentáveis e atrair capital externo para projetos de longo prazo, contribuindo para diversificar as formas de investimento na transição.

A Taxonomia Sustentável funciona como um sistema de classificação. Ela orienta o mercado financeiro na identificação de atividades alinhadas a práticas ambientais responsáveis.

Isso ajuda a evitar o greenwashing — termo que se refere a estratégias de marketing enganosas voltadas a criar uma falsa imagem de sustentabilidade.

Apesar do caráter inovador do EcoInvest e da Taxonomia Sustentável, ainda há dúvidas sobre alcance e equidade dos instrumentos.

Esses questionamentos estão voltados especialmente para a inclusão de pequenos produtores nesses processos. A Taxonomia, por exemplo, pode operar com uma classificação binária (“é” ou “não é” sustentável), o que dificulta reconhecer agricultores em processo de transição.

Já o mercado de carbono tende a se concentrar em segmentos com maior capital, devido aos altos custos de certificação e à necessidade de apoio administrativo e organizacional. Essas barreiras afastam populações rurais mais vulneráveis.

Por estar em fase inicial, a consolidação do plano dependerá de monitoramento contínuo e da capacidade de ajuste dos instrumentos. Isso vai contribuir para garantir efetividade e legitimidade ao longo do tempo.

Também será necessário avaliar como eles se harmonizam com outros programas setoriais, incluindo o Plano Safra, que atualmente apresenta sinalizações ambíguas: em alguns casos, incentiva práticas sustentáveis e regenerativas; em outros, concentra recursos em tecnologias e modelos de negócio convencionais que podem continuar estimulando emissões de gases de efeito estufa.

Desafios da transição

A existência desses planos ou de alguns de seus componentes é sinal de que o Brasil busca aperfeiçoamentos em direção a uma transição sustentável. No entanto, é necessário ir além.

O país ainda precisa alinhar sua ambição climática à atuação de suas instituições e execução de políticas setoriais de forma mais coerente e coordenada.

O segundo é fortalecer a coordenação entre ministérios e instituições, aproveitando instâncias de governança com alcance transversal já criadas, como o CIM (Comitê Interministerial sobre Mudanças Climáticas).

O terceiro é garantir monitoramento e aperfeiçoamento contínuo dos instrumentos, em especial, aqueles destinados a direcionar recursos financeiros - como a Taxonomia, o mercado de carbono e o EcoInvest.

Por fim, é necessário vincular de forma mais robusta as metas climáticas ao eixo de adaptação. Isso significa dar mais atenção às políticas de inclusão produtiva rural, para que agricultores familiares, povos tradicionais e territórios vulneráveis sejam protagonistas da transição.

Hoje, a soma dos planos não configura uma estratégia de transição justa e sustentável do sistema agroalimentar.

Sem reformas mais profundas na distribuição de recursos para o setor agropecuário e sem reduzir as ambiguidades entre os planos, a tendência é que o padrão atual se mantenha.

Inovações são disseminadas, mas esforços seguem concentrados em práticas convencionais que contribuem para a crise climática.

A construção de uma estratégia eficaz dependerá, portanto, da complementaridade, coerência e compatibilidade entre as políticas públicas existentes.

Cesar B. Favarão recebe financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil. Processo nº2024/23494. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

Arilson Favareto recebe financiamento da UFABC e da Cátedra Josué de Castro USP.

Mariana Ceci prestou consultoria em atividades de Divulgação Científica para a Cátedra Josué de Castro.

Olívia Dórea recebe financiamento da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis.

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